• Nenhum resultado encontrado

Jesus na encarnação, dentro dos princípios da condição humana, assumiu todos os e- lementos do homem. Ele não rezou por ser o Filho de Deus vindo das alturas, mas teve sua espiritualidade voltada para o Pai porque ser religioso e fazer oração são práticas do homem e

146 AGOSTINI. Introdução à teologia moral. p. 107.

extrapola os limites da história e cultura por ser uma necessidade natural. Disso o Magistério fala ao proclamar o homem naturalmente religioso148; até da parte das ciências humanas tal elemento vem sendo confirmado. “Os antropólogos afirmam que nunca foi encontrado um povo sem religião, sem celebrações e sem divindade. Isso nos mostra como em cada um está presente a necessidade de, em determinados momentos, recorrer ao Senhor”149.

Ressaltando a prática de Jesus, o Verbo encarnado, ele de fato soube como vivenciar sua religião sem por ela deixar ser manipulado. Cabe ao homem de hoje, perceber a religiosi- dade como forma de voltar-se para Deus por meio dela, sem desvalorizar parte integrante do seu ser, ou seja, o corpo, e muito menos desprezar o corpo de outrem. A prática religiosa ao apresentar um Deus não preocupado com a corporeidade carece de sentido e não expressa a verdade sobre o homem.

O homem deve ao corpo o fato de pertencer à natureza. O ser humano encontra no seu aspecto corporal a sua semelhança com o resto do mundo natural. É também pelo corpo que o homem participa das condições exteriores do existir que é a natureza. Neste sentido, ele se aproxima especialmente dos animais superiores150. Um homem praticando essa religião que não leva em conta este princípio, portanto, sem questionamento e reflexão, não se conhece e vive parcialmente sua própria condição. Torna-se carente de comportamento ético em todos os sentidos. Principalmente se olhado à luz de Cristo. “O mistério de Cristo é como o núcleo no qual se articulam todas as dimensões da existência moral cristã. Dele procede (ontologicamente) a vida moral e para ele tende (como a seu ideal normativo)”151. Sendo assim, sem dúvida não há outro modelo com tama- nha proporção e significância a não ser o Filho encarnado.

A verdade sobre isso pode ser vista a partir de Jesus nas suas relações comunitárias. Como homem ele se relacionou, fez parte de uma cultura e tradições de seu tempo. Na sua carne foi circuncidado (cf. Lc 1,21), pôs as vestimentas da época (cf. Mc 5,28; Jo 19,23-24), comunicou-se a partir da realidade de seu contexto usando a língua da sua gente (cf. Jo 20,16), pelas suas mãos trabalhou para se sustentar (cf. Mc 6,3), alimentava seu corpo com os

148 CIgC 27ss

149 SCIADINI, Patrício. Catecismo da oração. São Paulo: Loyola, 1996. p. 15. 150 SILVA. A pessoa em Karol Wojtyla... p. 84.

151 VIDAL, Marciano. A nova moral fundamental, o lar teológico da ética. São Paulo: Paulinas; Aparecida: Santuário, 2003. p. 110.

alimentos comuns de sua gente (Jo 11,19; Lc 6,1-5). Ele agiu, fez tudo isso não só, mas em sintonia com o que vivia a sociedade de seu tempo.

Tudo aquilo vivido por um homem judeu do seu tempo Jesus viveu plenamente. Ele realmente encarnou em si a natureza, o ser, a vida do homem judeu. Seus relacionamentos; palavras; gestos sociais estavam em sintonia com os costumes mais puros, genuínos com os das pessoas daquele tempo. Acima de tudo, ele plenificou as relações humanas no seu corpo. Ele não tinha medo do contato físico, pois, tocava nas pessoas e permitia ser tocado (cf. Mc 5,41; Mt 19,15; Lc 7,38; 8,47; Jo 9,6); seus olhos comunicavam (cf. Lc 22,60) e no seu corpo ele deixou transparecer suas emoções provenientes de relacionamentos (cf. Jo 11,35).

Portanto, nas relações com a sociedade Jesus mostrou o valor de se viver nela, mas sem se deixar se manipular por ela, mas transformá-la. Ser agente transformador e sujeito – sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-14). Isso supõe a situação de inserção na sociedade, participação efetiva e, não há outro modo de exercitar essa prática sem o auxilio do corpo. Como ser sal e luz apenas com a alma? Impossível isso.

No que tange a relação de Jesus com o mundo material, as evidências mostram, por parte de Jesus verdadeiro uso moderado das coisas (cf. Mt 10,10); Sua preocupação central era o Pai e, consequentemente, a relação madura com os irmãos (cf. Mt 6,33). Na sua prega- ção deixa-se entender o uso das coisas com a finalidade de ajudar ao crescimento de si e o crescimento do outro em vista do reino (cf. Mt 19,16-22).

O Filho de Deus nunca permitiu ser coisificado, ele exerceu verdadeira autonomia sobre os bens materiais. Em outras palavras, sabia se relacionar bem com as coisas. A escra- vidão das coisas materiais, elemento muito forte na sociedade atual, não o atingiu (cf. Lc 9,57).

Nas suas relações consigo mesmo Jesus entendeu a necessidade de também estar pa- ra si. Nota-se ele preocupado com as necessidades fisiológicas de seu corpo. Os textos do Evangelho mostram vários atos nesta linha: ele reservava tempo para descansar (cf. Mt 8,24); se alimentava (cf. Mc 2,15); preocupava-se com a própria hidratação (cf. Jo 4,7). Pelo seu modo de falar se autoeducava perante as tendências do instinto humano (cf. Mt 5,29.30). Na

verdade ele tinha consciência sobre o cuidado com o corpo como benefício para si e em favor do outro, pois ele soube realmente viver a transcendência.

Quando se fala de Cristo como modelo de subjetividade todos esses elementos de- vem ser analisados. A partir disso fica perceptível a sua pessoa como paradigma para o ho- mem atual sendo sujeito a partir de corporeidade. Ele foi sujeito da história de seu tempo, foi um homem digno que dignificou o homem, procurando mostrar a responsabilidade pela pró- pria história. Seus gestos consigo mesmo e para com a pessoa são verdadeiros sinais disso. Não só falou, mas testemunhou do falado. Fazendo assim serviu de exemplo característico de ação no seu tempo e para todas as épocas.

Vendo dessa forma pode se afirmar a comunicação de Deus no Filho encarnado o de- sejado para o homem no corpo e na alma. “A pessoa, incluindo corpo, está totalmente confia- da a si própria, e é na unidade da alma e do corpo que ela é o sujeito dos próprios atos mo- rais”152 e desta forma agiu o Filho ao se encarnar. Portanto, Cristo, realidade sacramental do Pai, manifesta-se também como, de certa forma, um sacramento, sinal antecipador das verda- des acerca da realidade humana. Ele se revela sacramento do homem, no sentido de sinal escatológico e, ao mesmo tempo modelo, de seguimento para a realidade terrena no momento presente.

Na compreensão de Paulo isso era muito evidente. Para ele o viver era Cristo (cf. Fl 1,21) e a vida que ele vivia na carne era na fé em Cristo (cf. Gl 2,20). E ele tinha uma forte perspectiva da presença oculta de Cristo já na vida presente aguardando o momento de se ma- nifestar (Fl 3,21), portanto, viver cristãmente sua fé na terra em todos os sentidos, isto é ple- namente, no corpo, na alma e no espírito, era uma espécie de cristificação do homem. Dessa cristificação viria a esperança da ressurreição do homem nas dimensões da espiritualidade e corporeidade, ou seja, a pessoa por inteiro.