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2.4 Tecnologias antigas e novas: continuidade ou ruptura?

2.4.1 A superação por incorporação e a negação formal

Para entender melhor o movimento de progresso tecnológico e a relação entre novas e antigas tecnologias que decorre desse processo, iremos buscar elementos na lei geral da “negação da negação”, tal como se encontra expressa no âmbito do materialismo dialético.

Engels escreveu um livro chamado Anti-Dühring como resposta a Dühring, filósofo alemão contemporâneo dele que intentou formular uma proposta de socialismo para o futuro a fim de derrubar o marxismo e praticamente todas as outras teorias acerca da sociedade naquele momento. Ele se declarava “único filósofo verdadeiro dos tempos presentes” (ENGELS, 2001, p. 51), e a crítica que Engels faz a ele, entre outros inúmeros pontos, refere-se ao pensamento de que tudo se explica pela filosofia, e tudo implica um problema filosófico.

Para Engels (2001), quando Dühring combate a ideia de negação da negação, criticando Hegel, e, por conseguinte, Marx, está combatendo a ideia de superação da propriedade individual (primeira negação) pela propriedade coletiva, que, ao entrar em contradição, precisa ser superada também (negação da negação). Mas o que nos interessa aqui é justamente a lógica dos fatos, que acreditamos ser uma explicação válida para a vida social, conforme Engels claramente consegue expressar nessa réplica a Dühring.

Engels (2001) diz que a dialética, a lei da unidade e luta dos contrários e a negação da negação sempre existiram porque o homem sempre pensou dialeticamente, mesmo antes de haver pensado esse termo. “[...] Muito antes de saber o que era dialética, o homem já pensava dialeticamente, da mesma forma porque, muito antes da existência da palavra escrita, ele já falava [...]” (ENGELS, 2001, p. 280).

Engels (2001) foi muito feliz no esforço de esclarecer sobre a negação da negação de maneira clara e didática, exemplificando a partir de diferentes aspectos da realidade, desde os grãos, até à matemática, à história e à filosofia. Por isso, não seria prudente tentar inventar outros exemplos, pois os que Engels relatou são extremamente explicativos. E é justamente isso que aqui nos interessa, a saber, essa lógica imanente a todos os processos de transformação.

Mas qual seria essa lógica? Bem, importante é considerarmos que as coisas são mutáveis, e que a negação não significa eliminação nem simplificação, mas sim uma verdadeira incorporação e modificação daquilo que era e não é mais. O esforço do presente estudo está em entender essa lógica dentro do objeto aqui estudado: a alfabetização e a tecnologia.

Engels (2001) traz, assim, no singelo grão, o germe de uma lógica complexa. O grão que não foi moído e utilizado nesse estado. Em condições favoráveis, irá germinar, e, ao brotar, não é mais semente, pois precisa morrer, sair daquela condição de semente que antes tinha. Ou seja, aquela condição é negada pelo processo de germinação. No entanto, a semente é o que permite tal processo acontecer. Do broto, nasce a flor, da flor, novas sementes, e a planta, ao amadurecer, terá de morrer, ou seja, terá de ser negada novamente. E, como resultado dessa segunda negação, tem- se, outra vez, o grão de cevada inicial, mas, ao mesmo tempo, não é como o inicial porque agora ele está acompanhado de outros grãos, que estão na planta da qual compartilha.

Pode-se dizer que o broto incorpora a essência da semente porque ela lhe permitiu existir, mas, ao mesmo tempo, supera aquele estado quando a modifica, quando a nega. Ou seja, supera porque incorpora, e não porque exclui nem porque elimina. Engels (2001) explica existir a mesma lógica na História também. Ele faz uma análise dos povos civilizados com relação ao uso do solo, pois eles sempre o compartilharam (propriedade coletiva). No entanto, com o desenvolvimento da agricultura, essa forma se torna um empecilho para a própria produção.

Nesse momento, a propriedade coletiva precisa, então, ser destruída (negada) para ir se transformando em propriedade privada, possibilitando, assim, o desenvolvimento na produção. Porém, à medida em que a agricultura vai se desenvolvendo, porque a propriedade privada permitiu, essa mesma propriedade privada do solo vai se tornando impedimento. Desse impedimento, surge a necessidade de se negar a propriedade privada do solo e de transformá-la de novo em propriedade coletiva. Contudo, jamais essa propriedade coletiva será como era aquela do início da civilização. Pelo contrário, ela terá:

[...] uma forma muito mais elevada e mais complexa de propriedade coletiva que, longe de criar uma barreira ao desenvolvimento da produção, deverá acentuá-lo, permitindo-lhe explorar integralmente as descobertas químicas e as invenções mecânicas mais modernas (ENGELS, 2001, p. 271).

Quanto à negação da negação:

[...] É uma lei extraordinariamente geral, e, por isso mesmo, extraordinariamente eficaz e importante, que preside ao desenvolvimento da natureza, da história e do pensamento; uma lei que, como já vimos, se impõe no mundo animal e vegetal, na geologia, nas matemáticas, na história e na filosofia (ENGELS, 2001, p. 276- 277).

Engels (2001), ao tentar explicar que os processos que dizem respeito à existência – sejam eles ligados ao mundo físico, sejam ligados à história e filosofia – têm em comum a negação da negação, não tem a intenção de analisar, de antemão, o conteúdo concreto de cada um desses processos.

Esta não é a missão da dialética, que tem apenas por incumbência estudar as leis gerais que presidem à dinâmica e ao desenvolvimento da natureza e do pensamento. [...] Negar, em dialética, não consiste pura e simplesmente em dizer não, em declarar que uma coisa não existe, ou destruí-la por capricho (ENGELS, 2001, p. 277).

Percebemos que o processo de negação da negação está implícito no desenvolvimento social, educacional e, dentro deste, na alfabetização. Podemos notar esse movimento nas contribuições de Mortatti (2000), quando traz a ideia do tradicional e do novo:

Em síntese, a tensão entre modernos e antigos apreendida nos discursos dos sujeitos da época, ao longo do período histórico

enfocado, permite a seguinte interpretação: visando à ruptura com seu passado, determinados sujeitos produziram, em cada momento histórico, determinados sentidos que consideravam modernos e fundadores do novo em relação ao ensino da leitura e escrita. Entretanto, no momento seguinte, esses sentidos acabaram por ser paradoxalmente configurados, pelos pósteros imediatos, como um conjunto de semelhanças indicadoras da continuidade do antigo, devendo ser combatido como tradicional e substituído por um novo sentido para o moderno (MORTATTI, 2000, p. 23).

A autora menciona sobre certa tensão sempre existente entre modernos e antigos, tensão essa que é resultado da “contradição entre nova e velha tradição” (MORTATTI, 2000, p. 24). No novo, processa-se outros sentidos “ao mesmo tempo que se preserva a memória e a continuidade da história” (MORTATTI, 2000, p. 24).