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Numa sociedade imersa em aparatos tecnológicos, ainda que tal imersão não seja igual em todos os lugares para todas as pessoas, faz-se necessária uma correta avaliação entre as maravilhas que ela pode oferecer e as possíveis consequências para a vida humana (VIEIRA PINTO, 2005a). Essa discussão não é recente, mas remonta à invenção das primeiras máquinas e se intensifica sempre que há mudanças qualitativas no modo de as pessoas trabalharem e viverem, como foi o caso da chamada Revolução Industrial e como é hoje com novas mudanças nos processos produtivos. Para o autor, é necessário um equilíbrio, difícil de ser alcançado, mas muito necessário para o entendimento da tecnologia.

A capacidade de produção é fruto da razão humana, e quanto mais desenvolvida a razão, mais capacidade de produção há em termos quantitativos e qualitativos, ou seja, mais desenvolvimento tecnológico. Ao mesmo tempo em que a razão consiste no poder de produzir, essa mesma razão é modificada pelo produto que criou. Assim, a tecnologia não ocupa lugar neutro entre os grupos sociais:

O consumo ou manejo daquilo que produz torna-se fonte de novas percepções empíricas, logo elevadas, por abstração de suas propriedades, à condição de idéias anteriormente não possuídas, indo assim possibilitar a produção de um produto melhor, antes inconcebível, num circuito dialético sem fim (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 484).

O fundamento de toda invenção é social, ou seja, o homem isoladamente não é capaz de inventar, produzir. No mínimo, ele se valerá de conhecimentos já adquiridos, e isso também é social, tendo dependido da ação humana anterior a ele.

Sendo assim, o que caracteriza a produção é a sua necessidade social, isso porque, ao “inventar continuamente novas formas de ação” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 485), essas formas retornarão “sob forma de conhecimentos ampliados ao acervo da razão” (p. 485), e assim irão expandir e se desenvolver num circuito infinito.

[...] a cultura serve ao homem de recurso básico com que sustenta a capacidade de produzir os bens de que necessita, assegurando-lhe com isso sua manutenção, ou seja, a produção de si. Só a partir desta perspectiva se pode compreender o processo da razão, que é igualmente o da tecnologia (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 487-488).

Para Vieira Pinto (2005a), a tecnologia reflete o modo de viver humano, podendo existir em qualquer parte, pois toda sociedade subsiste com as técnicas que o homem criou para, nessa sociedade, poder agir sobre a natureza e relacionar-se com os demais seres humanos. O desenvolvimento tecnológico não designa nenhuma lei histórica, mas reflete as condições objetivas que os povos têm em dado momento, expressando, assim, um desenvolvimento alcançado pela tecnologia que dominam. Nesse sentido, não há sociedade que se mantenha sem as técnicas que ela mesma criou para que continuasse a existir, suprindo as necessidades humanas.

Em se tratando da produção da tecnologia, Vieira Pinto (2005) aponta a problemática da divisão entre a teoria e a prática, em que a falta de percepção dessa divisão se opõe à unificação do saber, de modo que os técnicos não alcançam a consciência daquilo que realizam: “[...] infelizmente, por deficiência de correta formação crítica, mostram-se incapacitados para apreciar a natureza do trabalho que executam e de sua função nele” (VIEIRA PINTO, 2005, p. 222). O autor associa a superação desse estado à superação da contradição entre a produção e o saber, para que o universal possa ser percebido no particular e concreto, desalienando, tanto quanto possível, os que produzem e os que refletem sobre essa produção:

A técnica não deixará de ser sempre específica em seu exercício, mas em vez de estreitar cada vez mais a percepção do conjunto da realidade pelo homem, conforme atualmente acontece, determinará a descoberta dos conceitos lógicos gerais e dos valores universais configuradores do ato técnico particular, definindo-o como tal (VIEIRA PINTO, 2005, p. 223).

O autor fala na superação da alienação no sentido de que o técnico enquanto ser humano não se identificará com a técnica particular que executa, ou seja, com aquela parte específica do processo somente, mas a identificação teria de ter caráter

universal “[...] sabendo o que significa, quanto vale e quais as finalidades dela, em vez de ser, como agora, dominado por ela, a ponto de receber do trabalho particular, profissional, sua qualificação social enquanto ser humano” (VIEIRA PINTO, 2005, p. 223).

Podemos associar essa alienação ao uso dos aparelhos tecnológicos que, diferentemente do contexto social em que viveu o autor, estão cada vez mais, em um ritmo aceleradíssimo, “entrando” na vida dos indivíduos de maneira indiscriminada. De maneira especial quanto às tecnologias educacionais, citamos a divisão entre quem idealiza os aplicativos/jogos e quem faz uso como recurso para ensinar, geralmente professores e pais. Por isso, Pereira e Chaves (2017, p. 116) convidam a:

[...] repensar o uso das tecnologias em uma sociedade que ainda confunde desenvolvimento em seu caráter mais pleno com a mera difusão de uma cultura mais standardizada por meio das tecnologias, que pouco têm proposto tanto uma formação integral quanto uma participação política dos indivíduos.

É como se essa separação existisse não só para o técnico, o trabalhador, mas também para aqueles que “usufruem” dos aparatos tecnológicos, que se maravilham por não compreenderem, muitas vezes, o processo, e que se deixam dominar por eles. Em se tratando da educação escolar, o incentivo para uso das tecnologias pode estar deslocando, aos poucos, o foco do professor como responsável pelo ensino para os aparelhos.

Embora o maravilhar-se do homem diante dos inúmeros avanços da tecnologia, que revolucionaram o ambiente humano com a criação de produtos artificiais, venha nos distanciando cada vez mais do contato com a natureza, isso não nos deve fazer pensar, ingenuamente, que a tecnologia seja um mal, e que o bem seria o retorno a um modo de vida mais primitivo (VIEIRA PINTO, 2005a). Para o autor, a técnica revela o desenvolvimento contínuo humano que, pelo trabalho social, cooperativo, desenvolveu meios para lidar com a natureza e organizar a sociedade.

A história da técnica pavimenta a estrada da vitória do homem, da afirmação de sua capacidade biológica de se fazer a si mesmo, cada vez em nível de realização mais alto, graças exatamente à conquista e domesticação das forças que lhe são antagonistas (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 293).

Para Carvalho (1997), o período que vai do final do século XVIII até ao século XIX marca uma época de transformações no modo de produção, em que o aumento da produtividade e do lucro é conseguido por meio do uso de instrumentos cada vez mais diversificados e modernos. O interessante, nesse processo, é que a tecnologia parece não ser vista como integrante dele, que modificou sobremaneira o modo de viver das pessoas. Ou seja, ela praticamente não aparece como sendo também fator de modificação das relações sociais, mas parece adquirir “movimento próprio, independente dos motivos e agentes que a criam, utilizam e transformam” (CARVALHO, 1997, p. 71).

O desenvolvimento tecnológico é visto pelos que dele participam como um fenômeno que por si só é positivo, pois significa o progresso e este é sempre intrinsecamente bom. Na sociedade ocidental moderna, progresso quer dizer a utilização de tecnologias cada vez mais avançadas que supostamente melhoram a qualidade de vida de todos. Assim, através das inovações tecnológicas, a vida do homem sobre a face da terra torna-se cada vez mais fácil, mais confortável e mais agradável. Tecnologia significa, assim, o elemento que propicia não só o avanço da sociedade, mas também determina suas condições de desenvolvimento e de progresso (CARVALHO, 1997, p. 71).

A autora menciona que o que a tecnologia tem proporcionado é irreversível, embora não “acessado” de maneira homogênea por todos. Sem dúvida, ela pode proporcionar benefícios e conforto para aqueles que a utilizam, porém parte da população ainda vive sem usufruir de fato dos seus benefícios (CARVALHO, 1997). Embora esse texto tenha mais de 20 anos, talvez ainda seja atual a ideia de que o avanço tecnológico não necessariamente promove mais igualdade social nem diminuição da contradição existente entre as classes sociais.

Quando se classifica a tecnologia como algo por si mesmo positivo, dada a possibilidade de melhoria na qualidade de vida de todas as pessoas, pelo desenvolvimento permitido por meio dela, incorre-se no “determinismo tecnológico” (CARVALHO, 1997, p. 2), e esquece-se de que as sociedades expressam desenvolvimentos tecnológicos desiguais e acessos desiguais a eles também, e isso sobretudo pela divisão de classes.

Pela essência, toda produção humana pode ser considerada expressão do desenvolvimento a que determinado grupo ou sociedade conseguiu chegar com as condições que estão ao seu dispor, porém essa mesma produção humana pode ser

utilizada como elemento de alienação quando se subjuga o grupo que não a detém como inferior, menos capaz. Elemento de alienação para os que têm acesso e não veem esse desenvolvimento como pertencente à humanidade, e não a determinada classe social, como também é elemento de alienação para os que não têm acesso e se sentem inferiores por não possuírem tal desenvolvimento.

Esse processo é explicado por Vieira Pinto quando se refere às nações mais e menos desenvolvidas. Acreditamos que essa mesma lógica possa ser utilizada para compreendermos o processo de emancipação ou de alienação que um desenvolvimento tecnológico pode proporcionar aos membros de uma mesma sociedade em determinado momento histórico.