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3 A ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS À LUZ DAS PRINCIPAIS TEORIAS

3.2 As teorias pedagógicas e o professor: qual é o seu lugar?

Fazendo uma breve retomada dos elementos já discutidos acerca das teorias pedagógicas com base em Saviani, pretendemos marcar qual é o lugar do professor em cada uma dessas delas. Pode não parecer que esse seja um elemento central, sobretudo hoje, quando tudo está mudando tão rapidamente, as discussões, quando se fala em educação, giram muito em torno de inovações, trabalho em equipe, preparação para a vida e ensinar o que é útil. No entanto, em todas essas perspectivas e em outras – porque as teorias pedagógicas não se esgotam nos modelos que estamos retomando – o professor exerce uma função que está combinada com o conjunto das ideias propostas em cada um desses modelos.

Para Saviani (2005), as pedagogias, entendidas como aquelas que procuram orientar o processo de ensino-aprendizagem na relação professor-aluno, estão divididas em dois grupos principais: o que dá ênfase às teorias de ensino, e o que enfatiza as teorias da aprendizagem.

As concepções tradicionais perduraram por mais tempo na história da educação brasileira, entre 1549 a 1932, considerando a vertente religiosa e a coexistência das vertentes religiosa e leiga. Essas concepções tinham no professor o centro do processo, e sua função era bem definida: “transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade segundo uma gradação lógica, cabendo aos alunos assimilar os conteúdos que lhe são transmitidos” (SAVIANI, 2005, p. 2), em que a prática era guiada pela teoria.

Entre 1932 e 1969, entram em destaque na história da educação brasileira os movimentos renovadores, que, embora partam de pressupostos distintos, conforme afirma Saviani, têm como pensamento comum a centralidade no aprender e, por conseguinte, no educando, pois é ele quem “executa” esse processo enquanto indivíduo e como construção individual.

Pautando-se na centralidade do educando, concebem a escola como um espaço aberto à iniciativa dos alunos que, interagindo entre si e com o professor, realizam a própria aprendizagem, construindo seus conhecimentos. Ao professor cabe o papel de acompanhar os alunos auxiliando-os em seu próprio processo de aprendizagem. O eixo do trabalho pedagógico desloca-se, portanto, da compreensão intelectual para a atividade prática, do aspecto lógico para o psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos de aprendizagem, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina para a espontaneidade, da quantidade para a qualidade. Tais pedagogias configuram-se como uma teoria da educação que estabelece o primado da prática sobre a teoria. A prática determina a teoria (SAVIANI, 2005, p. 2).

Percebemos claramente que o professor, numa proposta renovadora como o movimento escolanovista, tem papel de orientador, colaborador, facilitador. Sendo assim, enquanto organizador do processo, cabe a ele estudar sobre as formas de aprendizagem e desenvolver sua prática com base no que a criança deseja e do que precisa. O professor precisa oferecer a ela um ambiente propício à aprendizagem, incentivando-a, colocando-a em contato com o material de estudo de diferentes maneiras, percebendo seus passos e agindo não para antecipar situações, mas para responder à necessidade.

Já no contexto dos anos 1950 e 1960, e depois com a retomada, em 1980 e 1990, o que predominou foram as ideias produtivistas na educação que têm duas faces principais, de acordo com Saviani (2005): a externa, que vê a educação como importante para a produção econômica, e a interna, que defende que a escola deve produzir o máximo de resultados com o mínimo de gasto. Palavras como eficiência, rapidez e produtividade são muito evidenciadas nesse ideário. O aspecto crucial para a nossa discussão trata do papel do professor:

[...] na pedagogia tecnicista o elemento principal passou a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária. A organização do processo converteu-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção (SAVIANI, 2005, p. 34).

A valorização dos meios acontecia devido à necessidade de garantia do um ensino em que houvesse a mínima interferência subjetiva, pois esta poderia comprometer a eficiência (SAVIANI, 2005). Embora Skinner tenha defendido o uso das máquinas de ensinar, elas tiveram pouca repercussão nos sistemas de ensino, e no Brasil a pedagogia tecnicista foi marcada especialmente pela valorização exacerbada do livro didático e a necessidade de segui-lo, dos programas de ensino que já deveriam prever o que o professor deve ensinar, e da especialização de funções no âmbito da escola contribuindo para a fragmentação do trabalho.

Como alternativa pedagógica, Saviani propõe a Pedagogia Histórico-Crítica, cujas bases psicológicas têm forte ligação com a Psicologia Histórico-Cultural, desenvolvida por Vigotskii e seus colaboradores (SAVIANI, 2005). Nessa pedagogia, “a educação é entendida como o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada

indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2005, p. 36). Só é possível produzir o que é plural – construído coletivamente – no singular por meio da mediação, sendo esta uma categoria fundamental para a Pedagogia Histórico-Crítica, que se coloca entre o ponto de partida e o ponto de chegada no processo pedagógico.

Daí decorre um método pedagógico que parte da prática social onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos ocupando, porém, posições distintas, condição para que travem uma relação fecunda na compreensão e encaminhamento da solução dos problemas postos pela prática social, cabendo aos momentos intermediários do método identificar as questões suscitadas pela prática social (problematização), dispor os instrumentos teóricos e práticos para a sua compreensão e solução (instrumentação) e viabilizar sua incorporação como elementos integrantes da própria vida dos alunos (catarse) (SAVIANI, 2005, p. 36-37).

Podemos perceber que o professor, embora não seja o centro, porque o foco da Pedagogia Histórico-Crítica são os processos pelos quais se faz a mediação, tem papel imprescindível. Ele faz parte da mesma prática social, ou seja, da mesma realidade social na qual é capaz de agir, mas a posição dele é diferente da do aluno, pois ele é responsável por conduzir esse aluno à catarse, ou seja, à síntese e à possibilidade de ação.

Esses momentos não devem ser considerados como passos lineares a devem serem seguidos, pois, como em todo processo dialético, os momentos se interpõem um ao outro. Ao mesmo tempo em que o aluno está tendo contato com os elementos teóricos, novas problemáticas podem surgir, além da problemática inicialmente identificada, assim como os momentos de catarse podem ser, ao mesmo tempo, de novas inquietações.

O conhecimento é dinâmico, e a forma como o indivíduo o apreende também. Portanto, o professor necessita “dominar o objeto de ensino”, sendo essa “a primeira condição para ensinar” (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p. 244), sendo que esse domínio tem a ver com o conhecimento da língua e as formas para melhor ensiná-la. Concordamos com Dangió e Martins (2018, p. 243), que falam da importância do “resgate do ensino dos conteúdos requeridos à apropriação de instrumentos culturais complexos, entre os quais a leitura e a escrita se destacam [...]”, bem como da necessidade de um bom ensino.

Muitas vezes, a busca por esse bom ensino reflete o tensionamento que envolve o movimento de negação do antigo e incorporação do novo na educação. O próximo tópico expressa a tentativa de percepção desse movimento na alfabetização dentro de uma perspectiva dialética.

3.3 O antigo e o novo na alfabetização: é possível identificar o que permanece e