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Quando pensamos a tecnologia e as tecnologias que podem ser utilizadas na educação, é comum pensarmos em aparelhos, em algo visível, concreto, passível de ser manipulado e que, geralmente, tornará nosso trabalho mais eficiente, que nos servirá de auxílio, potencializando nossas ações. Podemos desenhar cada uma das letras do alfabeto em papel firme, cortá-las e fixar em nossa sala de aula de alfabetização para que as crianças tenham acesso fácil e possam consultar com os olhos sempre que quiserem relembrar o formato, saber a ordem do alfabeto, etc., mas podemos usar o computador e digitar essas mesmas letras do tamanho e cor que preferirmos, imprimir para levar à sala de aula, e elas servirão ao mesmo fim.

Nesse simples exemplo, em ambas as situações tecnologias foram usadas, porém no segundo caso houve economia de tempo e, possivelmente um melhor resultado no desenho das letras. Mas será que a tecnologia se restringe ao uso que fazemos dela? Para Vieira Pinto (2005), o termo tecnologia abarca diversas conceituações difíceis de serem delimitadas. Ele destaca quatro principais: tecnologia como teoria ou ciência (epistemologia) da técnica; tecnologia como técnica, sendo os conceitos usados como sinônimos; tecnologia como o conjunto de técnicas que uma sociedade tem; e, como quarto conceito, “a ideologização da técnica” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 220).

Como epistemologia da técnica, entende que há “uma ciência da técnica” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 220), e esse sentido nos reporta ao significado original da palavra, demonstrando que a tecnologia é um campo de estudo da filosofia. Esse não é um modo comum de entender a palavra, mas nos abre espaço para que a técnica, enquanto dado objetivo, seja estudada “mediante as categorias do pensamento dialético crítico” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 220).

[...] Se a técnica configura um dado da realidade objetiva, um produto da percepção humana que retorna ao mundo em forma de ação, materializado em instrumentos e máquinas, e entregue à transmissão cultural, compreende-se tenha obrigatoriamente de haver a ciência que o abrange e explora, dando em resultado um conjunto de formulações teóricas, recheadas de complexo e rico conteúdo epistemológico. Tal ciência deve ser chamada “tecnologia”, conforme o uso generalizado na composição das denominações científicas (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 221).

Vieira Pinto (2005a) explica que, quase sempre, o técnico não é quem aprecia e reflete sobre o próprio trabalho, mas quem faz isso é um outro que se dedica à abstração. Compreender a tecnologia como ciência da técnica talvez ajude no entendimento de que não deve haver tal separação, pois a filosofia auxilia a pensar na essência, nas contradições que permeiam o objeto, entre outros. O resultado da cisão percebida pelo autor muitas vezes é o que está expresso nas seguintes palavras:

Comprova a dissociação, ainda reinante, entre a teoria e a prática, da qual a grande maioria dos teóricos e práticos da tecnologia nem chega a ter consciência. O resultado infeliz da situação cifra-se em vermos a teoria ser feita pelos práticos, não chegando sequer a suspeitar que a estão fazendo, e, de outro lado, a prática ser imaginada pelos teóricos, que sobre ela especulam com inteira falta de vivências autênticas dispensáveis à formulação de julgamentos lógicos corretos (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 222).

O autor menciona que cada vez mais nos deparamos com elementos criados pelos homens, e são eles que nos causam admiração, enquanto no passado os fenômenos do universo físico eram motivo de admiração, espanto, investigação. O que passa a ser pesquisado, nesse contexto, é o fenômeno das relações entre os homens (VIEIRA PINTO, 2005a), as quais estão cada vez mais mediatizadas pelas tecnologias.

Outra forma de compreensão da tecnologia é como sinônimo de técnica. Vieira Pinto (2005a) faz uma análise de amplas proporções sociais ao perceber a conotação dada ao termo técnica e tecnologia como sinônimos, em alguns contextos, de produção, sobretudo quando se refere aos países desenvolvidos em relação a outros em desenvolvimento, que, na intenção de soberania daquele sobre este, “desenvolve” suas técnicas avançadas de produção nas mais diversas áreas possíveis e as “oferece” aos países submissos como tecnologia: “[...] no puro plano do processo econômico objetivo representa para o país submisso a perda de oportunidade de criação própria, de aproveitamento dos seus bens naturais para si” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 257).

É nesse sentido que os termos técnica e tecnologia ficam sendo sinônimos, em especial quando a tecnologia passa a ser entendida como saber-fazer, e o autor aproxima esse conceito do de ideologização da tecnologia (VIEIRA PINTO, 2005a):

[...] Convém aos praticantes da ‘técnica’, em qualquer modalidade, apresentá-la sob a variante vernacular ‘tecnologia’, pois circundam-na com a aura de uma designação de ressonância científica, dignificam sua função pessoal e, ao mesmo tempo, abrem caminho para as penetrações ideológicas (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 254).

No sentido de ideologização da técnica, Vieira Pinto (2005a) explica que há uma alienação promovida pela visão idealista que separa a tecnologia de suas bases materiais. Quando o ser humano se maravilha daquilo que é criado, esquecendo “que a máquina não passa de obra sua” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 291) e deixa-se possuir por ela, esquecendo-se de que ela representa uma mediação tanto para dominar a natureza quanto para instituir “relações sociais de convivência” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 292), corre-se o risco de transpor a tecnologia para um patamar que deveria pertencer somente ao ser humano, de lhe atribuir um poder que ela não tem, de exaltar a época atual e os produtores desses bens altamente complexos.

Vieira Pinto (2005a) também menciona que a tecnologia pode ser considerada o conjunto de técnicas de uma sociedade. Ele reforça que as sociedades apresentam desenvolvimento tecnológico desigual, e dentro de uma mesma sociedade pode haver técnicas mais ou menos avançadas, a depender do grupo e das condições que os cerca. O tempo todo ele faz uma comparação do Brasil como um país atrasado em relação a outros países mais desenvolvidos. Para ele, a tecnologia deveria pertencer à massa, pois ela a produz. Vê com criticidade o “receber” a tecnologia de “fora”, e não o seu planejamento.

O autor chama de “doação da consciência” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 336) o fato de se oferecer ao povo o aprendizado de determinada tecnologia em vez de levá- lo à exigência de uma educação que permita tal produção. Ou seja, o desenvolvimento alcançado por uma sociedade é reflexo do desenvolvimento técnico que atingiu. Assim, se tal sociedade domina e produz determinadas técnicas superiores em relação a outras sociedades, “vendendo” a elas sua “inteligência”, presume-se que essa sociedade seja tecnologicamente mais avançada e desenvolvida, portanto dominante em relação a outra pobre ou menos desenvolvida tecnologicamente.

O autor menciona que há duas interpretações quanto à tecnologia ser um conjunto das técnicas em uso de uma sociedade. Segundo ele, uma interpretação verdadeira é aquela que “retrata a gama de variedades diferentes de operações e concepções tecnológicas existentes de fato na sociedade subdesenvolvida [...]” (VIEIRA PINTO, 20015a, p. 339), e outra interpretação seria ingênua, pois

desconhece que os países submissos também contêm uma diversidade tecnológica. O pensamento crítico, por sua vez:

[...] crava ao contrário seus alicerces na multiplicidade dos graus de avanço tecnológico do país, e se os unifica sob um só conceito, assim procede para efeito de expressão, porque no plano da compreensão dá-lhe o conteúdo que em verdade o define, o da dispersão dos níveis de eficiência e da respectiva consciência social dos trabalhadores [...] (VIEIRA PINTO, 20015a, p. 339).

Para Vieira Pinto (2005a), o homem é sempre mais importante do que a obra que ele realiza, se não for assim, “a obra cria o homem” (p. 335), e nos referiremos a elas (as obras) sempre como “[...] as grandes construções públicas, as enormes instalações geradoras de energia, as gigantescas fábricas [...]” (VIEIRA PINTO, 2005a, p. 335), que acabam por “dar” existência ao homem quando, na verdade, deveria ser o contrário.

Deveria ser o contrário porque, quando invertemos esses significados, podemos correr o risco de valorizar mais as coisas e o ter do que o ser, o que é um risco para a formação humana e, consequentemente, para a educação. Acreditamos que a consciência do lugar que ocupamos, enquanto seres pensantes, na estrutura social permeada pelo fazer e pelas produções tecnológicas, pode também nos auxiliar a compreendermos o papel do professor diante de todo esse desenvolvimento.

2.2 A tecnologia no contexto da sociedade atual: implicações para a formação