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séculos XVIII e

3.1 A TÉCNICA E O CONHECIMENTO A SERVIÇO DO PROGRESSO

A vinda da Família Real à América Portuguesa propiciou muito mais do que a abertura dos portos às nações amigas. Também facilitou a entrada de cientistas estrangeiros – anteriormente proibida68– que buscavam, sobretudo coletar espécies e espécimes para os jardins botânicos europeus. No rol de especialistas, cita-se nomes

67 A Europa sofreu um rápido crescimento urbano, com melhorias estruturais e maior circulação de

pessoas e de mercadorias graças à sua industrialização. Certamente, trouxe também à tona graves problemas sociais que não caberia analisar nesse presente trabalho. Vale destacar que os modelos estrangeiros sempre foram adaptados às necessidades da elite brasileira. Assim, a indústria, um dos fatores de desenvolvimento urbano europeu, não se incorporou, inicialmente, como uma ação modernizante no país, mantendo-se, assim, o viés agrícola de monocultura de exportação – Plantation – como a sua principal fonte econômica.

68 Até 1808, o Pacto Colonial em vigor na América Portuguesa impedia a entrada tanto de mercadorias

que não fossem provenientes de Portugal como o acesso de estrangeiros sem o consentimento da Coroa Lusitana.

como Johan Emanuel Pohl, Von Martius e Saint-Hilaire os quais, além de explorar rincões desconhecidos da mata brasileira, legaram importantes observações da vida cotidiana na colônia. 69

Entretanto, no que diz respeito à inserção do país no processo de Modernização, em fins do século XIX, verifica-se a atuação predominantemente inglesa. Esses, nas palavras de Gilberto Freyre (2000, p.101) estão ligados como nenhum outro povo aos começos de modernização das condições materiais de vida do brasileiro: das condições de produção, habitação, transporte, recreação, comunicação, iluminação, alimentação e repouso e t e s . Porém, não se pode deixar de lado a contribuição e a influência francesa no país. Sua principal área de ação englobou a formação educacional das elites brasileiras fomentando uma aproximação e uma adoção de vários costumes oriundos de Paris – como no caso da Belle Époque brasileira. Assim, percebe-se, grosso modo, a constituição de duas vertentes dentro do processo de formação cultural brasileira: a visão pragmática inglesa traduzida pelos seus engenheiros e a educação formal francesa, personalizada pelos bacharéis e beletristas70. O resultado deste amálgama se constituiu, assim, na formação da elite intelectual brasileira. 71

Na medida em que a influência estrangeira se acentuava em diversas esferas da sociedade brasileira, igualmente eram transformadas sua percepção e suas formas de

69 Sobre o olhar estrangeiro na América Portuguesa, ver TORRÃO FILHO, Amilcar. A arquitetura da

alteridade: a cidade luso-brasileira na literatura de viagem (1783-1845). 2008. Tese (Doutorado em

História), IFFCH, São Paulo, 2008.

70 Verifica-se, no século XIX, que a formação técnica no país se deveu muito mais ao modelo da École

Polythenique – que será discutido a posteriori – do que influência da engenharia inglesa. Contudo, é interessante lembrar que, em São Paulo, a partir de 1887, vicejava-se fundar uma Escola de Engenharia segundo modelo norte-americano e sob a supervisão da Igreja Presbiteriana. Seis anos mais tarde, lançava-se a pedra fundamental da Escola de Engenharia do College Mackenzie. Cf. GARCÊS, Benedicto Novaes. O Mackenzie. São Paulo: Presbiteriana, 1970; MACKENZIE 126 anos: valores acima do tempo. São Paulo: Instituto Presbiteriano Mackenzie, 1997.

71 O te o i tele tual , e p egado pa a esse grupo – formado principalmente por médicos,

engenheiros e educadores – tem-se como justificativa que os mesmos costumavam ir além das suas linhas de atuação, uma vez que pretendiam, então, fo ula u a vis o ge al e u odelo e pli ativo para o país, postulando caminhos e soluções para o que acreditavam ser a viabilização de um projeto a io al KROPF; HERSCHMAN; NUNES, 1996, p.8). Ou, numa abordagem mais geral, considerava-se o i tele tual o o ... se do a uele ue se e o he e e e o he ido pelos out os o o tal (HERSCHAMN, 1996, p. . Ta se pode pe sa e adota o te o i tele tual- ie tista do Micael Herschamn (1996), uma vez que se desta a ia pela sua atuaç o ... ue e t apola a p oduç o científica, realizando obras abrangentes, de cunho teórico, sociológico e literário HERSCHAMN, , p.12).

intervenção sobre o meio natural. O pragmatismo empiricista do século XIX, no qual a ciência e a técnica passam a ser considerados pontos focais na vida do homem acarretou na fragmentação da natureza em diversas áreas do conhecimento – biologia, química, física, etc. Isto acabou por dissociá-la ainda mais de uma visão orgânica, transformando-a em um objeto quantificável. Logo, a id ia de u a atu eza o jetiva e exterior ao homem, o que pressupõe uma idéia de homem não-natural e fora da natureza, cristaliza-se o a ivilizaç o i dust ial i augu ada pelo apitalis o (GONÇALVES, 2008, p.35).

No decorrer do século XIX, o Brasil intensifica o estabelecimento de vínculos mais estreitos com a economia capitalista e percebe-se a influência de países como a Inglaterra, principalmente, no que diz respeito à introdução de equipamentos modernos. Gilberto Freyre (2000, p.62) sintetiza esse momento em poucas palavras: uase tudo e a t i a ou i i iativa it i a . De todos os e uipa e tos introduzidos no país, destaca-se a locomotiva como símbolo maior de admiração e empolgação o qual também se refletia na figura do engenheiro ferroviário inglês, no ual ... se o de sou p i ipal e te a ísti a asilei a de e e ga a I glate a um país de gi os FREYRE, 2000, p.62) 72.

A introdução da ferrovia alteraria drasticamente a paisagem natural do país. Em out as palav as, em alguns pontos do Brasil, sabe-se que a construção de estradas de ferro se assinalou por notáveis vitórias da técnica sobre a natureza (FREYRE, 2000, p.128, grifos nossos). Seja com o intuito de avançar para regiões ermas ou para criar uma linha de comunicação e circulação entre as cidades, muito se deve ao conhecimento técnico utilizado pelos engenheiros ingleses na elaboração de projetos e na execução das estradas de ferro. Era inevitável a associação entre a ferrovia e o progresso, uma vez que o aspecto físico da máquina, e o caminho de ferro que percorria, serviam como uma verdadeira tradução para o plano concreto os ideais que apregoavam as elites, conforme assinalado por Simone Kropf (1996, p.85, grifos

72 Essa mítica do engenheiro afetaria e deslumbraria principalmente as crianças que, no século XIX, se

volta ia ... ais pa a os i gleses ode os ue pa a os a tigos o a os; e ais e tusias ados pelos assuntos de técnica e de e i a ue pelos de filosofia ou de di eito, de teologia ou de et i a (FREYRE, 2000, p.60-61). A partir da observação de Gilberto Freyre, pode-se inferir que essa admiração juvenil determinaria os rumos profissionais em idade adulta e numa apologia ao papel que o engenheiro – sobretudo o civil – teria sobre a sociedade brasileira em fins do século XIX.

ossos : a a ha pe o ida at av s de u t açado racional, linear e ordenado, em cujos trilhos evolui-se aceleradamente em direção a um objetivo fixo já pré- determinado em sua própria construção bem-orientada, ou seja, a ivilizaç o .

O entusiasmo e a empolgação pelas ferrovias contagiariam também o pensamento das elites, que viam nas estradas a concretização do seu desejo pelo progresso e pela civilização. Por exemplo, durante a inauguração da primeira estrada de ferro do país, a D. Pedro II – em 1858 – o Jo al do Co io oti iou ue ... a ui a devo a a o espaço, at av s dos a pos e po e t e a i ais espa tados (FREYRE, 2000, p.117). Pensamento esse traduzido e difundido por diversos intelectuais que encampariam diversas ações com o intuito de propagandear as virtudes do progresso. Assim, a busca pela modernização do país era um ato eminentemente patriótico, tão diferente do antigo pensamento colonizador português, que via na colônia apenas como uma terra a ser plantada.