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séculos XVIII e

3.2 AQUI, SE PLANTANDO TUDO DÁ

Os elementos naturais sempre marcaram a realidade brasileira, uma vez que tais características imprimiram e nortearam ações e intervenções em seu solo. Ao narrar as notícias para o monarca de Portugal, Pero Vaz de Caminha descrevia os primeiros contatos dos europeus em terras desconhecidas e discorria sobre a exuberância natural das terras recém-descobertas:

Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa (CAMINHA, 1817, 1963, s.p.). 73

73 A Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em maio de 1500, e considerada pelos historiadores, a

certidão de nascimento do país, foi publicado somente em 1817, dado o segredo com que Portugal sempre envolveu os relatos sobre sua descoberta.

As diversas dificuldades encontradas no processo de colonização da América Portuguesa a relegaram, nas primeiras décadas do século XVI, a um papel secundário nas atividades econômicas lusitanas. Desapontados por não terem encontrado, de imediato, metais preciosos, os portugueses, então, aproveitaram as grandes reservas naturais para empreendimentos extrativistas. Como conseqüência, poucos estudos científicos foram realizados na colônia, cujas missões exploratórias se resumiam mais para o conhecimento da extensão das terras e na busca por ouro e diamantes.

Somente a partir do século XVIII, foi que o pensamento científico europeu o eça ia ... a se volta siste ati a e te pa a o u do atu al, al das suas f o tei as DEAN, , p. 74. Conforme visto no capítulo anterior, o homem

contemporâneo começara a rever o seu pensamento sobre o meio físico. Se, inicialmente, ele se voltou ao meio natural ao seu redor, conseqüentemente sua atenção também se fixaria nas regiões coloniais ultramarinas. Os portugueses, entretanto, pouco se detinham sobre as possibilidades de estudos sistematizados acerca da natureza de sua maior colônia. Em 1759, ensejaram-se os primeiros estudos – esparsos e difusos – sobre a agricultura, a fauna e flora brasileira e somente 13 anos depois, fundou-se a Academia Fluminense com o intuito de se estudar Ciências Naturais (DEAN, 2004).

Cabe observar que, inicialmente, as primeiras pesquisas de teor científico que tratam da flora brasileira se limitaram às tentativas de introdução de espécies vinda do Oriente – notadamente especiarias – que ajudariam a dinamizar a economia da colônia e não de suas potencialidades. E tentativas essas, muitas vezes infrutíferas devido ao desconhecimento ora do manejo, ora de problemas de aclimatação das plantas. De qualquer forma, prevalecia-se a manutenção de atividades pecuniárias voltadas às necessidades do mercado externo, sem a preocupação de introdução de novos produtos ou de gêneros nativos que pudessem substituir itens comercializados na Europa. Esse pensamento pode estar por trás da adoção de medidas que

74 Em 1834, o Marquês de Abrantes, Miguel Calmon du Pin e Almeida assim dissertava sobre o

pensamento europeu acerca da atu eza: os ho e s ilust ados e os povos ais cultos têm olhado para as árvores como o mais belo ornamento da natureza e como os entes, na ordem vegetal, mais

desestimulavam a us a po pote ialidades a io ais , o o o e e plo dado po Warren Dean:

(...), a domesticação, aprimoramento e comercialização de espécies nativas brasileiras não estavam entre os objetivos arrolados no decreto que reorganizou o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (...). Os naturalistas portugueses ainda ignoravam as florestas brasileiras e seus usos potenciais (DEAN, 2004, p.145).

Se existia, de fato, certo menosprezo por parte dos portugueses, o mesmo não a o te ia o os atu alistas est a gei os ue po ... u iosidade ou si patia so epujava o p e o eito DEAN, , p. e i i ia a dive sas pes uisas so e a flora brasileira. Entretanto, sem uma preocupação preservacionista ou científica relevante, os colonos iniciaram uma progressiva devastação ambiental com o intuito de criar grandes áreas de cultivo voltadas a atender o mercado externo. Nesse sentido, em torno das aglomerações urbanas, as áreas limítrofes eram gradualmente desmatadas para expansão física, obtenção madeira para combustão, material de construção e criação de pequenos roçados para subsistência. 75

Essas duas linhas de ação do colono sobre a natureza esbarraram num outro problema para o Governo Imperial: as atividades extrativistas e da agricultura, desmedidas, prejudicavam a exploração de madeiras propícias para a fabricação de embarcações náuticas. A preocupação ganhou monta principalmente a partir de meados do século XVIII, com a criação de reservas florestais e decretos imperiais que visavam um maior controle e regulamentação da extração das de o i adas adei as de lei ; afi al as inspeções e relatórios [daquele período] indicam que não existia mais adei a ade uada po uitas l guas as p o i idades das vilas aio es DEAN, 2004, p.152).

75 É interessante destacar a analogia feita por Freyre (1987, p.116) entre a natureza tropical brasileira,

o suas li has a o a e te u vas, i egula es e po vezes a ui as e o p o esso olo izado lusitano, cujas aglomerações urbanas adotavam a curvatura das linhas em detrimento do plano ortogonal europeu. Se, por um lado, evitou-se uma devastação ainda maior das áreas intra-urbanas, pois, ao acompanhar a topografia de uma determinada região, evitava-se algumas áreas de difícil acesso – como áreas pantanosas ou de acentuado declive –, por outro, o ensejo pela pla u a da paisage urbana, ou seja, a criação de uma paisagem urbana horizontal e limpa, propiciava a retirada de árvores em determinados espaços para dar lugar a vias de acesso e construções de edifícios. Cabe lembrar que antes da introdução das praças ajardinadas européias no Brasil, as praças eram áreas desprovidas de equipamentos urbanos e forração vegetal.

Em linhas gerais, até meados do século XIX, o Governo pouco incentivou ou patrocinou ações no intuito de preservar as matas, estudá-las ou explorá-las economicamente, deixando aos produtores rurais a responsabilidade de manter, ou não, áreas naturais intocadas 76. O seu apoio à ciência natural demonstrava uma clara intenção: a plia suas e eitas at av s do au e to de e po taç es e elho a as defesas imperiais po eio da a ufatu a lo al de ate ial li o DEAN, , p.157). Enquanto isso, na medida em que os ciclos econômicos mudavam e as fronteiras agrícolas se expandiam, mais áreas naturais se transformavam em campos de plantio, de extração e de criação de a i ais, a sia ... do desvi gi a e to, de conquista e de abrasileiramento de grandes extensões de terras, pela presença além de físi a, ultu al, de fo as a uitet i as do i ado a destas te as FREYRE, , p.122). Dentre esses ciclos, cabe destacar o plantio da cana-de-açúcar, por exemplo 77. A devastação da mata atlântica, propiciada para dar lugar ao cultivo na região litorânea da América Portuguesa atraiu a atenção de José Bonifácio de Andrada e Silva que amaldiçoou essa atividade por trazer inúmeros malefícios:

Se eu pudesse alguma coisa com Deus, lhe rogaria quisesse dar muita geada anualmente nas terras de serra acima, onde se faz açúcar, porque a cultura da cana tem sido muito prejudicial aos povos: (...) Porque tem devastado as belas matas e reduzindo a taperas muitas herdades. (ANDRADA e SILVA, 1998, p.181-182)

Outro ponto importante, a ser destacado no decorrer do século XIX, trata sobre a associação da Natu eza ao ito de o ige da Naç o asilei a, questionamento feito principalmente pelos bacharéis: o o o solida a u idade e ide tidade pa a o país e ao es o te po se i se i a hist ia u ive sal , o u do ivilizado?

76 Infere-se que, para satisfazer o afã de exorbitantes lucros, o agricultor pouco se interessou pela

vegetação nativa. Como exemplo, tem-se a crítica feita por Baltazar da Silva Lisboa no qual acusa o lavrador pela sua falta ... de espeito e ve e aç o pelos e efí ios i esti veis da atu eza , ue levava os asilei os a dest ui uel e a a a e te suas a avilhas, se segui e i ita a sua o duta LISBOA, apud DEAN, 2004, p.158), o que é reforçado, anos mais tarde, nas palavras de Pedro Soares Caldeira (1889, p. 162 apud PÁDUA, 2004, p.220) ao ver os homens o o a tes de tudo, destruidores da natureza, mesmo contra os seus interesses e as do Ma ues de A a tes, uja devastação desmedida deve-se a ... uel disposiç o e fu o ue e ita os ossos feito es de u ada desapiedada de ua ta vo e e o t a ALMEIDA, , p. 88-92 apud PÁDUA, 2004, p.236).

77 Outro exemplo aconteceria séculos depois com a inserção do plantio do café em terras brasileiras. Cf.

ANDRÉ, Richard Gonçalves. Cafeicultura e degradação ambiental. In: MARTINEZ, Paulo Henrique, op. cit., p.147-159.

(HERSCHAMN, 1994, p.54)78. Certamente, a busca pela construção de uma história que promovesse uma identidade para a jovem nação em formação consistia numa parte de um plano maior, levado a cabo pelos intelectuais brasileiros – principalmente os partícipes do Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro –, para evitar a sua fragmentação. O Romantismo, como corrente literário-filosófica que se voltava para a natureza, ao regresso de um passado histórico idealizado e na adoção do índio como o herói nacional, seria uma das principais influências desse grupo 79. Entretanto, esse pensamento eminentemente retórico daria lugar a outro de fundo mais prático sob os rigores técnico-científicos que, cada vez, mais adentravam no seio das elites brasileiras.

3.3 A ASCENSÃO DOS MISSIONÁRIOS DO PROGRESSO E A SUA VISÃO SOBRE O