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O Caes da Europa

4.2 O CAIS DO SALGADO E A FORÇAS IMPLACÁVEIS DA MÃE-NATUREZA

O primeiro passo para a integração de Natal, a partir da perspectiva dos discursos acima assinalados, seria a construção de um porto mais adequado para a integração de Natal com o hinterland e as demais cidades do Brasil. A localização mais propícia para a instalação do mesmo seria no porto secundário da cidade, situado no bairro da Ribeira. Considerado um bairro desde 1853, a Ribeira possuía como principais atrativos uma área extensa e plana e a proximidade com a foz do rio e e sopada pelas a s de e he te e julgada zo a de u a ribeira CASCUDO, , p.218, grifo do autor). Conforme visto no relato de Koster em 1816, no local já se encontravam diversos comerciantes, o que possibilitaria caracterizá-lo como uma área com potencial para a localização de atividades comerciais. A perspectiva de consolidar negociantes que todos os sabbados a demandão, e vem impor neste mercado preços excessivos á sombra do monopólio que exercem com manifesto p ejuízo, ta to do o su ido , o o do p odu to (SILVA, 1867b, p.16).

109 O presidente Albuquerque, em 1870, convencido de que a construção de uma ponte sobre o rio era

u a o a ... ue eputo de i e sa e essidade e de i o testavel va tage pa a a apital , soli itou ao Barão do Livramento esse serviço. O mesmo encarregou o engenheiro inglês W. Rewlinson um projeto de uma ponte levadiça. Com um orçamento estipulado em 450:000$000, a proposta foi rejeitada, pois a província não possuía tal monta. O presidente Albuquerque esperava que com a introdução de um novo material de construção – o betonmonolito – ajudasse a diminuir os custos (ALBUQUERQUE, 1870, p.14-15).

a Ri ei a o o ... u ai o o e ial, e ue p o ette aug e ta JUNQUEIRA, 1860, p.10) tornou-se concreta a partir da transferência do palácio do governo para o bairro, em 1869, iniciando, assim, uma expansão física nesta direção.

Entretanto, antes mesmo das obras da construção do porto, se fazia necessário a construção de um cais adequado – denominado de Cais do Salgado110. As primeiras informações sobre os serviços de melhoramento datam de 1860, a partir da iniciativa do governo provincial que se ressentia da falta de um engenheiro para levar adiante as obras (JUNQUEIRA, 1860) 111. Sem um profissional qualificado, a única ação realizada de fato consistiu na proibição dos navios de jogarem os seus lastros112 nas proximidades do ancoradouro, com fiscalização por parte da Capitania dos Portos criado em 09 de outubro de 1859. Inclusive, o próprio presidente havia ordenado que esse tipo de material fosse jogado no aterro da Ribeira para que acima dele pudessem ser construídas edificações com fins comerciais (JUNQUEIRA, 1860).

Convencido de que Natal deveria possuir um dos principais portos do litoral da província, o presidente José Bento da Cunha Figueiredo Júnior (1862, p.27), afirmava ue al da sua lo alizaç o e t al, Natal ofe e ia u espaçoso a o adou o pa a grande número de navios, que atracam facilmente aos trapiches, tal a placidez das agoas, e a profu didade de loga es o tíguos te a 113. Com essa justificativa, em 1861, ordenou ao engenheiro Ernesto Amorim do Valle114 a dar continuidade às obras

110

O rio Potengi, naquele período, comumente era denominado pelos natalenses de Salgado .

111 Inclusive, o presidente Junqueira esperava que o engenheiro hidráulico Berthott (provavelmente

inglês) o qual se encontrava no Ceará viesse à cidade para executar tais serviços. As informações até aqui colhidas não fornecem nenhuma notícia se o engenheiro veio – ou não – à cidade.

112 Termo empregado para denominar todo tipo de material (areia, entulho, pedra, barras de metal,

etc.) colocado na área de carga do navio, quando o mesmo encontra-se vazio a fim de manter a estabilidade da embarcação.

113 Esse mesmo pensamento seria retomado anos mais tarde, em 1909, desta vez defendido pelo

Inspetor Federal de Portos, Rios e Canais, como a principal justificativa para a realização das obras de melhoramento, devido a sua importância para o desenvolvimento econômico do país, uma vez que possuía u vasto a o adou o e pela sua posiç o o e t e o o ie te da osta asilei a, p esta-se um excellente ponto de refugio para os navios de maior porte e entreposto de abastecimento de carvão da marinha nacional, de accôrdo o o p og a a aval DEL VECCHIO, , p. .

114 Soteropolitano, nasceu em 17 de abril de 1831. Entrou na Academia Militar da Corte em 1848;

formado como bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas em 1856. Um ano depois se tornou o engenheiro da província do Ceará. Em 1860, foi convidado a vir para o Rio Grande do Norte pelo presidente da província; contratado um ano depois, atuando em três administrações – as dos presidentes Leão Veloso, Luiz Barbosa e Olinto Meira. Nesse período, projetou o palácio do Governo, na Cidade Alta, e construiu a torre da Matriz. Eleito Deputado Provincial no biênio 1862-63. Após diversas

do cais com a construção de uma muralha de proteção que evitaria o avanço das águas do rio durante a alta das marés. Convém destacar que, segundo o presidente Figueiredo Júnior, até 1861 não havia um encarregado técnico à frente do serviço de obras públicas. Tais serviços estavam confiados a um simples curioso sem uma ha ilitaç o ade uada, afi al: E po isso que as obras antigas resumen-se da falta de elega ia, pelo e os . Mais do ue a a ia de u o po t i o, o aio problema apontado pelo presidente Figueiredo Júnior consistia na forma de execução das o as, e t egues as os de te ei os, algu s dos quaes ainda não deram conta do di hei o e da o a . FIGUEIREDO JÙNIOR, , p. . Com a extensão de 930 palmos – aproximadamente 204,6 metros – a muralha se elevava a ... ½ pal os [0,33m] acima do nível da preamar das marés vivas, tendo 4 palmos [0,88m] de largura de respaldo, que foi todo feito de tijolos por falta de lages apropriadas. O alicerce tem

pal os , te o dio de p ofu didade de ½ de la gu a , (FIGUEIREDO JÚNIOR, 1862, p.23). Configurava-se, assim, uma das primeiras ações sistematizadas, desde então, com impacto direto as eas atu ais da Ribeira, o qual alçaria a um novo patamar o conflito entre o homem e as forças naturais principalmente relacionado ao regime das marés.

Para construir a estrutura, utilizou-se pedra e cal com revestimento feito em cimento. De acordo com a mensagem, o tempo de execução dessa obra durou setenta e nove dias e custou ao erário público 8:994$780 réis, incluindo um pequeno aterro realizado numa das faces da muralha (FIGUEIREDO JÚNIOR, 1862, p.23). As forças naturais interferiam continuamente sobre as obras, tanto que o presidente Figueiredo Júnior reconheceu que somente a construção de uma proteção não suportaria o avanço das águas; fato esse demonstrado pela destruição de uma parte da muralha e do aterro em decorrência de uma súbita alta da maré. Por isso, além dos reparos necessários, urgia estender o aterro interno – com um custo aproximado de seis a sete solicitações suas, conseguiu a exoneração do cargo em 1867, quando resolveu não renovar o contrato o o gove o u i ipal, se o e o diç es ais va tajosas . O p eside te Luiz Ba osa da Silva la e tou a de iss o do e ge hei o, p i ipal e te po te igual e te pe dido out o e ge hei o – Luiz Guilherme Dodt – que estava à serviço da comissão do ministério de obras públicas e se encontrava realizando obras no interior da província (SILVA, 1867a, p.15). No mesmo ano, assumiu, como engenheiro presidente, a primeira sessão da Estrada de Ferro D. Pedro II e, um ano mais tarde, se tornou o engenheiro do Quarto Distrito da Inspetoria de Obras Públicas do Rio de Janeiro. Faleceu, nessa cidade, em 12 de abril de 1899 (CASCUDO, 1977).

contos de réis – para uma largura entre 35 a 40 palmos (entre 7,70 a 8,80m), o que serviria tanto como uma via de acesso, ligando os dois bairros, entre a Alfândega, na Ribeira, e o Morro do Rosário, na Cidade Alta, além de atuar como um reforço estrutural, que conteria com maior estabilidade a fúria das águas. Para facilitar o acesso para o porto, construiu-se uma rampa de embarque e desembarque no centro da u alha, de g a de o ve i ia aos atale ses, al de afo osea u a das

ais i po ta tes lo alidades desta apital FIGUEIREDO JÚNIOR, , p. -24). De acordo com o relatório do engenheiro Valle (1867) – anexado à mensagem do presidente Olintho Jose Meira – o ano de 1862 foi marcado, principalmente, pela construção de uma área de desembarque na praça da alfândega e pelos serviços de proteção do cais do Salgado. Com projeto e orçamento realizados pelo próprio engenheiro, a execução da obra ficou a cargo do senhor José Rodrigues Vianna, após este ter vencido a licitação pública115, e concluída em pouco mais de onze meses. Porém, a construção limitou-se somente à estrutura do cais, faltando determinados detalhes ue ao sao ais do ue o ple e tos das ue estao feitas, se vi ao pa a o se vaçao e afo osea e to do único caes de desembarque que tem esta

cidade VALLE, , p. , g ifos ossos). Tais complementos seriam:

Lageamento de toda àrea do caes para evitar a lama que sobre o aterro formam as chuvas; que se colloque varandas de ferro pelos lados para embaraçar que inconvenientemente se faça por alli dese a ues de volu es; ue se asse te o u o es de fe o e cada uma das escadas, e finalmente que se eleve o aterro da pequena praça da alfandega até nivellar com o caes (VALLE, 1867, p.1)

Concomitantemente, Valle (1867, p.3) apoiava as idéias do presidente Figueiredo Júnior sobre a necessidade do aterro junto à muralha de proteção. A principal justificativa fornecida pelo engenheiro consistia em estabilizar a mesma, evitando a sua destruição pelo movimento contínuo das marés – o impacto das forças naturais sobre as obras teriam sempre uma denotação destrutiva e comumente pautada nos relatórios técnicos. Com um orçamento de 4.320:000 réis, a obra consistiu

115

De acordo com o dito relatório (VALLE, 1867, o p ojeto foi o çado e . : is; o a e ate custou aos cofres públicos a quantia de 2.799:000 réis.

u ate a e to e toda a sua e te s o o , et os de la gu a pa a de t o e a altu a da es a 116. Deve ia ta a a a u a esta ada i li ada , ou seja,

um suporte provisório até que as obras pudessem prosseguir ao centro da praça – provavelmente a da República –, mas modificou-se o plano original, sem a ciência do engenheiro, com a construção de um talude de areia com grama plantada para sustentá-lo. E para consolidar a sua parte superior, deveria ser coberto com uma camada de 20 centímetros de terra para evitar que a areia se tornasse movediça (VALLE, 1867).

Porém, mesmo que com seus esforços e projetos buscasse assegurar uma proteção mais adequada, Valle reconhecia que tais providências se tornariam insuficientes ante o avanço das águas do Salgado. Por isso, Valle (1867, p.3) sugeria gua e e o ate o po u a pa ede taludada , as os custos para a sua execução, considerados dispendiosos para o erário público, inviabilizaram o projeto. Sobre os outros serviços no cais, informava apenas diversos pequenos reparos em áreas arruinadas – pela força das águas – e nivelamento, com terra, em alguns pontos da muralha, para igualar a parte norte e sul (VALLE, 1867). No fim do relatório, Valle apontou uma importante obra que deveria ser executada posteriormente: tratava-se da continuação da muralha em direção ao cais da Alfândega, ao norte, e ao sul para o morro do Rosário. A importância desse serviço consistiria em fechar a abertura que ligava o Salgado ao alagado, próximo a Praça da República, o que eliminaria o fluxo das marés para dentro da praça (VALLE, 1867). 117

Aparentemente, as obras referentes a melhorias do cais se manteriam estagnadas até 1870, quando tanto o presidente Albuquerque quanto o seu sucessor, o presidente Silvino Elvidio Carneiro da Cunha, ordenaram reparos imediatos por este se e o t a a ui ado e o isso o s evita -se-ha que elle continue á estragar-se, como também que se façam no futu o despeza ais avultadas CUNHA, ,

116 A licitação foi vencida pelo senhor José Gotardo Emereciano, pela quantia de 2.826:000 réis (VALLE,

1867).

117 O orçamento desse serviço encontrava-se na secretaria do governo desde o dia 20 de junho de 1863

(VALLE, 1867). Não há maiores detalhes sobre o seu orçamento, e, provavelmente, se manteria a mesma forma de execução das obras, planejada em1861.

p.19)118. Concomitantemente, mantinha-se o serviço do aterro da margem esquerda do rio, principalmente devido à incapacidade de consolidá-lo, pois freqüentemente as mensagens dos presidentes das províncias se queixam dos constantes reparos e dos gastos decorrentes. Um motivo apontado pelo presidente Cunha sintetiza claramente um dos motivos para os contínuos fracassos em sobrepujar as forças da natureza: i feliz e te o havia e t o u e ge hei o a p oví ia ; e o ple e ta: E u a obra de importancia, e que exige conhecimentos profissionaes de quem a dirigir (CUNHA, 1870, p.19, grifos nossos).

Como contraponto, se até então, os serviços do cais do salgado corroboravam o desenvolvimento do bairro da Ribeira, em 1878 houve uma breve mudança na orientação dos serviços. Ainda sem um engenheiro fixo no corpo permanente de funcionários técnicos, o vice-presidente Manoel Sampaio Bezerra Alentegio encarregou o capitão Manoel Joaquim Teixeira de Moura a supervisionar o serviço do aterro do Salgado. Entretanto, o capitão mudou a passagem para defronte ao Passo da Pátria, por entender que o antigo local encontrava-se completamente arruinado (ALENTEGIO, 1879)119. Tal fato não teve boa receptividade dos habitantes da Ribeira, que fizeram uma petição expondo as razões pelas quais deveriam dar continuidade aos reparos120. Dentre as justificativas proferidas pela Câmara Municipal para negar a petição, uma em especial, demonstrava como a falta de um profissional com conhecimento técnico poderia contribuir e/ou culminar na submissão do homem ante

118 Infere-se que um possível motivo para a paralisação de diversas obras – incluindo o cais do Salgado –

se deveu ao desvio ou diminuição de recursos em virtude da Guerra do Paraguai, entre os anos de 1864 a 1870. Um indício pode ser encontrado na mensagem para o segundo vice presidente Antônio Basílio Ri ei o Da tas, e , ua do, po otivo de u ofí io de , e o e dou ue se fizesse todas as economias possíveis nas verbas distribuídas em auxílio ás obras provinciaes, afim de que as respectivas sobras pudessem ser applicadas ás urgências do estado de guerra em que infelizmente nos a ha os SILVA, , p. . Co o fi da gue a, e , os e u sos o devem ter sido realocados de imediato, pois o presidente Cunha, nesse mesmo ano, não possuía recursos para dar prosseguimento às obras do cais e com essa justificativa, solicitou ao Governo Imperial a quantia para tal empreitada (CUNHA, 1870).

119 Inclusive, o serviço foi realizado com mão-de-obra dos flagelados da terrível seca que assolou a

região entre os anos de 1877-1878.

120 Como inferência, não se pode deixar de destacar a rivalidade entre os dois bairros como sendo,

grosso modo, um dos motivos para a disputa onde situaria o novo acesso. Afinal, imediatamente após a petiç o de espeitados idad os da Ri ei a, out a petiç o, desta vez o assi atu as – dos proeminentes habitantes da Cidade Alta – pedia a continuidade do novo serviço (ALENTEGIO, 1879).

a natureza, uma vez que não era possível escolher um local apropriado para sua o st uç o se o so os auspí ios da M e Natu eza :

(...) é notório e reconhecido por qualquer conhecedor dos terrenos que o antigo acha-se sobre um solo combatido de fortes correntezas de cambôas, que o trazem sempre deteriorado, desmoronada a casa e rampa, assim como a ponte que foi forçoso fazer-se, para dar transito as agoas; sendo que tudo isto tem-se tornado um sorvedouro de dispendiosos concertos, no entanto que o novo uma vez feito, terá longa duração e será sempre transitável, visto ser o seu solo abrigado de qualquer força da maré, além de tornar o caminho muito mas curto, sendo ainda que a passagem à atravessar é menos extensa e muito mais mansa do que a da coroa (ALENTEGIO, 1879, p.16-17).

4.3 OBRAS DE MELHORAMENTO DO PORTO: A CONQUISTA DO MEIO NATURAL PELA