• Nenhum resultado encontrado

A televisão colombiana e sua relação com a política

2. COLÔMBIA E SUA TELEVISÃO: 60 ANOS DE IMAGENS DE UMA NAÇÃO

2.2 A televisão colombiana e sua relação com a política

Seguindo a ideia de que a televisão é uma atividade social e que, portanto, estabelece laços com a sociedade, Vizcaíno (2005), descreve os vínculos do Estado e da televisão na Colômbia, mostrando o papel que o primeiro tem tido na determinação de políticas, regulação e o controle do segundo. Essa relação, que se manifesta na normativa legal, tem se estabelecido mediada pela classe política e suas necessidades em diferentes momentos, pelos objetivos que plantearam para o meio e pelas variações na ideia do público.

Como se menciona em diferentes relatos comemorativos como o de Arango (2004) ou de Inravisión (1994), a televisão foi levada à Colômbia por Gustavo Rojas Pinilla para comemorar o primeiro ano de seu governo militar, considerando-a o grande projeto público para a promoção da educação e a cultura. Em um momento atípico da história nacional em que não ocupavam a presidência os partidos tradicionais Liberal e Conservador37, a televisão foi uma das plataformas de difusão da imagem de Rojas Pinilla, em defesa dos ataques dos grandes jornais (URIBE, 2004). Assim, a ideia de meio público se confundia com a de propaganda, em um cenário de constantes disputas pelo poder.

Ligada à figura do presidente e dependente completamente do governo para seu financiamento, políticas e programação, a televisão nacional entre 1954 e 1957, passou por uma fase que Vizcaníno (2005) descreve como de estatização sem presença dos partidos políticos. Durante esse períodos e estabeleceu o modelo misto, com o Estado, as programadoras e os anunciantes como protagonistas. A televisão se entendia como um meio para a difusão de expressões cultas em um país majoritariamente rural, tradicional, analfabeto, com escasso desenvolvimento industrial e com grandes tensões políticas (URIBE, 2004; REY, 2002).

Assim, nos primeiros anos a televisão colombiana cumpriu dois objetivos fundamentais: o primeiro relacionado com o controle e uso da informação nos partidos, em um clima político de fortes enfrentamentos, e o segundo, que se refere à difusão de ideais

37 Tradicionalmente o pensamento político da Colômbia se dividiu em dois partidos: o Liberal, fundado em 1848

com as ideias de José Ezequiel Rojas que buscava transformar o país passando de um sistema colonial a um Estado com leis para todos; e o Conservador, fundado em 1849 seguindo o programa proposto por Mariano Ospina Rodríguez e José Eusebio Caro, que defendiam um Estado colonial que perpetuara mediadas como a escravidão e a ligação com a igreja católica (BANCO DE LA REPUBLICA, S.f). Esses dois partidos, dirigidos pelas elites do país, alternaram-se o poder durante todo o século XX com exceção do período de quatro anos da ditadura militar de Gustavo Rojas Pinilla, e protagonizaram diferentes enfrentamentos, entre eles, o conhecido como La violencia (1946-1957) que deixou entre 200 e 300 mil pessoas em uma população de dois milhões, e a transformação demográfica do país, passando a ser majoritariamente urbano (RUEDA, 2000).

culturais com formatos como o teleteatro, os musicais e os programas culturais (URIBE, 2004).

Esses objetivos foram se adaptando às mudanças políticas do país sem que deixassem de ser vigentes. Assim por exemplo, quando em 1957 o governo militar foi substituído por um esquema de reparto e alternância do poder entre liberais e conservadores, conhecido como

Frente Nacional38, a televisão passou a se distribuir em quotas burocráticas em igualdade para os dois partidos. Dessa maneira a televisão passou de um modelo caudilhista, amparado na figura do general presidente, para outro sustentado na rotação partidista (VIZCAÍNO, 2005).

Desde 1957 e até o nascimento dos canais privados em 1998, a televisão colombiana continuou subordinada ao poder dos governos de turno. Ainda assim, com o retorno da democracia (mesmo que limitada a duas opções políticas), os diferentes grupos envolvidos foram ganhando, progressivamente, alternativas de participação nas decisões do meio.

Na década de 1960, surge a ideia de que a televisão fosse um ente descentralizado, seguindo o esquema de outros organismos públicos. Cria-se Inravisión em 1963 como um organismo autônomo para a administração do meio, com orçamento próprio para desenvolver as políticas governamentais. Da mesma forma, em 1964 criou-se o Consejo Nacional de

Televisión “que teve como encargo desenvolver recomendações gerais sobre a programação,

a preservação da cultura, a moral e a pureza da linguagem dos programas comerciais e fomentar a transmissão de programas de interesse geral, culturais, recreativos” (ARANGO, 2004, p. 25, tradução nossa39). Ainda com essas determinações, as decisões sobre a televisão continuavam sendo de competência do executivo, liderado por liberais e conservadores e qualquer normatividade era subordinada ao acordo de repartição e alternância.

O sistema misto se desenvolvia com licitações públicas para a atribuição dos espaços televisivos nos canais do Estado. As adjudicações eram feitas de acordo com os interesses da classe política, criando-se assim um mercado oligopolista formado pelos primeiros programadores e anunciantes. Com o tempo, especialmente a cessão dos espaços para telejornais adquiriu conotações políticas e eleitorais, sendo favorecidos, na maioria das vezes, filhos de ex-presidentes (RESTREPO, 1994). A “politização” dos telejornais evidenciava a

38

Conhece-se como frente Nacional o acordo político entre liberais e conservadores acontecido na Colômbia entre 1958 e 1976 para reorganizar o país depois da ditadura de Gustavo Rojas Pinilla. Suas principais características foram a alternância dos dois partidos políticos na presidência do país e a distribuição equitativa de ministérios e cargos públicos.

39

Que tuvo como encargo elaborar recomendaciones generales sobre la programación, la guarda de la cultura, la moral y la pureza del idioma de los programas comerciales y fomentar la transmisión de programas de interés general, culturales, recreativos

ideia de propaganda com que se desenvolvia a televisão nacional, uma característica que foi variando desde o governo militar, mas que continuava presente (REY, 2002).

Outra das características que a televisão compartilhava com o modelo político do país era seu desenvolvimento centralizado, sendo produzida e emitida de Bogotá para o resto do território. Durante o século XX, o Estado se preocupou em implantar um projeto de nação unificada, que acabou impondo uma visão do interior do país sobre a variedade cultural das regiões. Essa realidade despertava inconformidades das províncias que demandavam se sentir representadas pela sua televisão (ABELLO, 1994).

O estabelecimento de leis que permitiram a criação de canais regionais na década de 1980 junto com as telenovelas costumbristas da mesma época, que se aproximaram à vida cotidiana e à “expressividade cultural das regiões que formam o país” (MARTÍN-BARBERO e REY, 1999, p. 130. Grifo do autor, tradução nossa40), contribuíram para quebrar o centralismo tradicional da televisão e apresentar a diversidade cultural do país.

A ingerência do governo na televisão causava cada vez mais incômodo aos participantes privados. Existia insatisfação pela maneira como se repartiam os espaços nos canais, pelas limitações ao desenvolvimento das programadoras/produtoras e pelo excessivo controle estatal. Pouco a pouco as empresas privadas e a sociedade civil começaram a reclamar participação nas decisões relacionadas coma televisão. Assim, plantearam-se medidas com as comtempladas na Lei 42 de 1985 que, entre outras coisas, buscava dar à televisão maior independência do Estado, permitir a presença de representantes da comunidade no Consejo Nacional de Televisão e na nova Comisión para la Vigilancia de la

Televisión, como uma forma de participação democrática (VIZCAÍNO, 2005).

De qualquer jeito, as tentativas resultaram insuficientes e as críticas à presença do Estado não cessaram. Essa situação, unida à pressão de grupos econômicos donos de programadoras, levou à abertura de um modelo de televisão privada, em consonância com uma tendência neoliberal da política mundial (URIBE, 1994).

A diferença com situações anteriores era que tinha entrado ao negócio do meio [...] grandes capitais de empresas relacionadas, por exemplo, com Carlos Ardila Lülle e Julio Mario Santodomingo. Por outro lado, os produtos de televisão tiveram grande aceitação nos mercados externos, o que transformou os critérios para sua realização. Introduziu-se o sentido de produzir para o mercado interno, mas também, e cada vez com mais força, para comercializá-los em estações de outros países (VIZCAÍNO, 2005, p. 139, tradução nossa41).

40 Expresividad cultural de las regiones que forman el país. 41

La diferencia con situaciones anteriores consistía en que habían entrado al negocio del medio […] grandes capitales de empresas ligadas, por ejemplo, con Carlos Ardila Lülle y Julio Mario Santodomingo. Por otra parte, los productos televisivos tuvieron gran aceptación en mercados externos, lo cual transformó los criterios de su

Nesse esquema de televisão, as empresas privadas, regidas por leis do mercado e de competência aberta, produzem e distribuem programação televisiva em canais de sua propriedade, com uma mínima intervenção do Estado,

Enquanto no passado o Estado atuava como regulador de um mercado em crescimento, outorgando espaços às produtoras, definindo a natureza das faixas ou mantendo certas porcentagens de produção nacionais e estrangeiras, hoje esse papel tem se diluído pela transformação dos mercados, as conexões da indústria televisiva nacional com a indústria midiática global, as transformações tecnológicas e o fortalecimento da iniciativa privada (REY, 2002, p. 134, tradução nossa42).

A mudança para uma televisão administrada e produzida por empresas privadas tem a ver com uma progressiva perda na centralidade das instituições do Estado e da política, e a abertura para interesses do mercado. Os canais privados buscam satisfazer suas expectativas de negócio, procurando a exportação de seus formatos a novos mercados a partir das alianças com empresas de televisão nacionais e estrangeiras (RINCÓN, 2013).

A televisão colombiana continua se considerando um meio público, como na década de 1950. Porém, hoje o caráter público não tem relação com o estatal, mas com finalidades sociais (como formar, educar e informar) e com sua vinculação à opinião pública e à cultura do país, mesmo sendo administrada por empresas privadas (Lei 182 de 1995). O papel do Estado tem se transformado de gestor, protetor, controlador e garantidor dos objetivos nacionais a facilitador da iniciativa privada. Da mesma forma, a televisão que no começo era exclusivamente feita pelo governo, transformou-se em uma mista com participação limitada da empresa privada e regulada pelo Estado (VIZCAÍNO, 2005). Atualmente, as medidas que garantem a liberdade de expressão e o direito de fundação de meios massivos têm promovido uma variedade de modalidades televisivas (privada, a mista, educativa, regional, comunitária, por assinatura, etc.), sob um ideal de responsabilidade social.

realización. Se introdujo el sentido de producir para el mercado interno, pero también, y cada vez con mayor fuerza, para comercializarlos en estaciones de otros países.

42 Mientras que en el pasado el Estado sirvió de regulador de un mercado en crecimiento, asignando los espacios

a las productoras, definiendo la naturaleza de las franjas horarias o manteniendo unos determinados porcentajes de producción nacional y extranjera, hoy ese papel se ha ido diluyendo pro la transformación de los mercados , las conexiones de la industria televisiva nacional con la industria mediática global, las transformaciones tecnológicas y el fortalecimiento de la iniciativa privada.