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Os dados obtidos ao longo desta investigação se mostraram bastante coerentes com os pressupostos da Teoria da Atividade e, por esta razão, a tomamos como base para auxiliar nossa análise. É importante salientar que o uso dessa teoria não estava previsto no início da pesquisa. Somente quando já estávamos com os dados coletados, encontramos na Teoria da Atividade os fundamentos que pudessem justificá-los e explicá-los, auxiliando-nos no trabalho de interpretação e análise.

A Teoria da Atividade surge no campo da psicologia, é o desdobramento do esforço pela construção de uma psicologia sócio-histórico-cultural, fundamentada na filosofia marxista (Duarte, 2002). Há alguns anos vem sendo usada como referencial no campo das pesquisas em educação. Nesta seção esclareceremos como a TA fundamenta nossa análise.

Este trabalho descreve a trajetória realizada pelos professores-alunos desde o início do curso de formação continuada para elaboração de material didático com conteúdo fílmico, até à conclusão do curso, quando os professores relataram as experiências de aplicação das

atividades didáticas em sala de aula. Considerando que a maioria dos professores participantes do curso não havia tido experiências prévias com preparação de material de ensino, especialmente com conteúdo fílmico, sentimos a necessidade, crescente, de lhes proporcionar oportunidades práticas de desenvolver esse material em um processo de aprendizagem colaborativa. É o que relataremos a seguir.

Os procedimentos para obtenção dos dados constaram de: 1) sessões de laboratório prático, em que os professores-alunos produziam e analisavam as atividades pedagógicas com conteúdo fílmico, desenvolvidas por eles; 2) sessões de demonstração e Autoconfrontação (CLOT, 2007), em que os professores-alunos mostravam as atividades preparadas e os passos que seguiriam para sua aplicação em sala de aula; 3) sessões de discussão sobre o resultado das aplicações das atividades e do curso realizado (grupo focal).

Analisaremos os dados sob a luz da Teoria da Atividade (TA), considerando o papel da consciência do objetivo da tarefa executada, o esforço despendido na apropriação do instrumento e a interação com os colegas no compartilhamento de experiências pré e pós aplicação das atividades.

A utilização da TA como base para a análise dos dados vem da necessidade de explicar não apenas o desenvolvimento de uma ferramenta de autoria (produção de materiais didáticos com conteúdo fílmico), mas também o desenvolvimento da competência no uso dessa ferramenta em sala de aula (abordagem do professor na aplicação do material produzido). Consideramos, principalmente, que por meio da TA podemos ver a ferramenta como processo de mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento, e em explicar o processo de interação entre os sujeitos no contexto em que estavam inseridos. Tal como Leffa (2005), percebemos a TA como uma teoria que prestigia a aprendizagem colaborativa sem negar a autonomia de quem aprende.

Ao analisar os dados obtidos, a tarefa do pesquisador é realizar leituras subjacentes ao que parece estar claro. A partir do que foi dito pelo sujeito buscamos entender aquilo que não o foi; buscamos apreender a fala interior do professor, seu pensamento, o processo de construção de sentido, bem como as contradições presentes nesse processo (MAGALHÃES, 2012, p. 35).

Pautamos nossa análise de dados também fundamentados nas perspectivas teóricas da Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCol) (MAGALHÃES, 2002, 2012; MAGALHÃES e LIBERARI, 2010; 2011; 2012) que, apoiada nas discussões da Teoria da Atividade, embasa pesquisas desenvolvidas no contexto escolar com formação de educadores, e cuja proposta é criar relações colaborativas na produção de conhecimento crítico sobre as bases teóricas das

práticas escolares e os interesses a que servem (MAGALHÃES, 2012, p. 13). Segundo Magalhães (2012):

(...) a PCCol apoia a organização, condução e avaliação de projetos em que são centrais à discussão, compreensão e transformação dos modos de agir nos contextos escolares, pautados em questões de justiça, empoderamento e cidadania crítica (MAGALHÃES, 2012, p. 13)

As pesquisas desenvolvidas com base na Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCol) buscam produzir atividades coletivas para a compreensão das escolhas que apoiam as práticas diárias reais dos contextos de ação em foco e de seu papel para a aprendizagem e desenvolvimento dos envolvidos (MAGALHÃES, 2012, p. 24). Considerando que estamos nos propondo a analisar a interação entre os participantes do curso de formação continuada, parece-nos adequado seguir esses pressupostos teóricos para fundamentar nossa análise.

A pesquisa de intervenção formativa desenvolvida no contexto escolar não é linear, voltada apenas à transmissão de conhecimento considerado válido pelos formadores. Como salienta Engeström (2009, 2011), a pesquisa de caráter intervencionista deve estar organizada para que pesquisadores e praticantes do local de trabalho discutam sentidos contraditórios atribuídos ao objeto da atividade, por meio de ações recíprocas, ouvindo e considerando as ações e discursos dos outros, repensando as próprias práticas e os modos de agir para construir um contexto coletivo de negociação de novos sentidos (MAGALHÃES, 2012, p. 18). Essas negociações sobre novas formas de aprender e ensinar promovem novos modos de agir no mundo, e esses efeitos não podem ser nem mensurados, nem sentidos, de imediato. Para mensurá-los seria necessário um acompanhamento de toda a trajetória profissional do professor-participante envolvido na pesquisa, e não foi essa nossa proposta. Assim, os resultados apresentados neste estudo são considerados parciais.

Quando nos propomos a analisar os dados qualitativamente, além de termos consciência de que esses dados são parciais, sabemos que não há como trazer todos os dados coletados para mostrar o resultado do estudo. No entanto, ainda que os recortes que compõem o processo de análise não estejam em sua totalidade presentes neste capítulo, cuidamos para que os dados selecionados representem e contenham a totalidade.

Clot (2007) chama atenção para o fato de que a atividade é muito mais do que aquela que se realiza. Envolve o que se faz e também aquilo que não se faz. Para o autor, devemos pensá-la em termos de subjetividade e coletividade. Concordamos com Clot ao ressaltar que o

fato de não ter sido realizado não tira o valor real daquilo que não foi feito. As ações e afetos que não se efetivaram não deixam de constituir a atividade do sujeito, uma vez que não podem ser totalmente controlados (CLOT, 2007, p. 115-116). Em outros termos Vygotsky (1999) diria que a atividade realizada revela apenas parte da projeção e do reflexo de outros acontecimentos que se desenrolaram nos bastidores, e esses acontecimentos que se desenrolaram nos bastidores são também parte do real da atividade.

Ao estudarmos os efeitos de um curso de formação continuada na prática pedagógica de professores, é importante considerarmos, também, que o professor cursista não vai para o curso de formação como uma tábula rasa. Ele está inserido em uma comunidade, que pode ser definida em vários segmentos: cidade, bairro, família, universidade, escola, sala de aula etc., e a interação com todos os membros desses setores influencia seu aprendizado e sua prática.

Segundo Leffa (2005):

O aluno interage com os membros da comunidade – colegas, professores, técnicos etc. – através de regras que são aceitas por todos, de acordo com o papel que cada um exerce na comunidade, levando em consideração a divisão de trabalho e visando a consecução de um mesmo objetivo, que é, assim, compartilhado por todos. O aluno deve aprender a colaborar com seus colegas, dividindo o trabalho, porque sozinho não tem condições de alcançar o objetivo proposto (LEFFA, 2005, p. 27)

Nota-se que a aprendizagem colaborativa é bastante valorizada na TA; e deve valer tanto para professores em formação continuada, como para os pré-serviço, bem como para o alunado. Vivenciando a experiência da aprendizagem colaborativa em cursos presenciais de formação continuada, o professor terá mais fundamentos para propor atividades por meio das quais seus alunos também vivenciem esse processo.

Os pressupostos teóricos da TA nos orientaram na compreensão de que o domínio do instrumento é tipicamente conseguido através de um processo de tentativa e erro (LEFFA, 2005 p. 26; DUARTE, 2002). Daí a importância em permitir que os professores possam compartilhar uns com os outros as atividades preparadas para, quando necessário, refazerem as mesmas, seguindo as sugestões dos colegas. Esse compartilhamento de ideias permitiu que fosse criado um clima de confiança e empatia entre os professores participantes, em que todos aprendiam com todos. Leffa (2005) enfatiza que, de acordo com a TA, há processos que só serão desenvolvidos até um nível desejado de proficiência depois de muita experimentação e prática com o instrumento (p.26). Assim, é importante consideramos que não podemos

avaliar quantitativamente todos os efeitos do curso de formação na prática pedagógica dos professores participantes, uma vez que esses efeitos podem ser sentidos/experimentados ao longo de suas trajetórias profissionais, em um movimento de pensar/repensar a prática pedagógica.

Os pressupostos teóricos apresentados por Leffa (2005) sobre a Teoria da Atividade também nos orientaram a interpretar os dados obtidos neste estudo. Segundo o autor, a TA pode ser exemplificada em três momentos cruciais da aprendizagem:

1) Inicialmente, mostra-se o objetivo a que se pretende chegar, não apenas informando, mas realmente fazendo uma demonstração do que é o resultado final desejado, dando ao aluno um modelo. De certo modo, parte-se do fim para o início.

2) No segundo momento, descreve-se o processo de aquisição do instrumento, com as constantes idas e vindas, frustrações e alegrias que os alunos encontram no percurso que são obrigados a fazer para chegar ao objetivo desejado.

3) Finalmente, no terceiro momento, descreve-se a complexidade da tarefa, que exige cada vez mais a capacidade de trabalhar em grupo, em ações de compartilhamento de experiências.

Utilizaremos esses pressupostos na tentativa de explicar como essas três etapas estiveram presentes ao longo do curso de formação continuada para professores de línguas estrangeiras de escolas públicas. São as que seguem:

1) Mostramos aos professores-alunos o objetivo que queríamos alcançar: prepará-los para produzir material de ensino tendo o cinema como ferramenta;

2) Descrevemos o processo de aquisição do instrumento, ou seja, do domínio da arte de preparar exercícios didáticos com conteúdo fílmico, dando-lhes um modelo de como poderia ser esse processo de elaboração65;

3) Descrevemos a complexidade da tarefa, propiciando aos professores participantes que preparassem os exercícios individual e conjuntamente, para que percebessem o quanto podem aprender uns com os outros no processo de elaboração e compartilhamento de experiências.

Os dados relevantes obtidos em todas essas etapas serão transcritos e interpretados neste capítulo.

65 Nesse caso, o modelo apresentado foi um compilado de procedimentos didáticos realizados na investigação de GARCIA-STEFANI (2010). Essas sugestões de procedimentos didáticos encontram-se nos apêndices desta tese.

Para iniciar o processo de análise dos dados, traremos, na sequência, as informações obtidas no início do curso de formação continuada. Falaremos sobre o perfil dos professores participantes da pesquisa, quais suas expectativas em relação ao curso de formação, suas crenças a respeito do trabalho com filmes em sala de aula, suas experiências prévias, suas ideias sobre ensinar língua estrangeira (LE) e sobre o que, para eles, representa ser um bom professor. Ao esclarecermos e interpretarmos esses dados, em comparação com os dados obtidos ao final do curso, teremos elementos para estabelecer qual o impacto do curso na prática pedagógica dos participantes.