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O pesquisador, ao predispor-se a estudar um determinado recorte da sociedade (...) deve ter em mente a complexidade de aspectos que estão em jogo e também as dificuldades que irá enfrentar para dar conta desta realidade. Ele também deve estar apto para eleger o arcabouço teórico mais adequado para a execução desta tarefa, o qual forneça os procedimentos e instrumentos adequados de observação e análise que permitam, além da geração e apreensão de dados, a realização de uma adequada interpretação do fenômeno estudado (OLIVEIRA SANTOS, 2004, p.21).

Ao nos dispormos a realizar pesquisa acadêmica, muitas vezes não sabemos aonde chegaremos, ou quais resultados serão obtidos, mas é importante ter claro qual caminho será traçado rumo a determinado objetivo. Trata-se de definir a metodologia que orientará a investigação, tendo em vista os procedimentos e instrumentos adequados para o desenvolvimento do estudo e para a interpretação do fenômeno estudado.

Desde o início sabíamos que era primordial considerar a visão de todos os participantes do contexto no qual a pesquisa se desenvolve – não somente da professora- pesquisadora - e, por essa razão, optamos pela orientação dos paradigmas teóricos da pesquisa etnográfica, utilizando técnicas e instrumentos de observação que privilegiam a análise qualitativa dos dados obtidos (MOITA LOPES, 1994). Dessa forma, poderíamos

46 A ideia inicial era oferecer o curso de formação continuada apenas para professores de inglês e espanhol, mas devido ao interesse de professores de alemão e italiano em participar, ampliamos as possibilidades de participação.

compreender melhor o contexto social da pesquisa e os sentidos produzidos pelos participantes.

Na pesquisa de base etnográfica, o modelo interpretativista de análise parece-nos ser o mais adequado, considerando que não estamos buscando generalizações, padronizações ou objetividade – algo requerido no modelo de pesquisa positivista – mas a intersubjetividade, os significados que os homens, ao interagirem uns com os outros, constroem, desconstroem e reconstroem (MOITA LOPES, 1994, p. 332). Nesse modelo de pesquisa, o foco não está em um produto padronizado, mas em aspectos processuais do mundo social.

Ao realizarmos a nossa investigação orientados por um modelo qualitativo- interpretativista, podemos obter respostas a perguntas como: o que está acontecendo no contexto sob investigação?; Como os eventos estão organizados?; O que significam para os participantes?; Como podem ser comparados a outros contextos diferentes? (ERICKSON, 1986 apud MOITA LOPES, 1994, p. 334)

O mérito dado à pesquisa qualitativa de cunho etnográfico por Moita Lopes (1996) justifica-se também pelo fato de que o foco desse tipo de pesquisa é o processo de uso da linguagem (p. 22)

Considerando que o intuito de nossa pesquisa é investigar um contexto de formação continuada de professores de língua estrangeira em que o filme é utilizado como ferramenta para análise e produção de material didático, que servirá de conteúdo para o ensino de LE, parece-nos lógico seguirmos a orientação dos paradigmas da pesquisa qualitativo- interpretativista de cunho etnográfico, já que o que se pretende analisar é a construção dos significados.

De acordo com Celani (2005):

(...) tudo o que constitui o ser humano (crenças, atitudes, costumes, identidades) é criado e existe só nas relações sociais, nas quais o uso da linguagem é fundamental. Não existe, portanto, linguagem “científica” (como no positivismo) para descrever a vida social do lado de fora, para olhar e interpretar os dados. A construção dos significados é feita pelo pesquisador e pelos participantes, em negociações. Portanto, os “sujeitos” passam a ser participantes, parceiros. E mais, se a vida social é dialógica, o método para descrevê-la também deve ser dialógico (grifo nosso). (CELANI, M. A, 2005, p. 109)

Ao comparar os modelos de pesquisa positivista e interpretativista na era pós-moderna, Holmes (1992) enfatiza que na sociedade atual, o segundo modelo parece mais adequado, já

que na pesquisa interpretativista o pesquisador é parte do grupo, é ele quem interpreta, mas sempre considerando a visão dos pesquisados que, conscientes do processo, provém dados mais úteis (HOLMES, 1992, p. 41). O envolvimento do pesquisador-formador, do professor em formação e do aluno no processo reflete, de certa forma, a própria sociedade contemporânea, em que as pessoas querem ser ouvidas e tomar parte nas ações. Para Holmes (1992), o professor de línguas não é o professor de meios de comunicação neutros e abstratos, mas de uma forma de expressar a si mesmo e de mudar seu próprio papel na sociedade47 (p. 44).

Holmes (1992) argumenta que um pesquisador competente deve estar familiarizado com os processos que ocorrem em sala de aula, e ninguém melhor que o professor para isso (p. 42). Esse argumento justifica a opção pela postura participante da professora-pesquisadora na tarefa de compreender e discutir os fenômenos analisados, com intuito de buscar formas de otimizar o processo de ensino-aprendizagem da língua-alvo, além de promover reflexões sobre a prática pedagógica.

A importância da formação teórico-crítica do professor de línguas é igualmente enfatizada por Moita Lopes (1996). Segundo o autor, o professor deve, em sala de aula, ter conhecimento teórico sobre a natureza da linguagem, e fora dela, saber como atuar na produção de conhecimento sobre o uso da linguagem, ou seja, sobre os processos de ensinar e aprender línguas:

Nessa visão, a sala de aula deixa de ser o lugar da certeza, ou de aplicação de um conhecimento pronto e acabado, e passa a ser o espaço da procura do conhecimento, em que o professor e os alunos, aqueles mais diretamente interessados no que ocorre em sala de aula, passam a ter papel central na prática social de construção de conhecimento sobre a sala de aula (MOITA LOPES, 1996, p. 184).

O autor justifica o interesse cada vez maior por pesquisa de base interpretativista:

(...) nota-se um interesse cada vez maior por pesquisa de base interpretativista, não só por representar um foco de investigação diferente, revelador, portanto, de novas descobertas que não estão ao alcance da

47 minha tradução para: The language teacher is not the teacher of an abstract and neutral means of

pesquisa positivista, mas também por avançar um tipo de método de pesquisa que pode ser mais adequado à natureza subjetiva do objeto das ciências sociais (MOITA LOPES, 1996, p. 22).

Na pesquisa interpretativista o intuito não é afirmar que algo descoberto é uma verdade universal; busca-se a compreensão de uma situação por meio de um estudo de caso em uma sala de aula real, e como essa interpretação pode contribuir para avanços em outras pesquisas.

Quanto às interpretações feitas a partir de observações em sala de aula, Rajagopalan (1997) afirma que a ciência da linguagem deve restringir-se a observações descritivas e jamais prescritivas (p. 6). O autor acredita que a prática da linguística só terá pleno êxito se ela estiver atenta também a uma linguística da prática.

Nessa mesma perspectiva, Hughes (1990, apud MOITA LOPES, 1994, p. 336), afirma que é provável que a procura pelo conhecimento absoluto e certo deva ser abandonada e substituída por uma série infinita de interpretações do mundo.

Sobre a pesquisa interpretativista, Moita Lopes (1994) esclarece que:

(...) este talvez seja um modo de fazer ciência mais adequado aos dados com que nos deparamos em Linguística Aplicada ou de dar conta do fato de que a linguagem é, ao mesmo tempo, condição para a construção do mundo social e caminho para encontrar soluções para compreendê-lo (MOITA LOPES, 1994).

No que tange à metodologia de pesquisa de aquisição em LE, Larsen-Freeman (1991) enfatiza que é fundamental considerar que: 1) a aprendizagem em L2 deve ser harmônica com o ensino em L2; 2) a performance dos aprendizes é diferente de acordo com as diferentes tarefas propostas pelo professor; 3) Não se mede a proficiência do aprendiz na língua-alvo e sim o seu progresso.

Os pressupostos da autora parecem adquirir maior relevância quando consideramos o modelo de pesquisa interpretativista. Nessa linha de discussão, Cohen (1989) escreve:

Após um evento de aprendizagem, não é necessário que fique claro para um investigador se um pouco da informação foi, de fato, aprendido e, se foi aprendido, se realmente foi aprendido do modo que o aluno diz ter sido. Contudo, enquanto começamos a acumular descrições de eventos de aprendizagem de segunda língua, surgem padrões que começam a adquirir

uma certa realidade enquanto são ratificados por mais alunos. (COHEN, 1989, p. 11).

Cohen (1989) ressalta a relevância em acumular descrições de eventos de aprendizagem e, assim, considerar no contexto da pesquisa os padrões estabelecidos de acordo com os dados obtidos. Entendemos que, dessa forma, os dados adquirem maior confiabilidade.

Vale ressaltar que esta pesquisa caracteriza-se, ainda, como Pesquisa Crítica de Colaboração – PCCol (MAGALHÃES, 2002, 2012), uma vez que ao entrarmos em campo, como pesquisadores, negociamos as intervenções juntamente com os participantes, na busca por construir um movimento de compreensão e transformação dos sentidos. Preocupamo-nos em estimular o professor a refletir sobre suas ações, de modo que possa ressignificá-las ao longo da prática, em um movimento de colaboração entre os agentes (MAGALHÃES, 2002; 2012).