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Iniciamos o curso apresentando aos professores participantes as justificativas para sua realização, bem como os objetivos a serem alcançados, pois consideramos fundamental que os integrantes do curso tivessem claro onde deveríamos chegar, e os vários caminhos possíveis para alcançar os objetivos.

Dentre as justificativas apresentadas destacamos: 1) necessidade de fomentar o uso do cinema como ferramenta de ensino de línguas estrangeiras; 2) necessidade de fazer da escola um lugar de aprendizagem também para o professor; 3) necessidade de contribuir para a implementação de novas práticas de ensino, especialmente as que envolvem o uso de tecnologias de Informação e Comunicação; 4) necessidade de auxiliar professores, dando-lhes subsídios teóricos e práticos para análise e desenvolvimento de atividades didáticas; 5) necessidade de fomentar a aplicabilidade do projeto “O cinema vai à Escola”, do governo do Estado de São Paulo;

Elucidamos, ainda, algumas justificativas que fundamentam a escolha do cinema como ferramenta didática para o ensino de línguas, como resultados de pesquisas destinadas a estudar o tema. Dentre as principais justificativas para o uso de filmes nas aulas de LE, destacamos: 1) Apresentar a língua de maneira contextualizada (ALMEIDA, 2000); 2) Motivar os alunos a aprender LE (HARLOW e MUYSKENS, 1994); 3) Aprender de forma lúdica e prazerosa (NAPOLITANO, 2003); 4) Observar aspectos culturais, sociais, linguísticos, ideológicos, históricos, geográficos e outros (GARCIA-STEFANI, 2010); 5) Observar a diversidade linguística do idioma-alvo (STEPHENS, 2001); 6) Auxiliar no desenvolvimento de habilidades comunicativas (STEPHENS, 2001); 7) Ampliar a visão de mundo dos aprendentes (MIRANDA, 2009); 8) Promover autonomia no aprendizado (FIORENTINI, 2002, CRUZ, SOUZA e LIMA, 2006).

No que concerne especificamente ao conteúdo do curso, trabalhamos os seguintes temas:

 O que dizem os PCNs e OCEM sobre o ensino de línguas;

 Quais as orientações do Caderno de Cinema do Professor, do projeto “O Cinema vai à Escola”;

 Quais os tipos de atividades didáticas que podem ser desenvolvidas a partir de conteúdo fílmico;

 O que significa trabalhar cultura em sala de aula e como o filme pode contribuir nesse sentido;

 Como desenvolver atividades com foco nas diferentes habilidades linguísticas;  Como trabalhar a intertextualidade na sala de aula;

 Como trabalhar o conteúdo da Proposta Curricular por meio do cinema;  Como trabalhar com os diferentes gêneros a partir do cinema;

 Como avaliar as atividades desenvolvidas em sua aplicação na sala de aula;

 Como o conteúdo da Proposta Curricular do Estado de São Paulo pode ser trabalhado por meio do cinema (cumprimentos e despedidas; identificação pessoal; (re)conhecimento de palavras estrangeiras; tempos verbais; denominação de objetos e espaços; manifestações culturais ao redor do mundo; descrição de eventos; (re)conhecimento de variáveis linguísticas; (re)conhecimento de temas e/ou assuntos; localização de informações explícitas e implícitas etc.).

Para orientar os professores participantes na elaboração das atividades didáticas, nos baseamo nos pressupostos teóricos de Richards (2005), que estabeleceu alguns princípios norteadores para esse fim. De acordo com o autor, as atividades desenvolvidas em sala de aula devem: 1) desenvolver a competência comunicativa dos alunos, relacionando o desenvolvimento gramatical com a habilidade em comunicar-se; ou seja, a gramática não deve ser ensinada isoladamente, mas a partir de uma atividade comunicativa; 2) criar a necessidade de comunicação, interação e negociação de sentidos; 3) fornecer oportunidades para o aprendizado indutivo e dedutivo da gramática; 4) fazer uso de conteúdos relacionados à vida e aos interesses dos alunos; 5) permitir que os aprendentes personalizem o aprendizado aplicando o que eles aprenderam em suas próprias vidas; 6) utilizar textos autênticos para criar interesse e fornecer modelos válidos de uso da língua.

Dialogando com os princípios para elaboração de atividades propostos por Richards (2005), estão os princípios do aprendizado propostos por GEE (2004), os quais também consideramos ao embasarmos teoricamente o curso de formação continuada. Segundo o autor, para promover o aprendizado, as atividades desenvolvidas em sala de aula devem: 1) estimular a prática da língua-alvo; 2) estimular a interação entre os alunos (clima de colaboração e compartilhamento); 3) promover a livre-expressão individual; 4) estimular o aprendizado autônomo; 5) simular situações da vida real; 6) estimular a realização de pesquisas extraclasse; 7) estimular a participação dos alunos na explicitação de regras gramaticais; 8) tolerar o erro; 9) promover diferentes maneiras de comunicar a mesma ideia (diferentes estratégias de comunicação); 10) promover “recompensas” pela execução das atividades; 11) favorecer a superação de dificuldades; 12) envolver as habilidades de escrita, leitura, audição e fala; 13) atentar para linguagem não verbal como forma de comunicação; 14) trabalhar com diversos gêneros textuais.

Tanto nos momentos de preparação, quanto nos de análise das atividades didáticas, procurávamos retomar essas teorias, verificando se os exercícios para prática da língua estavam de acordo com seus pressupostos.

Em relação à parte teórica do curso de formação continuada, além de prover os participantes com a teoria que nortearia a elaboração das atividades (RICHARDS, 2005; GEE, 2004), consideramos relevante retomar alguns conteúdos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), das OCEM (Orientações Curriculares para o Ensino Médio) e do Currículo do Estado de São Paulo – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, já que muitos participantes mencionaram no primeiro questionário que não conheciam ou não se lembravam das orientações contidas nesses documentos norteadores do ensino no país.

As teorias que nos pareceram relevantes abordar durante o curso de formação consideram a valorização da interação e o aprendizado significativo (GEE, 2004), a construção conjunta do conhecimento, a negociação de sentidos, a abordagem cooperativista do professor, e o aluno como foco do processo de ensino-aprendizagem.

No que concerne às informações pertinentes ao ensino de língua estrangeira presentes nas OCEM, destacamos a importância em abordar a maior quantidade de variedades linguísticas presentes no idioma alvo e, para isso, a nosso ver, o papel do cinema é fundamental nesse processo, principalmente no sentido de apresentar as variedades de maneira contextualizada. De acordo com o documento:

É necessário que as variedades apareçam contextualizadas e por meio de um falante real ou possível que mostre tal variedade em funcionamento. O professor não pode só falar sobre as variedades e ser a única voz que as representa, é importante que passe a palavra a outros falantes que mostrarão como funciona realmente cada variedade59 (VENTURA, 2005, p. 119-120,

apud OCEM, 2008, p. 137).

As OCEM propõem que a voz do professor como falante do idioma-alvo não seja a única com a qual o aprendente tenha contato e enfatizam a necessidade de mostrar a variedade linguística por meio de um falante real. Nesse sentido, o filme configura-se como recurso apropriado para apresentar essa variedade, permitindo que o aprendente possa visualizar eventos comunicativos reais, com falantes nativos de diferentes países e culturas.

A abordagem das variedades linguísticas é uma questão polêmica no âmbito de ensino de língua estrangeira, especialmente no que concerne ao ensino de língua espanhola, já que este idioma é oficial em 21 países. Uma pergunta é recorrente aos professores do idioma: que variedade ensinar? Que variedade os alunos devem aprender? Ao buscarmos respostas para essas perguntas, vimos que as OCEM orientam a abordagem do maior número de variedades possível, considerando que é preciso criar condições para que (os alunos) possam optar pela que consideram mais viável, seja pela facilidade que encontram, seja pelo gosto pessoal, seja porque se identificam mais com a sua cultura e com seus falantes (p. 137).

59 minha tradução para: Es necesario que las variedades aparezcan contextualizadas y por medio de un hablante real o posible que muestre dicha variedad en funcionamiento. El profesor no puede sólo hablar sobre las variedades y ser la única voz que las representa, es importante que transmita la palabra o otros hablantes que mostrarán cómo funciona realmente cada variedad.

Sob esse prisma, o cinema torna-se oportunidade para que os aprendentes tenham contato com diferentes variedades do idioma e, dessa forma, optem por eleger aquela com a qual se identificam.

Considerando os aspectos teóricos relevantes para o curso de formação continuada para professores de LE da rede pública de ensino, buscamos priorizar aqueles que orientavam suas ações na busca pela viabilização de um ensino significativo, que envolvessem e estimulassem o aluno a querer aprender, e a se tornar autônomo no processo de aprendizagem da língua-alvo.

Ao prepararmos os professores para desenvolverem atividades didáticas com esse fim, sabíamos que esse material, juntamente com a abordagem do professor ao utilizá-lo, deveria viabilizar oportunidades de interação entre os aprendentes, e ter como característica a flexibilidade – o que significa dizer que poderia ser ajustado, modificado e adaptado de acordo com os desejos, interesses e necessidades dos alunos e de acordo com a percepção do professor (OLIVEIRA SANTOS, 2004). Sabíamos, ainda que, para que isso ocorra, deve haver um baixo grau de previsibilidade quanto ao que deve ser ensinado, e a ordem dos conteúdos, unidades e atividades deve ser flexível, possibilitando acréscimo ou supressão de itens ou tópicos a serem trabalhados.

No processo de elaboração do material, tínhamos, ainda, a preocupação de não focar a forma e as estruturas da língua, priorizando seu uso para a comunicação.

O planejamento do material didático, para Oliveira Santos (2004), deve:

(...) ser sempre aberto, exposto à mudança, para que o professor possa adaptá- lo a partir do conhecimento que adquire em sala de aula, e os alunos, por sua vez, possam também participar das decisões que envolvem o desenvolvimento da sua aprendizagem (OLIVEIRA SANTOS, 2004, p. 207)

Para a autora, a flexibilidade do material didático contempla a relevância em considerar a visão do aprendente, suas opiniões, suas impressões sobre o curso e o material e sobre o contexto de aprendizagem no qual está inserido.

Dos 10 encontros que tivemos com os professores ao longo do curso de formação continuada, reservamos dois para o trabalho com o aporte teórico e com a análise das atividades contidas nos materiais didáticos com os quais eles já trabalhavam, necessário para o início do processo de elaboração do material com conteúdo fílmico.

O trabalho de análise das atividades contidas nos materiais didáticos com os quais os próprios professores trabalhavam em suas aulas foi fundamental para prepara-los para a elaboração das tarefas. No trabalho de análise, os professores, em grupos, deveriam observar, principalmente, o foco da atividade (gramática, comunicação etc.), além das habilidades que os exercícios pretendiam desenvolver (compreensão e/ou produção escrita, leitora, auditiva ou oral). Para orientá-los nessa empreitada, a professora-pesquisadora desenvolveu um roteiro que os auxiliaria no processo de observação e análise das atividades, elaborado a partir dos princípios do aprendizado (GEE, 2004) e dos princípios de elaboração de atividades didáticas (RICHARDS, 2005). Reproduzimos, a seguir, o referido roteiro:

Roteiro para análise de atividades didáticas60

1) A atividade estimula a prática da língua-alvo? De que forma? 2) Qual habilidade é focada? (escutar, falar, ler ou escrever)? 3) A atividade prioriza o uso ou a estrutura da língua?

4) De que forma a gramática é tratada? (o aluno deve reproduzir automaticamente estruturas gramaticais ou é desafiado a refletir sobre seu uso?)

5) Essa atividade é significativa para o contexto de ensino no qual eu atuo? 6) Contribui para o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos? 7) Faz uso de conteúdos relacionados à vida e aos interesses dos alunos?

8) Estimula a interação entre os alunos (clima de colaboração e compartilhamento)? 9) Promove a livre-expressão individual?

10) Estimula o aprendizado autônomo do aluno? 11) Estimula a realização de pesquisas extraclasse?

12) Estimula a participação dos alunos na explicitação de regras gramaticais? 13) Tolera o erro?

14) Promove diferentes maneiras de comunicar a mesma ideia (diferentes estratégias de comunicação)?

15) Promove reflexão?

16) Favorece a superação de dificuldades? 17) Trabalha com gêneros textuais?

18) Utiliza textos autênticos para criar interesse e fornecer modelos válidos de uso da língua? Quadro 13:Roteiro para análise de atividades didáticas (preparado pela professora-

pesquisadora-formadora)

Todas as questões contidas no roteiro foram consideradas no processo de análise das atividades dos livros didáticos dos professores cursistas. Esse guia os auxiliaria, mais tarde, na elaboração das tarefas61 com conteúdo fílmico.

A pedido dos professores, e no intuito de oferecermos um modelo de atividades didáticas com conteúdo fílmico, disponibilizamos um resumo com alguns exemplos de procedimentos didáticos (GARCIA DE STEFANI, 2010), contendo 23 tipos de atividades, entre elas: 1) Comentários sobre fragmentos de diálogos previamente selecionados; 2) Elaboração de diálogos a partir da exibição de uma cena sem áudio e sem legenda; 3) Comparação com diálogos de outros filmes; 4) Dedução do significado de palavras específicas a partir do contexto em que estão inseridas; 5) Observação e reprodução de situações de saudação, apresentação e despedida em diferentes âmbitos e contextos, atentando para a linguagem verbal e não-verbal; 6) Pesquisa sobre palavras heterossemânticas; 7) Observação e comparação de ditos populares; 8) Discussão sobre os costumes de diferentes povos a partir da exibição da cena e de posteriores investigações; 9) Reflexão sobre o uso de determinados tempos verbais em situações de comunicação; 10) Leitura e discussão de parte da obra na qual o filme foi baseado; 11) Identificação de expressões usadas ao convidar para dançar, jantar etc. e aferição de outras ocasiões em que as mesmas expressões poderiam ser usadas; 12) Previsão de acontecimentos seguintes aos da cena exibida; 13) Identificação de outros idiomas falados no filme; 14) Promoção de debates sobre assuntos polêmicos suscitados pelas cenas; 15) Analogia entre o ocorrido na cena e fatos da vida pessoal do aprendente; 16) Organização de diálogos distribuídos em partes aleatórias; 17) Discussão sobre aspectos sóciopolíticos no contexto histórico do filme em comparação com o contexto atual brasileiro; 18) Análise sobre diferentes formas de celebração e comemoração na cultura alvo e materna; 19) Analogia entre imagens e textos; 20) Atividade com a trilha sonora do filme; 21) Atividade com os “extras” do filme; 22) Dramatização de cena; 23) Elaboração e publicação (na internet) de uma crítica sobre o filme.

A ideia de disponibilizar o quadro com exemplos de procedimentos didático- pedagógicos com conteúdo fílmico não era influenciar os professores a reproduzir esses procedimentos e sim, inspirá-los a criar outros a partir destes. Tratava-se somente de um ponto de partida, já que os participantes nunca tiveram oportunidades de desenvolver material didático a partir de filmes, para o ensino de língua estrangeira.