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Capítulo 2. QUADRO TEÓRICO METODÓLOGICO

2.1 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS)

Para investigar as representações das pessoas envolvidas na pesquisa (estudantes e professores) utilizamos como referencial teórico metodológico a Teoria das Representações Sociais (TRS) na perspectiva Moscoviciana.

Segundo Moscovici (1978), a ciência e a tecnologia “inventam e propõem a maior parte dos objetos, conceitos, analogias e formas lógicas a que recorremos para fazer face às nossas tarefas econômicas, políticas ou intelectuais” (p.20-21). Assim, Moscovici atribui uma grande importância à divulgação científica para a formação das representações sociais.

As representações sociais inserem-se na inter-relação entre atores sociais, o fenômeno e o contexto que os rodeia. Elas são constituídas por processos sociocognitivos do imaginário coletivo e têm implicações na vida cotidiana, influenciando a comunicação e os comportamentos. Desta forma a representação pode ser considerada como um sistema de interpretações da realidade, organizando as relações dos indivíduos com o mundo e orientando suas condutas e comportamentos no meio social.

A TRS vem oferecendo à pesquisa educacional novas possibilidades para tratar a complexidade da educação e do contexto escolar, configurando-se como suporte teórico para estudos e entendimento das relações do saber e do saber fazer no âmbito da formação de professores. Sua principal contribuição recai, principalmente, na compreensão da formação e consolidação de conceitos construídos e veiculados interativamente pelos sujeitos.

Gilly (2001) destaca a importância da noção de representação social para a compreensão dos fenômenos educacionais não apenas numa perspectiva macroscópica, mas também para análises mais detalhadas de aspectos do cotidiano escolar, da turma, dos saberes, instituições educacionais, relações pedagógicas, entre outros.

As representações sociais nos permitem dar sentido/significado ao objeto, trazendo embutidas as relações com o processo sócio-histórico-cultural dos sujeitos e suas particularidades.

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Optamos por trabalhar com a teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici e Denise Jodelet. Segundo esse autor, trata-se de um estudo de como, e porque as pessoas compartilham as informações, tornando sua realidade comum. Nossa opção se justifica pela oportunidade que a teoria nos traz de uma melhor compreensão das representações e significados atribuídos ao tema, levando em consideração as crenças e valores compartilhados pelos sujeitos através da comunicação, das práticas cotidianas e da realidade social.

A Teoria das Representações Sociais é uma teoria voltada para o estudo de um fenômeno eminentemente psicossocial: o senso comum, que é constituído de processos de pensamento lógicos e racionais, mas também emocionais e não conscientes, que determinam atitudes e comportamentos (ANDRADE, 2003). É uma teoria que vem constituindo suas hipóteses no interior de uma ciência factual e humana, a Psicologia Social, a partir de um conceito específico. As representações sociais de um fenômeno particular e bem contemporâneo poderia ser traduzida como a apropriação do conhecimento científico pelo senso comum.

A teoria das Representações Sociais tem como marco ancestral o referencial das Representações Coletivas, proposto por Émile Durkheim em 1912. Durkheim, fiel à tradição aristotélica e kantiana, via as Representações Coletivas como formas estáveis de compreensão coletiva, evidenciando o caráter estático das representações. Ele defendia a separação entre a representação individual – campo da psicologia – e as representações coletivas – campo da sociologia. Dito de outro modo, Durkheim opõe as representações individuais às representações coletivas, considerando estas últimas como possuidoras de suas próprias leis, transcendendo o pensamento individual. Dessa forma, ele atribui às representações coletivas o status de objetividade e autonomia, enquanto que as representações individuais, em oposição, possuíam um caráter efêmero e instável (MOSCOVICI, 2003).

Moscovici diferencia-se substancialmente de Durkheim, uma vez que não admite uma sobreposição do social ao individual, na medida em que seu conceito de sociedade é dialético, incorporando as contradições e os conflitos existentes entre indivíduos e grupos (ANDRADE, 2003).

A TRS é ela mesma, nos dizeres de Doise (apud Sá, 1996, p.19), “uma grande teoria”, constituída atualmente por uma miscelânea de visões e abordagens. De acordo com Moscovici (1989), o conceito de representação social sofreu influência da Sociologia de Durkheim, da antropologia de Lévy-Bruhl, da Teoria da Linguagem de

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Saussure, da Teoria das Representações infantis de Piaget e da Teoria do Desenvolvimento cultural de Vigotsky.

Tal teoria desenvolve a hipótese de que o senso comum é explicável como um conjunto de teorias não científicas sobre a realidade. Nesse sentido, o senso comum é uma forma de conhecimento prático que une sujeito e objeto (Jodelet, 1989) e que estabelece com o conhecimento científico uma relação de aproximações e afastamentos, de acordo com suas funções.

Os estudos mais relevantes sobre representações sociais no século XX foram realizados por Serge Moscovici que, trabalhando o conceito de representações coletivas de Durkheim, formula este construto, apresentando-o em 1961 na obra “La psychanalyse son image et son publique”. Nessa obra o autor foca na perspectiva das representações como um conjunto de princípios construídos interativamente e comparativamente por diferentes grupos e que, através deles, compreendem e transformam sua realidade.

O psicólogo social diz que as Representações Sociais constituem a “atmosfera social e cultural" composta por palavras, ideias e imagens que nos cercam individual e coletivamente (MOSCOVICI, 2003). A conversação é destacada por Moscovici como o primeiro gênero de comunicação através do qual se constroem as Representações Sociais.

Portanto, as interações sociais e a comunicação são processos responsáveis na construção das Representações, existindo uma relação sutil entre as representações e as influências comunicativas. Esta relação pode ser identificada através da definição de Representação Social dada por Moscovici:

Um sistema de valores, ideias e práticas, com uma dupla função: primeiro estabelecer uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e controlá-lo; e, em segundo lugar, possibilitar que a comunicação seja possível entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e social. (MOSCOVICI, 2003, p.21)

As pessoas interagem com representações, valores e sentidos; assim suas concepções e práticas estão fortemente entrelaçadas ao contexto social, histórico, cultural e, portanto, acreditamos que a teoria das representações sociais se configura como referencial teórico adequado à presente pesquisa. Daí o interesse essencial da noção de representações sociais para a compreensão dos fatos da educação, que segundo Gilly (2001), consiste no fato de orientar a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo.

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A investigação, estudo e reflexão sobre as representações sociais, que podem ser consideradas como um “saber prático”, têm contribuído para desenvolver outra postura frente à educação e ao aprender, considerando o desenvolvimento social, histórico e cultural (MADEIRA, 1998).

Para Andrade (2003), o conhecimento de como as RS se constroem e como elas mudam são importantes questões de constante investigação entre os estudiosos da área, uma vez que podem explicar os comportamentos das pessoas e sua forma de se relacionar com o mundo. Acreditamos que entender como as Representações Sociais se constroem no contexto determinado está relacionado às suas origens, e pode contribuir significativamente junto às questões educacionais. Já o acompanhamento de sua evolução ou transformação em determinadas fases do educando pode permitir diagnosticar a formação como também permite sugerir propostas de intervenção intencional no processo.

Como o indivíduo é um ser social, é natural que suas concepções tenham forte influência do meio social que compartilha. Vale lembrar que um dos pilares da teoria de Vigotsky é que os processos mentais superiores como o pensamento verbal, memória, lógica e atenção seletiva são gerados por atividades mediadas socialmente (VIGOTSKY, 1998). Para ele, o sujeito reconstrói internamente aquilo (instrumento e signos) que foi socialmente (cultural e historicamente) construído por outros (SOUZA; MOREIRA, 2005).

Ao formar sua representação de um objeto, o sujeito, de certa forma, o constitui, o reconstrói em seu sistema cognitivo, de modo a adequá-lo ao seu sistema de valores que, por sua vez, depende de sua história e do contexto social e ideológico no qual está inserido (MAZZOTTI, 2002).

Para Moscovici (1989), a representação social está intimamente ligada ao conceito que se tem sobre determinado tema, no qual se incluem, também, os preconceitos, as ideologias e as características específicas das atividades cotidianas. Esse conceito pode estar representado tanto por concepções científicas quanto por aquelas ligadas ao senso comum.

O conhecimento do senso comum não se contrapõe ao conhecimento científico. Apesar de haver diferenças na elaboração quanto à sua função, não significa que essas formas de conhecimento sejam radicalmente opostas ou mesmo excludentes para o mesmo sujeito. As diferentes formas de conhecimento interpenetram-se. Moscovici afirma que “A ciência antes era baseada no senso comum

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e fazia o senso comum menos comum; mas agora senso comum é ciência tornada comum” (MOSCOVICI, 2003, p.60).

A ciência parece trazer muitos elementos desse conhecimento do senso comum. Moscovici (2003, p.328) defende a ideia de que o conhecimento é polifásico e, segundo ele,

[...] as pessoas são capazes, de fato, de usar diferentes modos de pensamento e diferentes representações de acordo com o grupo específico ao qual pertencem, ao contexto em que estão no momento, etc. Não é necessário investigar muito para perceber que até mesmo cientistas profissionais não são totalmente interessados no pensamento científico. Muitos deles possuem um credo religioso, alguns são racistas, outros consultam seus “astros”, têm um fetiche [...] Se essas diferenças, até mesmo conflitantes, formas de pensamento não coexistissem em suas mentes, elas não seriam mentes humanas.

As representações são criadas com o intuito de transformar algo não familiar, ou a própria não familiaridade, em familiar. Para tanto, as representações sociais são estruturadas em torno de duas dimensões: a ancoragem e a objetivação, que operam o processo pelo qual a representação social passa a se tornar familiar ao sujeito, tornando-se real e socialmente conhecida e compartilhada. Na ancoragem ocorre “um processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias, e o compara a um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada” (MOSCOVICI, 2003, p.61). A ancoragem, portanto, transforma o não familiar em familiar, construindo novas informações num conjunto de conhecimentos socialmente elaborados (SÁ, 1996; MOSCOVICI, 2003).

Há, assim, uma integração do objeto a ser representado a um sistema de representação do pensamento social já existente, na qual o objeto é comparado a categorias, sendo, portanto, rotulado e classificado. Articulada à ancoragem, está a objetivação, que explica como os elementos representativos de uma teoria se integram numa realidade social. Associa a ideia de não familiaridade com a de realidade, tornando a verdadeira essência da realidade. A objetivação transforma em objeto o que é representado, materializando o que é mental, reproduzindo um conceito em uma imagem. Esta dimensão transforma uma abstração em algo quase físico, cristalizando a representação de forma a facilitar a visualização de um novo conceito (MOSCOVICI, 2003).

Abric (1994) apud Sá (2002) sistematiza a questão das finalidades próprias das RS, atribuindo-lhe quatro funções essenciais: 1) Função do saber, que permite compreender e explicar a realidade; 2) Função identitária, que define a identidade e permite a salvaguarda da especificidade dos grupos; 3) Função de orientação, que

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guia os comportamentos e as práticas; e 4) Função justificatória, que permite justificar a posteriori as tomadas de posição e os comportamentos.

A representação é interpretada como fenômeno dinâmico inscrito no cenário cultural, social e político de cada época histórica, estando intrinsicamente relacionada a imagens.

Para Moscovici imagens “são sensações mentais que objetos e pessoas deixam em nosso cérebro” (1978, p. 47-48), reconhecidas como um sistema de referência que permite ao indivíduo interpretar sua vida e a ela dar sentido, conferindo peso e significado aos demais elementos que se encontram nas demais dimensões.

Jodelet (2001) elucida como os mecanismos sociais interferem na elaboração psicológica que constitui a interação social e vice versa. Segundo a autora, a objetivação é uma operação imaginante e estruturante que dá corpo aos esquemas conceituais, reabsorvendo o excesso de significação, procedimento necessário ao fluxo das comunicações. E finalizando, o processo se dá na constituição do “Núcleo Figurativo” que é um conjunto de estruturas imagéticas onde encontramos elementos articuladores das representações sociais de modo mais relacionados.

Tornando familiar as imagens, o individuo fornece a elas uma realidade própria, coerente com as suas capacidades de compreensão.

Em linhas gerais,

O núcleo figurativo é uma estrutura imagética em que se articulam, de uma forma mais concreta e visualizável, os elementos do objeto de representação que tenham sido selecionados pelos indivíduos ou grupos em função de critérios culturais e normativos (Sá, 2002, p.65).

É nesse sentido que um desenho consiste em uma modalidade de comunicação objetivada na forma imagética capaz de tornar inteligível o não inteligível, por meio de códigos representacionais que ocupam a função de mediadores entre o objeto, o mundo, o cotidiano e o intérprete.

Jodelet (2001) sugere que as pesquisas no âmbito das Representações Sociais sejam norteadas por três questionamentos: Quem sabe e de onde sabe? O que e como sabe? Sobre o que se sabe e com que efeitos?

“Quem sabe e de onde sabe?” delimita as condições de produção e circulação das representações, e segundo Sá (1998), esta dimensão se liga a fatores tais como:

[...] valores, modelos e invariantes culturais; comunicação interindividual, institucional e de massa; contexto ideológico e histórico; inserção social dos sujeitos, em termos de filiação e sua posição grupal; dinâmicas das instituições e dos grupos pertinentes. (SÁ, 1998, p.32).

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“O que e como se sabe?” está relacionado aos processos e estados de uma representação, que, segundo o mesmo texto de Sá,

[...] se ocupa dos suportes da representação (o discurso ou o comportamento de um sujeito, documentos, práticas, etc.) para daí inferir seu conteúdo e sua estrutura, assim como da análise de lógica própria e de sua eventual transformação. (SÁ, 1998, p.32).

O terceiro questionamento “Sobre o que se sabe e com que efeitos?” infere sobre as origens das representações e como se deu sua transformação, o que ocorre novamente nas palavras de Sá na relação entre o pensamento natural e o pensamento científico, da difusão dos conhecimentos e da transformação de um tipo de saber em outro.

Sá (1998) entende a representação social como uma modalidade de saber gerada através da comunicação na vida cotidiana, com a finalidade prática de orientar os comportamentos em situações sociais concretas. A representação social é sempre de alguém (o sujeito) e de alguma coisa (o objeto), desta forma precisamos considerar, simultaneamente, o sujeito e o objeto da representação que desejamos pesquisar.

Sendo a educação ambiental uma emergente demanda para a maioria dos professores formadores e futuros professores de química, conhecer as representações destes profissionais e estudantes no autêntico contexto da academia apresenta-se como elemento importante no estudo de um diagnóstico da dimensão ambiental no currículo e nas propostas de processos de intervenção no sistema de formação de professores.

Considerando que as práticas pedagógicas são determinadas pelas crenças, valores e representações sociais dos professores, qualquer ensino, melhoria ou mudança que se pretenda nestas práticas envolvem, necessariamente, levá-las em consideração. As representações que os futuros professores possuem em relação ao meio ambiente, a educação ambiental e ao ensino de química definirá a forma de pensar, planejar e executar sua futura prática pedagógica fornecendo sentido às experiências vivenciadas.

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