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Na perspectiva de contrapor os argumentos e a centralidade do Estado Regulador, as produções revelaram anseios, fundamentações sejam a partir dos projetos de avaliação, seja pelo lastro nas conclusões de que existe outra possibilidade teórica do Estado para subsidiar as políticas e as práticas de avaliação institucional. Esta ênfase na teoria foi percebida pela ocorrência de palavras ou frases como participação, direitos do cidadão, participação ativa dos sujeitos sociais, liberdade política e democrática, democratização, transformação social, primazia do político sobre o econômico; o que sinalizou as ansiedades hoje vividas e desejadas pelos que assumem a Educação e a avaliação como uma prática valorativa que (trans) forma para a cidadania.

É interessante notar que as discussões de um Estado democrático não aparecem explicitamente em todos os textos inquiridos, ficam mais evidentes os argumentos críticos sobre o Estado Liberal reformado, seja na perspectiva neoliberalizante ou Avaliadora.

Analisar o Estado Democrático significa compreendê-lo não apenas como instrumento de racionalização eficiente, capaz de intervir e promover o desenvolvimento, “mas um ambiente político-institucional no qual se concretize a mediação de conflitos e das diferenças em que se estabeleçam as bases do contrato social, as relações de reciprocidade entre os cidadãos” (NOGUEIRA, 2011, p. 70).

Os fundamentos de um Estado Democrático para a Educação são traduzidos nos princípios que destaco a seguir: a) igualdade – própria da democracia tanto no ponto de partida como de chegada; b) qualidade – esta deve ser estendida a todos os cidadãos estar relacionada à participação; c) gestão democrática – repensa a estrutura da escola propiciando a participação coletiva; d) liberdade – relacionada à autonomia; e) valorização do

magistério – relaciona a integração entre formação, condições de trabalho e remuneração (PASSOS, 2004).

É comum observarmos os discursos sobre o Estado Democrático orientados pelos fundamentos do constitucionalismo, republicanismo, democracia, noção de cidadão, progresso, racionalismo, liberdade, secularismo, nacionalismo, separação entre Estado e Igreja e um sistema público/estatal de Educação (HARVEY, apud KAZAMIAS, 2012).

Esta visão é própria das sociedades modernas e das políticas educacionais que têm como papel ajudar os cidadãos a viverem um processo de inclusão e emancipação social. Ao mesmo tempo, defender um Estado democrático significa entendê-lo na esteira do sistema capitalista que com todas suas contradições,

é o resultado ou de uma construção política ou de uma construção através da política. Além de construírem sua nação e sua sociedade civil, os cidadãos, através destas, constroém também seu Estado e seu Estado-nação. Trata-se de uma construção lenta e difícil, muitas vezes contraditória, mas que sempre procura ser racional (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 117).

Vale ressaltar que o Estado se configura a partir da conjunção da sociedade civil, do território no qual está circunscrito, pelo poder jurídico e sua organização social no qual a sociedade passa a concretizar seus anseios, sonhos, mediante a participação política e social, os mecanismos jurídicos, o que faz com que este Estado seja “governado e transformado pela política”. Esta perspectiva de Estado teve lampejos de sua materialidade na tradução das políticas sociais gestadas no Welfare state que, abrigando os desejos dos sindicatos nacionais, deu forma às políticas para saúde, Educação, aposentarias que passaram a ser redefinidas após a metamorfose em Estado neoliberal.

O maior desafio do Estado Democrático está na definição do que seja participação, pois a sociedade civil organizada mediante sua força pode fazer com que o Estado ceda, ou reveja suas determinações e normatizações. Este encontro é permeado de conflitos e contradições, uma vez que

nesse processo, os grupos sociais vivem a permanente contradição de procurarem afirmar seus interesses corporativos e de buscar objetivos comuns de forma cooperativa. Tanto no caso da nação quanto da sociedade civil, sua ação política depende da relação de forças nelas existente e está sujeita as restrições econômicas, mas estas não são deterministas: sempre existe espaço para a autonomia da política (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 118).

Hayek (2010) afirma que um Estado por meio de um governo democrático deve, portanto, conduzir o planejamento econômico de modo a preservar ao máximo a liberdade de escolha de cada cidadão. Esta visão indica que a máxima liberdade está relacionada à possibilidade da concorrência em todos os campos da vida em sociedade, pois o importante é que as pessoas tenham protegidas todas as possibilidades de escolha, ou seja, a liberdade, autonomia para vivenciá-las.

Fazendo uma correlação com a Educação, esta perspectiva coincide com as políticas avaliativas atuais, pois a partir dos resultados divulgados há uma prestação de contas à sociedade. Cada cidadão, família é capaz de fazer a sua escolha, considerando que a

Educação passou a ser vista como um quase-mercado, ou um bem de mercado como afirma Afonso (2000) que transforma a Educação em mercadoria aos sabores dos ventos da livre concorrência e de quem pode pagar, ou ainda, fazer qualquer coisa que se arremede com Educação para fabricar diplomas que mais podem ser considerados um estelionato do que formação22.

Para Torres; Olmos (2012, p. 100), o Estado democrático liberal devia desempenhar duas funções básicas, muitas vezes contraditórias, quais sejam: fomentar ao mesmo tempo a acumulação do capital e a harmonia e o consenso social. Pelas apreensões indicadas nas teses examinadas ficaram presentes estas contradições. Foram flagradas diferenças no indicado teoricamente como crítica e as condicionantes históricas na qual se operacionalizaram tais práticas, ou seja, nas instituições, demonstrando exatamente que a vida institucional pulsa numa complexidade pluirreferencial, coexistindo modelos e práticas que estão para além das reproduções, pois ao denunciarem as pressões e opressões do Estado em tempos de grandes repercussões da avaliação, também indicaram caminhos possíveis para superação e edificação de uma Educação e avaliação decentes. Desta forma, a relação entre o Estado e as instituições, não é algo consensual e tranquilo, mas se vive a tensão permanente entre as recomendações deste e a autonomia destas outras.

Nesse sentido, a teoria da complexidade ajudou-me a pensar os espaços de práticas da ação avaliativa em todo o seu potencial dialógico, nos quais as instituições não aceitam cegamente as determinações da figura estatal, mas antes vivem o tenso diálogo e conflito que acabam por gerar novas possibilidades de enfrentamento e realização das avaliações.

É dessa forma que Morin (2000) sugere, no momento em que uma ação avaliativa é empreendida, ela entra no universo de interações que pode modificá-la de sua intenção inicial,

22 O MEC através da política de avaliação já referenciada na LDB, fez da avaliação também um mecanismo

regulatório para os processos de recredenciamento, recredenciamento, autorização e reconhecimento de cursos. Os resultados do ENADE e CPC, em especial deste último, ditou as normas de permanência das instituições no sistema e de manutenção da oferta dos cursos e do financiamento como se pode confirmar nas notícias veiculadas nos meios de comunicação e no site do INEP em dezembro de 2014. As instituições que obtiveram conceito insatisfatório (1 e 2) no percurso de 03 avaliações , responderão a processos administrativos de supervisão e terão suspensas a autonomia e o congelamento de vagas. Em caso de não saneamento das deficiências, o MEC instaurará processo administrativo para o descredenciamento ou encerramento do curso. Nesse ano foram suspensos ingressos de novos alunos em 27cursos, sendo seis de universidades federais e 21 de

faculdades e centros universitários. Assim, foram suspensas 3.130 vagas em cursos da área de saúde. Foram

afetados cursos como Agronomia (Faculdade Anhanguera de Dourados), Zootecnia (UFRA), Educação Física (UFAL e UFAC), Serviço Social (UFF), Farmácia (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná) Fonoaudiologia (União de Escolas Superioes FUNESO), Veterinária (Escola Superior Batista do Amazonas) e Cursos tecnológicos Gestão Ambiental (Universidade Vale do Rio Verde) e Radiologia (Universidade Estácio de Sá).(INEP, MEC, 2014). (O GLOBO, 2014).

ou seja, aquilo que veio como determinante pelas mãos do Estado, sofre “inconfidências”23 no âmbito das práticas docentes e institucionais. Esta assertiva reafirma o que os pesquisadores das teses em exame identificaram o potencial transformador das práticas avaliativas, pois estas envolvem consciência, iniciativa, decisão e transformações que ajudam as instituições não serem simplesmente “máquinas triviais” de um novo tempo.

A perspectiva da integração dos saberes, do potencial das iniciativas, decisões e transformações ocorridas no que Morin chama de uma profunda interação inter-retroativa, recursiva partindo das ações, permite criticar e abdicar da ortodoxia, das fáceis respostas finalistas e completas que assolam as políticas avaliativas quantitativistas vindas pelas mãos do Estado e celebradas pelo mercado, pois reduzem a Educação e a “avaliação aos produtos mais facilmente quantificáveis” (SANTOS, 2010, p. 217).

As interações, por mais que nos levem a portos mais seguros da avaliação, devem ser pensadas na confluência da religação dos saberes quantitativos e qualitativos, da avaliação externa dialogando com a avaliação interna, do sujeito participante assumindo seu papel ativo, propositivo e crítico, em busca do que Santos (Op. cit., p. 223) chama “para uma universidade de ideias que transforme os processos de investigação, ensino e extensão segundos os princípios da racionalidade moral-prática, estético expressiva e da aplicação edificante da ciência” e não de produtos pasteurizados no processo de formação.

Das 18 teses inspecionadas, em 10 delas teve menções ao Estado Providência de inspiração Keynesiana, como aquele capaz de fazer acontecer os princípios democráticos de liberdade, igualdade, participação e cidadania, capaz de assegurar aos cidadãos os direitos sociais, ou seja, está se falando de um Estado democrático em plena sociedade capitalista, o que para outros é impensável, tal conciliação.

No texto de Gumbovsky (2003), o Estado Democrático instituído por meio da Constituição foi traduzido como aquele capaz de garantir o bem comum e o direito do cidadão, ou seja, deve garantir os direitos à cidadania através dos serviços básicos. Compreendo que o autor chama para seu texto a figura do Estado como regimes sociais democratas - Bem Estar Social para desenvolver políticas sociais que visam a estabilidade no emprego, políticas de renda com ganhos de produtividade e de previdência social, incluindo seguro desemprego, bem como direito à Educação, subsídio no transporte. Estas menções são

23 Termo cunhado por Paulo Sérgio de Almeida Correa em sua Tese de doutorado intitulada - O Estado e a

Formulação da Política Curricular: prescrições e inconfidências (2000) para expressar que diante das reformas e políticas públicas efetivadas pelo Estado, os docentes se insurgem com inconfidências em relação às idealizações projetadas pelo poder estatal, desenvolvendo práticas alternativas que se confrontam as com formulações oficiais, fazendo emergir comportamentos inconfidentes e refratários diante dessas políticas.

referendadas no movimento que afirma a necessidade de uma sociedade mais justa, igualitária e menos excludente.

As produções de Felix (2008) e Ribeiro (2010) também traduziram o Estado democrático, por meio do Estado de Bem Estar Social, como um avanço significativo ao anunciar aos cidadãos a chancela de cidadania mediante o aporte e as condições para viverem com dignidade, sendo estabelecidas relações democráticas entre Estado e Sociedade, na qual os cidadãos poderiam sonhar, almejar a níveis mínimos de bem-estar em saúde, habitação, Educação, salário e seguro. Destacaram que o papel do Estado Providência foi importante por fazer uma gestão controlada de administração das desigualdades e da exclusão, sendo o Estado o agente de bem estar social provedor dos serviços públicos e da suposta proteção da população.

Já Martins (2010), Souza (2010) destacaram que no Estado democrático há um processo de tensão entre o que é demandado pelo Estado e o que emerge da comunidade, principalmente da Universidade, situações próprias dos anseios democráticos e dos processos de aderências, resistências e refratações. Indicaram, ainda, que há necessidade de um sujeito que compreenda sua liberdade não apenas como econômica, de possibilidade e ação no mercado, mas, principalmente, como autonomia política e cidadã, situado em um Estado que vive os conflitos e tensões de uma realidade complexa e permeada de contradições.

Nos escritos de Lara (2007) percebi que a atual conformação do Estado democrático, que no seu estágio atual vem exigir o equilíbrio entre o primado da economia e o da política, pois só assim se terá uma nova (re) configuração do Estado, uma vez que hoje está assolado pela visão redentora de economia do economicismo educativo. Assim ele se posiciona

Tudo indica que um dos maiores problemas da contemporaneidade consistia em que fatos econômicos superassem os fatos políticos, e a economia e a política não conseguem manter o mesmo ritmo. Economicamente, o mundo tornou-se uma unidade comercial. Politicamente, continuou fragmentado. A tensão entre os dois desenvolvimentos opostos provocaram um abalo em cadeia na vida societária da humanidade. O maior desafio dos líderes democráticos para o século XXI será restaurar o Estado e restabelecer o primado da política sobre a economia ( 91).

Assis (2008) ao discutir as tensões, mediações e impactos da avaliação na prática docente da Educação superior, debateu a partir do conceito de democratização e participação o papel do Estado democrático, onde este deveria promover a

democratização dos espaços sociais, do acesso aos bens e serviços e especialmente à educação com qualidade é a chave para que ocorra uma transformação dos cidadãos no sentido de não permitir que sejam subjugados pelos detentores dos mecanismos políticos e meios de produção

e de comunicação, em geral definidores das “tendências” do mercado e do consumo ( p.40).

As reflexões no estudo de Lima (2011) remeteram a um Estado social alternativo defendido nas lutas sociais, permitindo a participação dos sujeitos históricos na implementação de políticas colaboradoras para a transformação social, por meio da resolução dos problemas e conflitos mediante a participação política, crítica, autocrítica, liberdade e autonomia dos cidadãos. Tal perspectiva encontra-se em crise a partir do momento em que o “Estado brasileiro formalizou a regulamentação de finalidades, processos, procedimentos, condições e financiamento, bem como realizou o controle burocrático das instituições” (p. 40).

As instituições têm vida própria, respiram subjetividades e pluralidade de pensamentos e ações, esse é o ponto unificador de que não há só subserviência à reprodução, ao controle e à regulação. Colocar nas mãos do Estado democrático a responsabilidade de todo o sucesso nos vários campos sociais, pode levar a armadilhas de uma espera vã. Para isto o conceito de complexus para o qual tudo é “tecido junto”, ajuda a entender esses viéses.

A avaliação institucional proposta pelo Estado brasileiro serve aos propósitos da regulação, mas há outras formas de fazer que tais mecanismos se tornem a favor da qualidade e da identidade de cada instituição, pois como afirmam Dias Sobrinho; Balzan (2011) a avaliação é um patrimônio das instituições educacionais, logo, deve cumprir um dos requisitos básicos que é a transparência, a exigência ética de prestação de contas à sociedade. Assim, não dá para esperar as notas técnicas, como faz todos os anos o MEC, para só então decifar o jogo das fórmulas estatíticas que levam aos conceitos institucionais e de cursos. Urge que sejam plasmadas reações que superem os reducionismos avaliativos a conceitos.

Assim, o significado de todo esse aparato em torno da avaliação deve confirmar a necessidade de que qualquer prática, teoria, ação são melhoradas quando (re) visitadas, avaliadas permanentemente, como forma de inovar, mudar a própria trajetória, aí reside o significado de transformar a avaliação institucional em objeto de escuta, de problematização, questionamento de melhoria e aperfeiçoamento das instituições em um contexto democrático.

Urge resgatar a conformação de um Estado democrático como aquele que envolve acordos, debates, negociações, concessões e dissenções, pois o complexus histórico-social abriga movimentos e práticas ambíguas, complementares e contraditórias, sendo necessário o que Morin (2011, 2002a, 2002b) proclama, a religação de saberes e conceitos até então colocados como opostos e inconcebíveis na produção da Educação e do conhecimento.

O desafio está em problematizar a prática estadocêntrica da avaliação ranqueadora, produtivista, classificatória e seletiva, praticada em nossos dias e denunciadas nos textos analisados, pois as pessoas não agem apenas conforme as determinações externas, como diria Santos (2010, p.220), elas “ficam até dispersivas, ou defensivas” outras agem de forma “inconfidente” resistindo, procurando vencer a “cegueira epistemológica” da avaliação hegemônica.

Assim, na contemporaneidade há o desafio de manter vivo o Estado democrático, pensando o mesmo na sua complexidade, não como um ser abstrato, mas uma produção dos homens e por isso representando e convergindo para interesses diversos, representado aqui pelas reflexões de Nogueira (2011, p. 75)

O Estado é um construtor de cidadania e seu principal fiador. É também um fator que regula, direciona e pode limitar os espaços de cidadania. Ele precisa ser ativo e ao mesmo tempo passivo, isto é, estar socialmente fundamentado e controlado. Uma reforma democrática do Estado está obrigada a abrir caminhos de realização da democracia representativa, quer dizer, deve descobrir o modo e articular representação e participação nas circunstâncias definidas pela globalização e pelo capitalismo. A convivência justa, civilizada e democrática não é concebida fora de um Estado.

A assertiva acima repercute o desafio para o Estado como figura democrática, de conviver com as assimetrias e os desafios da participação de homens e mulheres em um contexto que pode ser transformador e formador de cidadão em contraposição às práticas que procuram mais vilipendiar direitos do que assegurá-los. A participação nos processos decisórios democráticos, via possibilidades do Estado Democrático, imprime responsabilidades que devem ir do protagonismo dos sujeitos à convivência respeitosa diante dos conflitos que emergem dessas mesmas relações, uma vez que liberdade e participação se conjugam nesse cenário.

O Estado como promotor de cidadania deve ser o portador de novas possibilidades, de construção de novos espaços de produção e crítica nos quais se conjugam disputas, resistências e convergências que acabam por representar a legitimidade da democracia como espaço de direitos e deveres na sociedade. Esse jogo de forças pressupõe que o Estado acione seus mecanismos de controle, mas não os transforme em camisas de força que negam a sociedade, a educação e a avaliação seus protagonismos.