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Fazer a reflexão e análise sobre como a avaliação institucional se tornou objeto de pesquisa na produção científica brasileira no âmbito das produções depositadas no Banco de Teses da CAPES, foi revolver o pensamento sobre o significado da produção acadêmica e relação com as instâncias da vida social, política, econômica e educacional que se interpenetram, interagem, agem e retroagem fazendo emergir um novo jogo de relações no campo educacional.

Nesse mundo global e multifacetado dos dias atuais, nos quais vieram também as políticas de controle, competição, de regulação, performatividade, accountability, rankings, a avaliação institucional interferiu sobremaneira nas instituições, pois para provar que se “forma bem”, estas foram instadas a responder a todos os mecanismos reguladores do sistema educacional: Exames, avaliações in locu, censos, índices, insumos e tantos outros dispositivos legais que promoveram uma “esquizofrenia legalista” que em muitos aspectos procurou

cercear a autonomia e a identidade das instituições.

Nesse cenário, procurei entender em quais programas se concentravam as produções acerca da temática e pude confirmar a supremacia dos programas localizados no eixo Sudeste-Sul como os responsáveis pelo maior índice de produção científica, confirmando

a hegemonia de produção onde os programas de pós-graduação tiveram sua origem, o que demonstra sua consolidação.

Também constatei que a avaliação institucional não é uma seara só da Educação, apesar dessa área manter sua pujança, mas também há “passeios epistemológicos” que vão da área da saúde às engenharias, demonstrando a amplitude de olhares diferenciados sobre esse fenômeno e os referenciais teóricos que acionaram para sua sustentação, o que só enriqueceu a produção do conhecimento.

Outro ponto que foi resgatado foram as tendências temáticas que inspiraram os pesquisadores. Percebi que estas foram moldadas a partir de várias inquietações, pois a construção do objeto tem pulsante o envolvimento do pesquisador com suas histórias pessoais e profissionais que confirmaram que há mais possibilidades, nuances a ser desveladas sobre uma mesma temática.

A autoavaliação institucional assumiu a dianteira das problematizações, o que sugeriu nas palavras de Ristoff (2011, p.43) que esta deve ser o estágio inicial da avaliação, possibilitando que as instituições reflitam honestamente no que são e no que pretendem se tornar, ou seja, reflitam sobre sua identidade. Este mesmo olhar já dá os indicativos de quanto ainda há para ser inspecionada nesse campo de pesquisa.

Quanto às opções metodológicas estas, na maioria das produções, se constituíram do encontro de uma variedade de ferramentas, o que permitiu olhar o objeto por diferentes ângulos e possibilidades. Assim, para se falar de avaliação institucional, os autores priorizaram o estudo de caso como forma de revelar as idiossincrasias das experiências e dos projeto forjados, fossem eles de iniciativa das IES ou a partir das políticas do regulador oficial.

Ao identificar com qual ou quais teorias de Estado estas produções operaram, foi evidenciado que há uma forte tendência a apresentar o cenário dos anos de 1990 para cá como veiculadores de uma lógica regulatória e controladora, perspectiva esta capaz de fazer com que as instituições suprimam suas identidades e respondam apenas à lógica externa, negando a possibilidade de autonomia e identidade das organizações. Simultaneamente, as produções sinalizaram também movimentos contrarregulatórios para não serem aprisionadas no simplismo, reducionismo e pretensões de neutralidade dos instrumentos técnicos das avaliações tecnoburocráticas, mas respiraram espaços de resistências, de contestações e recursividades organizativas, criando, assim, outros movimentos para dar novo significado às avaliações, mediante seu conhecimento pertinente e a tessitura dialógica capazes de forjar novos rumos para uma cabeça bem-feita em avaliação institucional.

Penso ser este o desafio das produções e instituições frente ao que representa a teoria de Estado gestor, neoliberal e avaliador, pois ao mesmo tempo em que estas produções sinalizaram os riscos e controle desta nova roupagem e função do Estado, apontaram também para uma manutenção da teoria de Estado Democrático, que permite a participação do cidadão, via debate de idéias, percepções, análises e reflexões propulsoras de uma lógica emancipatória e formativa de avaliação.

Para chegar nessas reflexões fiz paragens pelas transformações do Estado por meio das evidências das Teorias que o conformaram como responsável e tutor da sociedade e da Educação, evidenciando também as concepções sobre a avaliação educacional e institucional, nos quais foram destacados os paradigmas objetivista tecnológico sustentador de uma concepção de avaliação na lógica regulatória, controladora e eficientista e o paradigma subjetivista naturalista afeito a concepção de avaliação formativa, emancipatória e participativa, além do diálogo com alguns construtos da teoria da complexidade que serviram de base para o desenvolvimento da tese.

Vivemos nesse tempo de demandas diversas, de emergência de políticas homogeneizadoras, performáticas, silenciadoras da diversidade e de projetos mais solidários e cooperativos, diante do qual é preciso vigilância crítica e autocrítica sobre esse fenômeno complexo que emerge nas produções já consolidadas e que foram uma fonte de inspiração de novos empreendimentos epistemológicos. Como diria nosso inspirador Morin, são tempos que devemos evocar a necessidade da cabeça bem feita, da religação dos saberes, do conhecimento e das perguntas pertinentes e necessárias em oposição predominância da quantificação objetivista, que assola a Educação e a avaliação e silencia todo seu potencial transformador na frieza dos cálculos e dos números.

CAPÍTULO II

CONCEPÇÕES DE ESTADO NA PRODUÇÃO DOS PESQUISADORES

SOBRE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL

Neste capítulo fiz a imersão nas teorias de Estado circunscritas nas teses em exame, objetivando identificar as concepções de Estado que os pesquisadores veicularam nas suas produções e relacionando-as às concepções de avaliação sustentadas nos textos. Sua organização foi configurada a partir da seguinte problemática de pesquisa: quais teorias de Estado circulam nas produções sobre avaliação institucional da Educação superior e como são elas articuladas aos processos avaliativos?

Para fundamentar as discussões recorri aos autores que discutem as teorias e o papel do Estado, tais como: Norberto Bobbio (2007), Max Webber (1999), Almerindo Janela Afonso (2000, 2001, 2012,2013), Guy Neave (2012) e outros que subsidiaram o referido tema em análise. Os textos das teses foram eleitas como fontes primárias desta discussão.

O entrelaçamento dos dados acadêmicos com a literatura especializada revelou que a política avaliativa dos dias atuais é captaneada pela perspectiva do Estado Regulador que tem a predominância da eficiência, eficácia dos resultados, parametrização, comparação entre performances e coerência entre metas e resultados, natureza seletiva e competitiva. Assim definiu-se qualidade como medida através dos conceitos dos cursos, dos exames estandardizados, das produções quantificadas dos professores, expressas nos rankings educacionais nacionais ou internacionais20.

Esta perspectiva alimenta um novo ethos para a Educação superior visto como emblemático e problemático para as instituições educacionais e por nós tributários de uma avaliação para além dos dados numéricos e dos simples resultados apartados de qualquer análise de contexto. Nesse cenário, segundo Afonso (2000, p. 34), o processo educativo tem sua complexidade “tendencialmente reduzida a alguns produtos visíveis que acabam assim por induzir a utilização de testes estandartizados e estes, por sua vez, passam a ter um papel central ao fornecer resultados que são úteis indicadores de mercado”.

20 Há vários índices que fazem o ranking das instituições. Estes medem, divulgam a performance das instituições

educacionais. Débora Alfaia Cunha (2010, p. 133) cita a publicação britânica de 2004 Times Higher Education Supplement (THES) que indica as 200 melhores Universidades do mundo a partir do conjunto de indicadores: opiniões de pesquisadores renomados e indicadores quantitativos (nº de citações, média alunos por docentes, percentual de alunos e professores internacionais). Ainda destaca o Shanghai Jiao Tong University (SJTU), criado em 2003 para comparar as universidades chinesas com as de padrão mundial. Enfatiza principalmente a produção científica, a quantidade de citações e prêmios Nobel recebidos.

Ao percorrer a literatura e as produções disponíveis no banco de teses, identifiquei que a crítica ao Estado gestor, neoliberal e avaliador assumiram condições sinônimas em várias investigações, sendo predominante a visão da nova conformação do papel do Estado, conformação esta delimitadora e cerceadora da liberdade e a autonomia das instituições educacionais, ficando em um primeiro momento a sensação destas como marionetes, fantoches, nas mãos de um Estado malévolo e ao mesmo tempo condescendente. No entanto, também apreendi que nesses tempo sombrios, as instituições têm resistido de formas diversas, como afirma Sousa Santos (2010), estas tem assumido posições diversas como resistência, dispersão e adesão frente a esses processos.

Tais críticas se fundamentaram a partir da perspectiva emancipatória e democrática de avaliação, emergindo a necessidade de um resgate do que na avaliação pode ser olhado como complementar, uno e múltiplo, parte de um mesmo todo, pois sabemos que a avaliação deve abrigar o técnico, o ético e o político, o regulatório e o emancipatório, mas o pêndulo para um dos polos – o técnico por meio de instrumentos apenas quantificáveis, tem marginalizado os demais e levado a avaliação a um aprisionamento que nega o complexus moriniano, fazendo- me pensar a dificuldade existente para compreender e exercitar a complexidade da avaliação.

Essa tendência de análise tem me inquietado e feito refletir a seguinte problemática: como a partir de uma dada concepção teórica de Estado se desenha uma prática de avaliação nos dias atuais? Como esta tem sido operadora de uma lógica instrumental, controladora, produtivista e utilitatrista, deixando os sujeitos que compõem o universo das instituições reféns da mesma?, Questiono-me ainda: até que ponto a lógica da avaliação se dá apenas pelo viés da objetividade e utilitarismo da lógica mercadológica? As IES não são capazes de forjar espaços de escapamentos, resistências, equilíbrios em relação ao viés de controle? Nós também, que defendemos o discurso emancipatório, não operamos com instrumentos de controle? Quais sentidos e significados são atribuídos pelos sujeitos aos processos e aos resultados avaliativos?

Com a metamorfose do Estado Liberal, a Educação passou a fazer parte das políticas sociais no seio do Estado de Bem Estar Social, ou Welfare State. Então, se a mesma passou a ser um bem captaneado pelo Estado, por que este não pode supervisioná-la? E até que ponto esta só dá respostas às prerrogativas do sistema? Portanto, o Estado gestor como inconteste, no qual a avaliação está sob o manto de um poder estadocêntrico, é capaz de negar espaços de reconfigurações, de resistências dos sujeitos implicados, ao mesmo tempo que os desafia a novas subjetivações coletivas e individuais nos espaços institucionais.

O Estado por sua própria natureza exerce o poder, “o domínio mediante o máximo de rendimento em virtude da precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade”

(WEBBER, 1994). O pensamento de Webber ajuda a entender por onde passam as formalizações do Estado e como este é exposto dentro de uma teoria. Este mesmo autor afirma: o Estado exerce uma forma de dominação e esta “é um caso especial de poder”, pois o Estado com uma formação social representa e vive tal atributo chamado por ele de complexos de dominação. Assim diz que “particularmente nas formações sociais economicamente mais relevantes do passado e do presente – o regime feudal, por um lado, e a grande empresa capitalista, por outro, a existência de dominação é decisiva” (op.cit, p. 187).

O Estado moderno como direcionador e organizador da vida em sociedade tem efetivado seu poder de dominação por meio de diferentes aparatos tecnológicos, dentre os quais se destacam as ferramentas normativas (decretos, leis, portarias) e simbólicas (Educação) que garantem a consensualidade, muitas vezes através da coercitividade, da dominação simbólica, da organização militar e patrimonial, garantindo, mediante uso da lei e da normatização social, as condutas, as políticas e os anseios dos cidadãos. Assim, o Estado moderno é uma construção histórica entendido como

organização política que, a partir de um determinado momento histórico, conquista, afirma e mantém a soberania sobre um determinado território, aí exercendo, entre outras, as funções de regulação, coerção e controlo social – funções essas também mutáveis e com configurações específicas, e tornando-se, já na transição da modernidade, gradualmente indispensáveis ao funcionamento, expansão e consolidação do sistema econômico capitalista (AFONSO, 2001, p. 17).

Ainda refletindo sobre a relação entre o Estado e o capitalismo, Bresser-Pereira21, assim se pronuncia revelando as contradições e ambiguidades por quais passa o Estado no percurso histórico.

O Estado Moderno surge juntamente com o Estado-nação, no quadro do momento final da revolução capitalista – o da revolução nacional e industrial. Na medida em que a sociedade se torna capitalista, o mercado se soma ao Estado como instituição coordenadora das sociedades enquanto que a religião perde força. E a apropriação do excedente deixa de derivar da força ou do controle direto do Estado, para se realizar no mercado, através do lucro (2013, p. 2).

Em pleno século XXI é imperioso pensar as políticas educacionais situadas em um contexto de reconfiguração do Estado de forma singular, diante das novas conformações do

21 Intelectual que esteve à frente da proposta de Reforma do Estado brasileiro no governo de Fernando Henrique

Cardoso, iniciado em 1995. A reforma pretendia a sua reestruturação, mediante o enxugamento do aparelho e das responsabilidades estatais, priorizando o processo de privatização das empresas antes comandadas pelos governos. Vale destacar que o Plano Diretor da Reforma do Estado previa que as universidades e instituições de pesquisa não fossem exclusivas do Estado e se tornassem competitivas. Como ele afirmava no documento A reforma do Estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle, “ a grande tarefa política dos anos 90, é a reforma ou a sua reconstrução”, pois um de seus problemas, era o seu tamanho do Estado, como alardeava este reformador.

desenvolvimento tecnológico, crises econômicas, do acirramento entre o que se diz diversidade e desigualdade.

Santos (2010, p. 115) evoca a reflexão afirmando, à “medida que nos aproximamos do fim do século XX, as nossas concepções sobre a natureza do capitalismo, do Estado, do poder e do direito, tornaram-se cada vez mais confusas e contraditórias”. Tal confusão e contradição é expressa no texto a seguir, uma vez que traz à baila as concepções de Estado operadas em muitas produções.

Enquanto muitos autores criticam a tendência crescente do Estado para penetrar ou mesmo absorver a sociedade civil e para o fazer de formas cada vez mais autoritárias - o que segundo as formas, ou segundo os autores, tem sido descrito como “autoritarismo regulador”, “democracia vigiada”, “neocorporativismo”, “facismo benévolo” – outros autores convergem na ideia aparentemente contraditória com a anterior, de que o Estado é crescentemente ineficaz, cada vez mais incapaz de desempenhar as funções de que se incumbe. De acordo com esta concepção, o Estado ou carece de recursos financeiros ou da capacidade institucional (o argumento da incapacidade da burocracia do Estado para se adaptar ao acelerado ritmo de transformação social e econômica), ou carece ainda de mecanismos que na sociedade civil orientam as acções e garantem a sua eficácia (o argumento da falta de sinais de mercado na atuação do Estado). Nestas análises, o Estado ora surge como um leviatã devorador, ora como empreendedor falhado (SANTOS, 2010, p. 115-116)

É nesse sentido que o Estado adentra o cenário epistemológico debatido, por meio de diversas teorias que acabam por dar um novo corolário aos processos e políticas sociais e educacionais e em especial suas implicações nas políticas de avaliação. Para um melhor entendimento, faço um retrospecto sobre as diversas teorias do Estado e como estas apareceram nas produções inspecionadas.

2.1. As produções acadêmicas e a percepção da Teoria do Estado Liberal revisitada

Esta teoria tem seu surgimento no século XVII e sua maior expressão no século XVIII e XIX. No século XX, após a segunda Grande Guerra, houve rearticulação do papel do Estado, estruturando-se, assim, o Estado Providência, ou o welfare estate.

No primeiro momento, o Estado Liberal assumiu a liberdade e propriedade como bens supremos e direcionadores da vida em sociedade. A liberdade de propriedade tomou espaços grandiosos na sua vertente econômica aparecendo como a característica exponencial do mesmo, o que levou a rotularem o Estado Liberal apenas pelo viés econômico.

Na origem do Estado Liberal, a Educação não aparecia como sua responsabilidade. Esta se traduzia nas palavras de Smith por meio da responsabilidade apenas parcial para prover os estudos em nível elementar. Com as crises do capitalismo, metamorfoseou-se tal