3 REFERENCIAIS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
3.1 A Teoria do Enfrentamento (Coping Theory)
Em nossa rotina diária, inevitavelmente, vivenciamos situações estressantes ou traumáticas, como o diagnóstico de uma doença, o falecimento de uma pessoa amada, o término de um relacionamento. A forma como reagimos a estas situações varia. Muitas pessoas em situações extremas tendem a reagir melhor do que o esperado por outros indivíduos para aquela situação, desenvolvendo não mais do que poucos sintomas psicopatológicos passageiros e apresentando total recuperação em um tempo relativamente curto. Outras pessoas, porém, possuem uma dificuldade maior para enfrentar situações estressoras.
A teoria de coping (enfrentamento) compreende os seres humanos como agentes ativos, que buscam a superação dos problemas vivenciados de forma motivada e autodirecionada. Dois conceitos importantes devem ser considerados nesse processo de enfrentamento: ameaça e controle.
A ameaça advém de um agente estressor pelo qual é confrontado. O evento estressor se apresenta ao indivíduo como forma de ameaça que, por sua vez, tenta enfrentá-lo. O segundo conceito é o de controle. Frente à ameaça do agente estressor, o indivíduo procura, através das estratégias de coping, obter controle da situação, de si mesmos e de seus sentimentos (LAZARUS e FOLKMAN, 1984).
O modelo de Lazarus e Folkman (1984) possui quatro conceitos chaves: (1) o enfrentamento é um processo ou interação que se dá entre o indivíduo e o ambiente; (2) sua função é administrar a situação estressora ao invés de controlá-la ou dominá-la; (3) os processos de enfrentamento inferem a idéia de avaliação, ou seja, como a situação é percebida, interpretada e cognitivamente representada na mente do indivíduo; (4) o processo de enfrentamento se constitui em uma mobilização de esforços cognitivos e comportamentais para administrar (reduzir, minimizar ou tolerar) as demandas internas e/ou externas que surgem na sua interação com o ambiente.
As estratégias de enfrentamento de problemas geralmente são reunidas em dois grupos, de acordo com as características ou maneiras típicas da pessoa confrontar ou lidar com as situações estressantes (Endler e Parker, 1999). Tais respostas podem ser focalizadas no problema ou na emoção.
O coping focalizado no problema se faz a partir de um esforço cognitivo e/ou comportamental para atuar na situação que originou o stress tentando mudá-lo e enfrentando- o. O indivíduo engaja-se no manejo do problema ou situação adversa visando controlar ou lidar com a ameaça. Tais estratégias envolvem também esforços cognitivos de reavaliação de problema, permitindo que o mesmo possa ser percebido de forma positiva.
O coping centrado na emoção visa gerar respostas emocionais induzidas pela situação. Incluem respostas emocionais negativas, expressas através de raiva, tensão ou culpabilização de si mesmo ou de outrem. Observa-se também a presença de pensamentos considerados fantasiosos e irreais sobre uma solução mágica do problema. Podem representar, ainda, atitudes de afastamento ou, simplesmente, atitudes paliativas em relação à fonte de estresse e que envolvem atitudes de negação ou esquiva. Em geral, quem utiliza esse tipo de estratégia acredita que tais situaçãoes não sejam passíveis de mudança, cabendo apenas à adaptação emocional a elas (SEIDL, et al, 2001).
Em relação à avaliação, segundo Lazarus e Folkman (1984), há dois componentes: o primário e o secundário.
Na avaliação primária, o indivíduo avalia se o acontecimento (por exemplo, ser mãe cega) é irrelevante, benéfico ou causador de estresse. Caso seja percebido como causador de estresse, é avaliado como causador de perda, ameaça ou desafio. A perda refere-se ao dano ocorrido, a ameaça à possibilidade de futura perda e o desafio à chance de adquirir crescimento, habilidades e competências.
A avaliação secundária corresponde à forma como o indivíduo irá lidar com a situação estressora. Neste momento devem ser analisados quais são os recursos disponíveis e as estratégias selecionadas para o enfrentamento da situação.
No quadro 1, apresentamos uma adaptação do esquema do Modelo Transacional do Estresse, de Lazarus, desenvolvida por Glanz, Rimer e Lewis (2002 apud GARRET et al., 2009), a fim de esclarecer as considerações anteriores.
Quadro 1 – Esquema do Modelo Transacional do Estresse
Conceito Definição
1ª avaliação Avaliação do significado do evento estressor e o grau de ansiedade que pode causar ao sujeito.
2ª avaliação Avaliação do grau de controle que o indivíduo possui perante o evento estressor e os recursos ao seu dispor para enfrentar a situação estressora.
Esforços de coping Estratégias utilizadas para medir a primeira e a segunda avaliação.
Regulação emocional Estratégias alcançadas para modificar a forma como o evento estressor é percebido e vivenciado pelo indivíduo.
Procura de informações Estilos de pessoas que são atentas e vigilantes em relação ao seu problema de modo a resolvê-lo versus estilos de pessoas que evitam o conhecimento e não manifestam qualquer tipo de interesse em resolver seu problema.
Estilos de coping à
disposição Formas gerais de comportamento que podem afetar negativa ou positivamente as respostas emocionais e funcionais do sujeito perante as situações. Apresenta estabilidade ao longo do tempo. Significado de base do
coping Processos que induzem o indivíduo a ter uma atitude positiva perante o problema no sentido de motivá-lo a desempenhar os mecanismos de coping.
Gestão do problema Estratégias usadas diretamente para enfrentar e modificar o curso do problema de acordo com os desejos do sujeito.
Otimismo Tendência para possuir expectativas positivas em relação aos resultados que se pretendem atingir.
Resultados Bem-estar emocional; comportamento saudável; objetivo funcional atingido.
Fonte: GARRETT, 2009.
O ponto central para a compreensão das estratégias de enfrentamento é o modo como a pessoa avalia a situação e o momento em que aciona suas estratégias de coping.
A partir desta abordagem realizamos a análise das estratégias de cuidados utilizadas pelas mães cegas e seus mecanismos de enfrentamento diante das adversidades diárias, podendo compreender melhor as suas percepções acerca da realidade vivida.