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Concepções da deficiência ao longo da história

2.1) CAPÍTULO 1: A DEFICIÊNCIA VISUAL

2.1.2. Concepções da deficiência ao longo da história

Considerando a discussão anterior, em que se demonstraram os conceitos de deficiência e como a ONU passou a cobrar mais respeito à pessoa com deficiência, o contexto histórico demonstra que nem sempre a realidade foi esta.

Em algumas sociedades as pessoas com deficiência eram marginalizadas, muitas vezes tendo sua liberdade privada. Entretanto, Sousa, Amorim e Coimbra (2010) citam ensinamento de Abadio Carmo:

Nas culturas primitivas que sobreviviam basicamente da caça e da pesca, os idosos, doentes e portadores de deficiência eram geralmente abandonados, por um considerável número de tribos, em ambientes agrestes e perigosos, e a morte se dava por inanição ou por ataque de animais ferozes. [...] Por toda Idade Média, os indivíduos que apresentavam qualquer ‘deformação física’ tinham poucas chances de sobrevivência, tendo em vista a concepção dominante de que essas pessoas possuíam poderes especiais, oriundos dos demônios, bruxas e/ou duendes malignos.

Observa-se que a forma de tratamento dos deficientes nas sociedades primitivas era fruto do desconhecimento da ciência médica, período em que predominava o senso comum, em que fatos inexplicáveis eram justificados numa perspectiva religiosa, não raro significando alguma forma de castigo ou punição.

Na história da cultura ocidental, incorporamos a idéia de que ser deficiente é ser incapaz de trabalhar e produzir, e principalmente de manter-se sem auxílio de outra pessoa. A partir desta realidade foi escrita a história da pessoa com deficiência nas sociedades.

Ao longo da antiguidade e entre os povos primitivos, o tratamento destinado às pessoas com deficiência assumiu dois aspectos básicos: alguns os exterminavam por considerá-los graves empecilhos à sobrevivência do grupo e, outros, os protegiam e sustentavam para buscar a simpatia dos deuses, ou como gratidão pelos esforços dos que se mutilaram na guerra. Exemplos dos povos avessos aos deficientes foram os Sírios e os Balis. Os primeiros não podiam transportar doentes e deficientes devido sua característica de povo

seminômade e os abandonavam a própria sorte. Os Balis eram impedidos de manter relações amorosas com pessoas muito diferentes dos ditos normais (FIGUEREDO, 2010).

Na Idade Média, sob os auspícios do cristianismo, foram criados hospitais e abrigos para deficientes pelos senhores feudais, com cooperação da Igreja Católica, fato que só foi modificado com o Renascimento que cedeu lugar definitivamente à postura profissionalizante e integrativa das pessoas com deficiência. A percepção científica daquela época derrubou o piegas estigma social que influenciava o tratamento para as pessoas com deficiência e a busca racional da sua integração se fez por várias leis que passaram a ser promulgadas.

Da mesma maneira, no período colonial no Brasil, Lana Júnior (2010) destaca que usavam-se práticas isoladas de exclusão – apesar de o país não possuir grandes instituições de internação para pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência eram confinadas pela família e, em caso de desordem pública, recolhidas às Santas Casas ou às prisões. As pessoas com hanseníase eram isoladas em espaços de reclusão, como o Hospital dos Lázaros, fundado em 1741.

A pessoa atingida por hanseníase era denominada “leprosa”, “insuportável” ou “morfética”. A doença provocava horror pela aparência física do doente não tratado – eles possuíam lesões ulcerantes na pele e deformidades nas extremidades do corpo –, e era lançado no isolamento dos leprosários e na exclusão do convívio social. A chegada da Corte portuguesa ao Brasil e o início do período Imperial mudaram essa realidade.

A prática tradicional da eliminação das pessoas com deficiência, mais tarde, deu lugar ao paradigma da caridade, quando esses indivíduos passaram a ser vistos como inúteis, incapazes, dignos de pena. Não raramente são considerados um peso para a sociedade e suas famílias os escondem por vergonha. Esse modelo teve como marco principal a época do Renascimento, com a difusão dos ideais humanistas e a criação da Lei dos Pobres no ano de 1601, pelo Rei Henrique VIII na Inglaterra.

No entanto, em muitos casos, observa-se que a deficiência não era congênita, mas sim adquirida. Os africanos trazidos para o Brasil à época da colônia experimentaram essa prática por muitos anos e os resultados foram muitos negros com deficiência física, provocadas pelas torturas punitivas impostas por seus senhores. “Eram castigos corporais comuns, permitidos por lei e com a permissão da Igreja. Documentos que legitimavam o açoite, a mutilação e até a execução dos negros” (FIGUEIRA, 2008).

Com a Revolução Industrial, no século XIX, tornou-se necessária a elaboração de leis que amparassem os direitos das pessoas com deficiência, visto que as próprias máquinas muitas vezes mutilavam os trabalhadores, tornando-os inválidos. Naquele período houveram muitas oportunidades para as pessoas com deficiência devido a implantação da indústria automobilística e surgimento de outros empregos.

No Brasil, a partir da segunda metade do século XIX surgiram as primeiras organizações de amparo às pessoas com deficiência, com a implantação do Instituto dos Meninos Cegos, Instituto dos Surdos-mudos e o Asilo dos Inválidos da Pátria. Figueiredo (2010, p.23) destaca:

Em 1854, grande passo foi dado para mudar a situação das pessoas com as deficiências físicas, pelo então Imperador D. Pedro II, que ordenou a construção de algumas entidades importantes, dentre elas o Asilo dos Inválidos. Este centro acolhedor de deficientes foi criado para abrigar os combatentes da guerra do Paraguai que foram mutilados e foi considerado um grande marco do nascimento das relações de trabalho para as pessoas com deficiência.

Sousa, Amorim e Coimbra (2010) afirmam que no início do século XX surgiu o sistema de cotas empregatícias na Europa, que tinha por finalidade acomodar os ex- combatentes mutilados na Primeira Guerra Mundial, sobrecarregando a previdência social dos países nela envolvidos. Com isso, leis foram aprovadas em todo o mundo, atribuindo aos governos e aos empregadores a obrigatoriedade de apoiar, encaminhar e colocar as pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Após a II Guerra Mundial, a sentença de eternos doentes, dependentes de cuidados médicos, manteve o estigma excludente das pessoas com deficiência, sendo tratadas como seres que necessitavam de tutela e da atenção alheia.

O fim da guerra, em 1945, é que balizou a transformação desse entendimento, pois resultou em muitas pessoas com deficiência física, ex-combatentes, que exigiram tratamento para reabilitação. E assim surgiu o paradigma médico e biológico no trato à questão da deficiência.

Na modernidade, a visão da sociedade em relação às pessoas com deficiência começa a ser modificada gradativamente, visto que há tratamento mais específico e

diferenciado das atitudes sociais, e até mesmo no plano jurídico com relação às atividades laborais dessas pessoas. Vários inventos se forjaram com intuito de propiciar meios de trabalho e locomoção aos indivíduos com deficiência, tais como a cadeira de rodas, bengalas, bastões, muletas, coletes, prótese, macas, veículos adaptados, camas móveis, etc.

No Brasil, a partir do governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945), as pessoas com deficiência passaram a participar da sociedade no âmbito da educação, reabilitação e integração. Sendo a era Vargas marcada pelo populismo, e foi implantada uma série de mudanças significativas no país, cujos traços foram seu caráter assistencialista e nacionalista.

No entanto, ainda hoje, a pessoa com deficiência física é vista como merecedora de pena, como “incapaz” para tudo, inclusive, para tomar suas próprias decisões, submisso, totalmente dependente, apesar de a Constituição garantir seus direitos, como o de habilitação e reabilitação (CF. Art. 203), como destaca Araújo e Araújo (2011, p.710):

As pessoas com deficiência tem o direito de se habilitarem e de se reabilitarem na sociedade. A habilitação consiste no preparo, no direito ao convívio, no direito ao relacionamento social, no direito ao trabalho, à escola, sendo uma escola tolerante e comprometida com a inclusão, enfim, fica assegurado à pessoa com deficiência o direito de se incluir socialmente, sem preconceitos da parte da sociedade, reconhecendo as suas potencialidades, recebendo respeito do grupo com que vive.

Nota-se que tanto o direito de habilitação como o de reabilitação estão inscritas no processo que consagra a dignidade da pessoa humana e o direito de colher do Estado o direito ao bem estar. O cumprimento deste direito é fundamental, uma vez que no Brasil, possui um número bastante elevado da população com algum tipo de deficiência.