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Estratégias de enfrentamento utilizadas para administração de medicamentos e cuidados prestados às doenças prevalentes da infância

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

5.4.1 Estratégias de enfrentamento utilizadas para administração de medicamentos e cuidados prestados às doenças prevalentes da infância

No conjunto dos depoimentos evidenciamos que todas as mães procuravam o sistema de saúde para realizar assistência aos seus filhos. Mantinham o cartão de vacinas atualizado, conseguiam identificar problemáticas de saúde de seus filhos por meios perceptivos, utilizando o tato, a audição e o olfato.

Percebemos que as crianças tiveram doenças prevalentes da infância, como infecção intestinal, alergias respiratórias, febre e gripe, sem significar qualquer descuido aparente por parte dos pais.

Esse achado denota a importância de seguir as recomendações do Ministério da Saúde para que se evite a ocorrência das doenças imunopreveníveis. Sendo, portanto, essencial que as crianças sejam imunizadas, segundo o calendário de vacinação preconizado pelo Ministério da Saúde. Nos processos febris, observamos que para cada grau de temperatura acima de 38ºC, estima-se um aumento de 20% nas necessidades calóricas e protéicas da criança, além de causar perda acentuada de apetite. Dessa forma, as infecções repetidas podem levar ao retardo do crescimento e à desnutrição que, por sua vez, é responsável pela maior vulnerabilidade das crianças aos episódios infecciosos mais graves e de maior duração, caracterizando assim, uma ação sinérgica (BRASIL, 2002).

Quanto à reação das mães, ao saberem que seus filhos estavam doentes ou machucados, elas expressaram que há uma agitação e vontade de resolver o problema.

Notamos que as doenças como febre, problemas intestinais e viroses apresentadas nas crianças têm pouca ou nenhuma relação com o fato de terem pais cegos.

A busca pelo conhecimento de profissionais de saúde para obter orientações sobre os cuidados com os filhos nos mostra a influência da teoria do Interacionismo Simbólico, pois a interpretação do processo formativo e a não aplicação sistemática de significado já estabelecido, nos mostra que as mães precisam compreender as orientações e serem criativas para aplicá-la à realidade cotidiana.

As mães constatavam as alterações na saúde dos filhos mediante a percepção tátil, auditiva e com ajuda dos próprios filhos. Para identificar alteração como dor na garganta e febre, as mães revelaram:

“O apetite muda, ficam meio fastiosos e eles já sabem dizer.Quando ela adoece eu me preocupo logo em ir ao médico” (Tulipa)

Conheciam a ocorrência de cólicas quando:

“Ele se espreme e encolhe as pernas.” (Rosa)

“Ela se esticava toda e a gente vai adquirindo aqueles donzinhos de mãe.” (Violeta) Quando a dor aumentava de intensidade, reconheciam pelos sinais:

“Parava a respiração quando estava com dor, ficava uns instantes sem respirar.” (Orquídea)

“Percebia quando ela estava com enxaqueca porque ficava molinha.” (Rosa)

“Ela fica chorando inquieta eu tento de tudo e ela não para de chorar, aí sei que ela está sentindo dor. Não fico com ela em casa doente, vou logo atrás de uma consulta”. (Violeta)

“Às vezes ele ficava colocando a mão no ouvido e a gente já percebe; pelo choro que é diferente de quando é manha e quando é de dor mesmo.” (Tulipa)

O interesse em procurar ajuda dos profissionais de saúde mostra a interpretação do processo formativo e a aplicação dele pelas mães, permitindo que estas desenvolvam estratégias de enfrentamento próprias de acordo com o contexto social e cultural. Nesse caso,

a Estratégia Saúde da Família deveria atuar como agente provedor para que as mães pudessem ser beneficiadas quanto à prevenção de riscos e promoção da saúde.

Diante desse achado, notou-se que a interpretação das mães cegas frente a problemas de saúde dos filhos deu-se por meio da linguagem, o que nos faz dialogar com a percepção interacionista da linguagem caracterizada pelo sistema simbólico primordial e constitui o mecanismo mais importante no desenvolvimento da mente e do eu (HALL, 1986).

Estas falas demonstraram atenção na relação de cuidado e apresentaram um sentimento de superação frente às doenças vivenciadas pelos filhos, que por serem crianças na não sabem ao certo o que estão fazendo, sentindo ou não entendem a situação, quando a mãe afirma que:

“Eu ficava doidinha, meu negócio era agir, era cuidar, era fazer com que ele melhorasse.” (Violeta)

Os relatos mostraram também que as participantes se utilizavam de estratégias para fazer o controle do estado de saúde dos seus filhos, como por exemplo o uso de um termômetro adaptado que lê a temperatura em voz alta:

“Eu colocava ele pra dormir comigo e ia pegando pra saber se estava quente.” (Tulipa)

“Colocava o termômetro adaptado.” (Rosa)

Para as medicações em gotas, as mães cegas desenvolveram uma técnica por meio da qual elas sentem nos dedos as gotas caírem, facilitando a contagem. É importante que sejam orientadas quanto à administração correta do medicamento, ressaltando a dose e o horário. Pudemos perceber a utilização da técnica através desses relatos:

“Para dar remédio em gotas colocava naqueles copinhos de plástico para ouvir as gotas pingando.” (Rosa)

“O mais difícil é colocar as gotas do remédio, tenho que colocar o dedo para saber quantas estão pingando para não dar remédio demais.” (Orquídea)

As nossas observações também nos permitiram constatar que para administrar medicamentos líquidos, os pais adotavam um copo com dosagem única, o que permitia-os perceber quando estava cheio por meio do toque.

Frente a esse fato, elucida-se a publicação do decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que prevê a identificação dos medicamentos em Braille, o que ainda não foi plenamente adotado (BRASIL, 2004). Contudo, para poder usufruir o seu direito à informação em veículo acessível, a pessoa cega deve estar informada sobre esse direito.

Já o uso de receitas médicas transcritas para o Braille é uma expectativa para longo prazo, pois não há domínio desta linguagem pelos profissionais da saúde nem trasncritores da escrita em tinta para o Braille nas unidades de saúde.

Embora o cego não possa ver com os olhos, ele desenvolve a percepção tátil como forma compensatória pela ausência da percepção visual. A percepção tátil obedece a uma ordem crescente de informações sensórias tendo início com o ponto, que é uma diminuta marca no espaço e transmite a sensação de estática; uma sucessão de pontos forma a linha e transmite a idéia de movimento; o plano é o espaço da criação ou apresentação da idéia em forma concreta; a textura deriva do plano e remete com maior força para o sentido do tato. A junção destes elementos em representações figurativas que se aproximem do tamanho real do objeto então representado e em tamanho que permita ser abarcado pela exploração das duas mãos traz para o cego à percepção tátil do mundo concreto (PAGLIUCA, 1996).

De acordo com o observado, os serviços de saúde não estão capacitados para oferecer atendimento a pessoas com deficiência e os profissionais de saúde admitem não dominar habilidades para assistir esta clientela.

Segundo reconhecem, têm preconceito e tratam de forma diferenciada a pessoa com deficiência. Ao mesmo tempo, dizem não saberem se comunicar com pessoas cegas e surdas e sugerem que os cursos de graduação incluam o assunto no currículo como disciplina obrigatória (MACEDO; PAGLIUCA, 2005).

5.4.2 Estratégias de enfrentamento utilizadas em relação ao preparo e oferta de