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CAPÍTULO III A RENÚNCIA FISCAL, O ANTIVALOR E AS TRANSFORMAÇÕES

3.1 A teoria marxista do valor: compreendendo o antivalor em Valença

Antes de abordar a discussão acerca do antivalor, que será apresentada posteriormente, é importante identificar alguns pontos que constituem a teoria do valor, uma vez que ambas irão favorecer uma melhor compreensão da ação e do papel do Estado no Médio Vale do Paraíba Fluminense, especialmente no município de Valença.

A discussão a respeito de valor inclui diferentes interpretações. O primeiro aspecto a destacar nesse sentido é que o valor não corresponde simplesmente ao preço, conforme era entendido por economistas clássicos, como Adam Smith e David Ricardo. Numa época em que a atividade agrícola ocupava posto chave na economia, sobressaia a ideia de que o preço dos produtos agrícolas era determinado pela diferença de fertilidade dos vários tipos de solos. De acordo com Belluzzo (2010, p. 8):

De fato, toda a indagação clássica persegue o valor como uma "essência do fenômeno contingente da troca. A “ordem natural" dos fisiocratas reaparece na análise de Smith e Ricardo metamorfoseada em "valor", enquanto essência da naturalidade da sociedade.

apresentado, as montadoras de automóveis que se instalaram em algumas cidades do Médio Vale e que influenciam na instalação de indústrias fornecedoras de auto-peças.

Para Carcanholo (2011, p. 7-8), o valor é definido em muitos textos como a quantidade de trabalho socialmente necessário para a produção de uma mercadoria. Para o autor, não é correto definir-se valor como sendo trabalho:

A quantidade de trabalho socialmente necessário determina a magnitude do valor, refere-se à sua dimensão quantitativa, à sua grandeza, mas não à sua natureza. O valor não é trabalho, embora encontre nele o seu fundamento. O valor é uma propriedade social das mercadorias, que consiste em um certo poder de compra, de magnitude só aproximadamente determinada...

Por sua vez, Marx (sem data, livro I, p. 45) argumenta que :

Se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho gasto durante sua produção, poderia parecer que quanto mais preguiçoso ou inábil um ser humano, tanto maior o valor de sua mercadoria, pois ele precisa de mais tempo para acabá-la. Todavia, o trabalho que constitui a substância dos valores é o trabalho humano homogêneo, dispêndio de idêntica força de trabalho.

A teoria marxista do valor está relacionada à mercadoria, na qual conforme aponta Marx (sem data, livro I, p. 41): “... é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia".

A mercadoria já existia enquanto tal muito antes do modo de produção capitalista. No entanto, com o advento do mesmo, essa passa a adquirir novas formas e funções, ou seja, no sistema capitalista, a mercadoria guarda em si relações sociais que definirão seu valor a partir do trabalho, e que irá contribuir de forma decisiva para o funcionamento desse sistema. Ainda de acordo com Marx (idem, p. 81):

A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos

individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre produtos do seu próprio trabalho.

Do ponto de vista da economia capitalista, será o valor de troca, que irá se expressar através da incorporação da mais-valia, ou seja, o valor está relacionado à mercadoria, aos fetiches, ocultando as relações sociais de trabalho assalariado, que correspondem ao valor de troca e à mais-valia. De acordo com Belluzzo (2010, p. 10):

As proporções em que as mercadorias são trocadas umas pelas outras não estão predeterminadas pela quantidade de trabalho gasta por um produtor ou setor produtivo isoladamente, mas ao revés, a quantidade de trabalho que cada produtor dispende se manifesta como uma fração de trabalho total consumido pela sociedade.

É importante deixar claro que valor, valor de uso e valor de troca são termos diferentes que possuem significados distintos em diferentes períodos. No entanto, destacaremos esses conceitos sob o ponto de vista da economia capitalista, conforme a concepção marxista.

O termo valor, conforme visto anteriormente pode apresentar diferentes definições, visto que o valor é abstrato e em cada época histórica ele possui uma determinação. Entretanto, embora não haja uma definição específica, podemos observar que no modo de produção capitalista, o valor está relacionado à mercadoria.

O termo valor de uso é abordado por Marx (ibidem, p. 42), da seguinte forma:

O valor de uso só se realiza com a utilização ou consumo. Os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dela. Na forma de sociedade que vamos estudar, os valores de uso são, ao mesmo tempo, os veículos, materiais do valor de troca.

Quanto ao valor de troca, este se sobressai no modo de produção capitalista por se expressar através da incorporação da mais-valia.

A mais-valia diz respeito a uma quantidade de trabalho não pago, ou seja, no modo de produção capitalista, o trabalhador cumpre uma jornada de trabalho que não equivale ao que ele recebe enquanto salário, sendo este muito inferior à referida jornada. A produção da mais- valia pode ser absoluta, ou seja, realizada com o prolongamento da jornada de trabalho, ou

relativa, relacionada aos processos técnicos do trabalho. Quanto à produção da mais-valia, conforme Marx (ibidem, p. 585):

A produção da mais valia absoluta se realiza com o prolongamento da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador produz apenas um equivalente ao valor de sua força de trabalho e com a apropriação pelo capital desse trabalho excedente. Ela constitui o fundamento do sistema capitalista e o ponto de partida da produção da mais valia relativa.

A respeito da mais-valia relativa, Marx (ibidem, p. 585) escreve:

A produção da mais-valia relativa pressupõe, portanto, um modo de produção especificamente capitalista, que, com seus métodos, meios e condições, surge e se desenvolve, de início, na base da subordinação formal do trabalho ao capital. No curso desse desenvolvimento, essa subordinação formal é substituída pela sujeição real do trabalho ao capital.

Marx afirma (ibidem, p. 584): “O trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isso, não é suficiente que ele apenas produza. Ele tem que produzir a mais-valia”.

Sendo o antivalor o conceito que não nega o conceito de valor, mas, antes, complementa-o, cabe apresentar uma explanação daquele no sentido de apontar contradições em relação ao próprio modo de produção capitalista. Nesse sentido, a análise de Francisco Oliveira é de suma importância para a compreensão do antivalor.

De início, cabe apontar que Oliveira entende o Welfare State, que originalmente foi associado às políticas anticíclicas de teorização keynesiana, vigente nas últimas cinco décadas, como sendo o padrão de financiamento público da economia capitalista. Ainda segundo o autor, foram criadas regras universais e pactadas que transformaram o fundo público, em suas diferentes formas, enquanto o pressuposto do financiamento da acumulação de capital, além do financiamento da reprodução da força de trabalho. A medicina socializada, a educação gratuita e obrigatória, a previdência social, o subsídio para o transporte e, no extremo, os subsídios para o lazer que abrangem desde a classe média até o operário mais pobre são, para o autor, alguns importantes exemplos dessa manifestação.

A título de ilustração, Oliveira (2013, p. 38-39) expõe a legislação trabalhista sob a ótica do financiamento da reprodução da força de trabalho:

O decisivo é que as leis trabalhistas fazem parte de um conjunto de medidas destinadas a instaurar um novo modo de acumulação. Para tanto, a população em geral, e especificamente a população que afluía às cidades, necessitava ser transformada em ‘exército de reserva’. Essa conversão era pertinente e necessária do ponto de vista do modo de acumulação Por um lado, propiciava o horizonte médio para o cálculo econômico empresarial, liberto do pesadelo de um mercado de concorrência perfeita. De outro lado, a legislação trabalhista igualava reduzindo - antes que incrementando - o preço da força de trabalho… Em outras palavras, se o salário fosse determinado por qualquer espécie de ‘mercado livre’ é provável que ele subisse para algumas categorias...

Relacionado à questão salarial e as políticas públicas a ela vinculadas, Oliveira questiona se, no Brasil, haveria condições de ocorrer o mesmo percurso de desenvolvimento verificado nos países desenvolvidos. Citando Kuznets, Oliveira assinala que os estudos daquele apontaram para um incremento da desigualdade nos países centrais, nos primeiros estágios de industrialização e urbanização. Os estudos de Kuznets mostraram uma diminuição da desigualdade a medida que avança o desenvolvimento nos países centrais. Embora não se apresente de maneira elaborada, a constatação é que a renda per capita dos estratos mais baixos passa a crescer mais velozmente que a dos demais estratos. Num primeiro momento, esse quadro poderia revelar um obstáculo à acumulação. Oliveira , no entanto, apontando ausência de uma razão teórica forte por parte de Kuznets registra que a tendência à diminuição da desigualdade não causaria danos à acumulação e, além disso, daria dinamicidade ao sistema como um todo (2013, p. 108)

A explicação do sistema capitalista para tal, via os economistas clássicos em geral, e ainda segundo Oliveira, seria a capitalização, com a redução do custo relativo da reprodução da força de trabalho associada à elevação da mais valia relativa e manutenção da proporcionalidade entre essas variáveis (idem, p. 109). Oliveira questiona então se o capitalismo no Brasil estaria no mesmo estágio estudado por Kuznets abordando as economias centrais.

A resposta é negativa, pois, para Oliveira, primeiro, a economia rural brasileira não seria menos desigualitária em relação àquelas verificadas nas economias centrais, principalmente em função de sua formação histórico-econômica, onde predominam as plantations. Em segundo lugar, registrou-se um crescimento da desigualdade no país, no período entre 1960 e 1970. Pode-se complementar que, mesmo nos dias atuais, essa tendência apresentou uma pequena reversão para, novamente, aumentar a concentração de renda e, consequentemente, a desigualdade social. Em matéria publicada pelo Jornal do Brasil17, citando pesquisa da Oxfam, publicada no dia 19/01/2015, aponta que a desigualdade está em pleno crescimento no mundo. De acordo com o estudo, os 37 milhões de habitantes mais ricos do planeta que compõem 1% da população mundial, poderão controlar, a partir de 2016, mais dinheiro do que os restantes 99% juntos. Ainda segundo a reportagem, no Brasil, a lista dos bilionários presentes na Revista Forbes somava 65 privilegiados, sendo que dois anos antes eram 46 e, em 2012, eram 37.

A hipótese para a reversão da tendência acima exposta, aliás inerente ao sistema capitalista, seria a da escassez de trabalho. No entanto, para Oliveira, e pensando o caso brasileiro, “a reserva da força de trabalho é de tal porte que o sistema se dá ao luxo de crescer horizontalmente, com baixíssimos coeficientes de capitalização. A oferta de força de trabalho se ampliou com a industrialização…” (2013, p. 112)

Qual a relação desse quadro com o antivalor? Nesse quesito em específico, o fundo público se concretizaria a partir do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço, associado à perda do poder de barganha da classe trabalhadora:

Privados de qualquer poder de barganha como representantes da oferta de trabalho, os sindicatos têm que se submeter ao padrão de salários e de reajustes que o governo impõe, de acordo com os

17

www.jb.com.br/economia/noticias/2015/01/22/a-concentracao-de-renda-no-brasil-as-herancas-e-as- empreiteiras, acesso em 20/02/2015.

ditames de sua política econômica; a legislação do trabalho, da qual a substituição da instituição de estabilidade no trabalho pelo Fundo de Garantia de Tempo de Serviço é o protótipo, somente tem beneficiado a acumulação, acelerando o turn-over dos empregados, acelerando a expulsão da força de trabalho dos maiores de 40 anos, contribuindo para o aumento da taxa de exploração (ibidem, p. 113).

Ainda segundo Oliveira, a expansão dos setores chamados “tradicionais” está vinculada às demandas das classes trabalhadoras ou dos estratos de rendas baixas. Há dificuldades para sua realização e, portanto, “... não é por mero acaso que sobre eles tem-se centrado a atenção do Governo, subsidiando a exportação de calçados, tecidos, vestuário, conseguindo aumento de cotas de exportação para o mercado americano, etc.” (ibidem, p. 114).

Podemos dizer assim que, do ponto de vista da lógica da acumulação capitalista, o antivalor não se apresenta como negação do valor, mas, sim, como sendo a sua complementaridade, embora tal processo se realize baseado em contradições. Nesse sentido, a atuação do Estado através da aplicação de fundos públicos, é entendida por Oliveira como sendo o pressuposto, é um ex-ante das condições de reprodução de cada capital particular.

Na sequência será mostrada, de maneira mais específica, como a discussão sobre a participação do fundo público na reprodução do capital atua na região do Médio Vale do Paraíba Fluminense.