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Capítulo 3: O ataque de Popper

1. O problema da probabilidade

1.2. A teoria de von Mises e seus problemas

A teoria de von Mises é escolhida por Popper por ser a que melhor defende uma interpretação objetiva da probabilidade. Claramente é aquela que Popper pretende empregar na análise da teoria quântica. Popper lista três interpretações e as divide em dois grupos: o grupo das interpretações subjetivistas, no qual se enquadram a teoria psicologista, que trata a probabilidade em termos de sentimentos de certeza ou incerteza, de crenças ou dúvidas; interpretação lógica que encara a probabilidade como elemento lógico entre a dedutibilidade e a contradição e; a interpretação frequencial. A interpretação psicológica está implícita no argumento do demônio de Laplace, pois o demônio que prevê a sinfonia de Beethoven na criação do universo tem o conhecimento determinado de todos os eventos, não havendo margem para sequências casualoides, tem tão somente o conhecimento como elemento distinto de qualquer homem. Assim, a aplicação de cálculos a frequenciais casualóides é referente à falta de conhecimento. A interpretação lógica, citada como uma interpretação subjetivista é influenciada por Wittgenstein33, que interpreta a probabilidade como a “proximidade lógica, a conexão entre dois enunciados” (POPPER, 2010a, p. 163), assumindo a dedutibilidade e a contradição como probabilidades 1 e 0, respectivamente, isto é, casos limites das relações de probabilidade. Sendo a probabilidade uma relação lógica intermediária entre duas proposições, Keynes interpreta a probabilidade como “grau de crença racional”, isto é, à luz da proposição já aceita, quanto devemos creditar certeza à proposição em questão.

Do lado das interpretações objetivas, Popper cita a teoria frequencial que interpreta, por exemplo, o enunciado, “a probabilidade de obter cinco no próximo lançamento de dados é igual a 1/6” como sendo um enunciado acerca de toda classe de lançamentos, da qual o próximo é apenas um elemento (POPPER, 2010a, p. 164). Dessa forma, os enunciados de probabilidade somente podem ser postos acerca de eventos que disponham de elementos que

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Proposição 5.152 “Duas proposições elementares conferem uma à outra a probabilidade ½. Se p se segue de q, a proposição „q‟ confere à proposição „p‟ a probabilidade 1. A certeza da inferência lógica é um caso-limite da probabilidade. (Aplicação à tautologia e à contradição)” (WITTGENSTEIN, 1993, p. 211).

90 possam ser tratados como frequência. Aqueles que não podem, não são abarcados por essa interpretação, segundo os seus termos, não oferecem enunciados de probabilidade objetivos.

As interpretações subjetivas oferecem melhor resposta ao problema do acaso à primeira vista, afinal, pode considerar tal paradoxo, extrair regularidade da irregularidade, ou ordem do acaso, como o fato de que o cálculo de probabilidade não oferece predições como os outros métodos da ciência empírica. Este problema é resolvido pelas interpretações subjetivistas ao considerarem os enunciados de probabilidade como transformações lógicas sobre nossa ignorância. Segundo Popper, essa concepção desloca o problema, pois, ao resolver o paradoxo do acaso, não oferece explicações acerca de como um enunciado de ignorância pode ser submetido a teste e corroborado. A questão volta a ser a comentada posteriormente, o próprio fato de que os cientistas formulam e refutam enunciados de probabilidade, isto é, o fato de que esses enunciados povoam as teorias científicas, em especial a teoria quântica, é um argumento suficiente para desconsiderar as interpretações subjetivistas da probabilidade.

Temos, então, o seguinte quadro incômodo: de um lado, a teoria frequencial de von Mises, cuja objetividade se alinha às demandas de Popper para que o desenvolvimento científico ocorra, isto é, preenchendo o requisito da objetividade, pode estar alinhada às soluções que Popper oferece para os demais problemas epistemológicos, como o problema da demarcação e do indutivismo. Mas essa interpretação não pode responder ao problema fundamental do acaso. De outro lado, as teorias subjetivistas, que evitam o problema fundamental do acaso, ao atribuir probabilidade à lacuna de conhecimento, mas que não podem responder à questão de como são possíveis testes de enunciados de probabilidade. Aceitar as interpretações subjetivistas acarreta abrir mão de todas as soluções de Popper para os problemas epistemológicos nas áreas em que os enunciados de probabilidade estão presentes.

A teoria de von Mises, que Popper pretende modificar para apresentar a sua solução do problema fundamental do acaso tem os seguintes elementos:

91 Frequência relativa: número total de ocorrências de uma propriedade dividido pelo número total na sequência-evento.

Sequência-frequência: sequência relativa de frequências.

Axioma da Convergência: à medida que a sequência-evento se prolonga a sequência- frequência se aproxima de um limite definido.

Axioma da Aleatoriedade: “Princípio da exclusão do sistema de jogo” Seja qual for o sistema de jogo a que possamos recorrer, se o jogo se prolonga suficientemente, as frequências relativas de lançamentos favoráveis tenderão ao mesmo limite para o qual tende a sequência de todos os lançamentos, anulando o sistema de jogo.

Coletivo: sequências de eventos casualoides, isto é, que preenchem os requisitos de convergência e de aleatoriedade.

Um problema se impõe, e foi apontado pelos críticos de von Mises, pois o limite de frequência é uma lei matemática que deve se impor a uma sequência que, pela força do axioma da aleatoriedade, não deve ser suscetível a nenhuma lei matemática ou sistema de jogo. Os críticos comumente pesam suas críticas sobre o axioma da aleatoriedade e buscam eliminá-lo, exigindo de um coletivo somente o axioma da convergência. Popper sugere outro procedimento para superar esse problema.

A crítica de Popper é sobre os axiomas que definem um coletivo. O axioma da aleatoriedade é muito vago e deve ser substituído por um requisito que não exige mais do que o que é necessário para derivar dele a “lei dos grandes números”: quanto maior uma sequência n, mais a frequência relativa se aproxima da probabilidade, digamos em uma sequência de lançamentos de moedas, probabilidade de ½ para cara e para coroa, ou de um lançamento de dados regulares, 1/6 para cada lado do dado. O axioma da convergência pode ser eliminado a partir desta dedução.

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