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A objetividade como pressuposto extra lógico derivado do racionalismo auto

Capítulo 1: Epistemologia e objetividade no pensamento de Popper

2. Considerações entra lógicas, regras metodológicas e o racionalismo auto

2.3. A objetividade como pressuposto extra lógico derivado do racionalismo auto

Para Popper, uma teoria deve ser pressuposta para que seja possível uma análise dedutiva de suas relações com os enunciados básicos. A análise epistemológica da ciência é a análise da forma lógica do método científico. A metafísica pode estar presente, e de fato em várias oportunidades já esteve, na formulação da teoria, isto é, estava em um estado anterior à teoria (POPPER, 2010a, p. 39). Contudo, sua presença neste ponto não é relevante para a análise epistemológica. Se enunciados metafísicos (não falseáveis) estiverem presentes no sistema de enunciados científicos, estes enunciados, por sua forma lógica irrefutável por

modus tollens, não poderão ser testáveis. Sendo a testabilidade o ponto fundamental da

justificação de um enunciado científico, um enunciado metafísico presente no sistema não é científico e deve ser eliminado.

44 Por outro lado, um enunciado científico deve ser empírico e, pelas regras metodológicas, deve ser tratado como tal, dessa forma não deve ser protegido do falseamento. Um cientista que defende dogmaticamente uma teoria, por mais científica (testável) que seja, age de forma metafísica e elimina o caráter empírico da teoria. Para evitar esta atitude, são necessárias regras metodológicas que são guiadas pelo objetivo da ciência, que é escolhido por critérios extra lógicos; assim não há coerção lógica em aceitar essas regras, somente a decisão de escolher o objetivo, que é aproximar da verdade.

Esse objetivo deve-se à crença na razão, ao racionalismo que, por sua vez, deve estar ciente de suas limitações, assim deve ser autocrítico. A escolha do racionalismo autocrítico e, consequentemente, do método científico tal como Popper o descreve, é baseada em princípios morais, sobretudo o respeito à liberdade do homem, enquanto liberdade crítica, e à falibilidade da empreitada individual. O elemento do respeito à falibilidade individual é expresso pela divisa do racionalismo crítico e implica a possibilidade de crítica social intersubjetiva fundamentada em testes intersubjetivo, isto é, objetividade. A objetividade como a possibilidade de crítica intersubjetiva da teoria em questão é um elemento constituinte da ciência como uma empresa do racionalismo autocrítico e se coaduna com os elementos éticos de respeito à liberdade crítica.

A objetividade, por incluir a possibilidade de crítica baseada em testes da forma de refutações por modus tollens, tem sua função lógica, mas é uma exigência extra lógica. Lembremos que o irracionalismo não é logicamente insustentável (POPPER, 1987, p. 239), e a crítica, que pressupõe a objetividade, é uma escolha a qual estamos abertos a aceitar ou negar (POPPER, 1987, p. 246). Portanto, a exigência da objetividade (possibilidade de crítica intersubjetiva por meio de testes) tem aspecto lógico, por ter caráter de justificação de teorias, e moral, pois afeta nossa atitude para com outros homens.

Sobre isto, Parusnikova afirma que Popper propõe uma razão negativa, o racionalismo crítico. Para a comentadora, “não pode ser descrito como meramente uma promoção do criticismo, mas como um novo modelo de razão constituído pelo, e somente pelo, imperativo da falsificação” (PARUSNIKOVA, 2009, p. 38). A resposta de Popper ao problema de Hume, para assegurar a razão, é distinguir razão e justificação, assegurando a primeira e destituindo a segunda. Vê-se que, na visão do filósofo vienense, o justificacionismo, que busca uma

45 justificação definitiva, inerente ao racionalismo não crítico, transforma este tipo de racionalismo tradicional em um impostor (PARUSNIKOVA, 2009, p. 34), pois ao erigir um critério máximo de justificação que se impõe sobre os demais enunciados, tal critério se torna impérvio a críticas, essas baseadas no próprio critério de justificação. Aceitar tal ou tal critério de justificação definitiva deve ser fruto de dogmatismo acrítico, pois o critério está acima de qualquer justificação e, consequentemente, pode ser comodamente alocado de maneira a salvar qualquer teoria do falseamento. O justificacionismo é incompatível com a razão. O racionalismo não crítico é incompatível com a razão. Se, como vimos, o irracionalismo é logicamente superior ao racionalismo não crítico, a crítica de Popper ao indutivismo, que é justificacionista e não crítico, é sua contribuição para assegurar o racionalismo.

Na visão de Popper, os problemas lógicos inerentes ao racionalismo não crítico enfraquecem a posição racionalista tão cara a Popper, tornando-a alvo fácil de ataques irracionalistas. Parusnikova cita uma passagem em que Popper defende que o justificacionismo leva ao apelo a fontes autoritárias e últimas do verdadeiro conhecimento. Esta passagem é a primeira parte do argumento de Parusnikova de que o racionalismo de Popper não se compromete com defesas positivas de conjecturas (PARUSNIKOVA, 2009, p. 38), o que envolveria justificações, mas com a possibilidade de críticas através de testes. As “boas razões” para aceitar uma conjectura nunca é uma razão para supô-la definitivamente verdadeira (PARUSNIKOVA, 2009, p. 38).

O comentário acima de Parusnikova e aquele que aponta para o fato de que a simples promoção do criticismo não é a definição de racionalismo crítico, aponta que a crítica está posta como uma consequência do imperativo de falsificação. É sensível que, atrelar o racionalismo à possibilidade crítica, essa intersubjetiva, impõe ao racionalista a necessidade de objetividade, pois, para Popper, a objetividade “reside na circunstância de eles [enunciados científicos] poderem ser intersubjetivamente submetidos a testes” (POPPER, 2010a, p. 46). Porém, a objetividade não é dada a justificações por motivos lógicos. Como dito em

Sociedade Aberta e seus Inimigos, o caráter intersubjetivo, portanto objetivo, da razão está

claro na definição de racionalismo como “uma atitude de disposição a ouvir argumentos e a aprender da experiência” (POPPER, 1987, p. 232) e sua caracterização como fé pressuposta do racionalismo crítico; pois, como Popper escreve: “(...) nem o argumento lógico nem a

46 experiência podem estabelecer a atitude racionalista, pois somente aqueles que estão dispostos a considerar o argumento e a experiência, e que, portanto já adotaram a atitude, serão impressionados por eles” (POPPER, 1987, p. 238).