• Nenhum resultado encontrado

2. Revisão da Literatura

2.5 A terapia com anticoagulante oral (ACO)

O tratamento com uma classe medicamentosa específica, os anticoagulantes orais (ACO), implica geralmente em esquema terapêutico complexo, diversos cuidados na tomada dos medicamentos e monitorização contínua do tratamento, incluindo a necessidade de realização de exames laboratoriais frequentes, o que diferencia essa classe de medicamentos da maioria dos fármacos utilizados no tratamento de doenças crônicas.

Os ACOs são indicados para prevenção primária e secundária de eventos trombóticos venosos e arteriais. Por muitas décadas os antagonistas da vitamina K (VKAs – do inglês vitamin K antagonists) foram os únicos medicamentos anticoagulantes disponíveis para uso na prática clínica35.

A varfarina sódica (Marevan® e Coumadin®) e a femprocumona (Marcoumar®) são exemplos de VKAs. Os VKAs agem impedindo a carboxilação hepática dos fatores II, VII, IX e X da cascata de coagulação, levando a síntese de fatores inativos76,77. Embora com complexa farmacodinâmica e farmacocinética e importantes riscos associados ao seu uso, estes agentes têm mostrado elevada efetividade e são utilizados por milhões de pessoas em todo o mundo 35.

Recentemente novos anticoagulantes orais (NOAC), como inibidor direto da trombina e inibidor direto do fator Xa têm sido utilizados na prevenção de eventos antitrombóticos35. A disponibilização dos NOAC no mercado internacional e nacional, estão impulsionando pesquisas nessa área. Estes NOAC foram desenvolvidos com objetivo de agregar a maior parte de características consideradas ideais à um anticoagulante, como administração via oral e em dose única diária, de rápido início de ação, com ampla janela terapêutica, ausência da necessidade de controle laboratorial frequente, existência de antídotos no caso de sangramento, baixa interação medicamentosa e fármaco-nutrientes e menores custos78. Os NOAC como o etexilato de dabigatrana (Pradaxa®) e a rivoxarabana (Xarelto®) têm sidos utilizados no contexto nacional para tratamento/profilaxia de diversas afecções tromboembólicas após a autorização da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária - ANVISA78,79, porém caracterizam-se pelo custo elevado e ainda inacessível à maior parte da população.

No contexto brasileiro, no qual a maior parte da população é usuária do sistema público de saúde, os VKA’s são os fármacos de escolha, devido aos baixos custos associados à sua dispensação, sendo os NOACs mais utilizados no sistema privado ou nos casos em que o risco do uso dos VKAs supera os benefícios de seu baixo custo.

Um dos VKAs mais utilizados, a varfarina sódica, é composta por uma mistura racêmica, quantidades iguais, de dois enantiômeros, a S-varfarina e R- varfarina, sendo a primeira quatro vezes mais potente que a segunda; é metabolizada no fígado, atuando no ciclo de interconversão da vitamina K e 2,3 epóxido (vitamina K epóxido), diminuindo a disponibilidade da vitamina K ativa, que agiria na carboxilação dos fatores II, VII, IX, X, proteína S e proteína C da coagulação sanguínea, produzindo assim um efeito de prolongamento do tempo de protrombina35,76.

A varfarina é solúvel em água e rapidamente absorvida pelo trato gastrointestinal, além de se caracterizar pela elevada biodisponibilidade e por atingir concentrações sanguíneas máximas em aproximadamente 90 minutos após administração oral, uma vez que se liga rapidamente à albumina plasmática35. A excreção dos metabólitos derivados da varfarina é realizada pela via renal e biliar. Este fármaco possui absorção de uma a quatro horas e meia vida de 36 a 42 horas80. Como os VKAs diminuem a carboxilação de proteínas anticoagulantes (C, S e Z) apresentam, portanto, potencial efeito procoagulante. Embora o efeito anticoagulante seja dominante, um efeito transitório procoagulante pode ocorrer quando níveis basais das proteínas C e S são reduzidos, devido ao início da terapia com VKAs e, imediatamente antes, da diminuição balanceada dos fatores de coagulação dependentes de vitamina K ser obtida35.

Numerosos fatores podem influenciar a terapêutica de anticoagulação oral como a ingestão de alimentos ricos em vitamina K, dieta gordurosa, uso de álcool, interações medicamentosas, doenças hepáticas, doenças virais, hipotireoidismo e questões genéticas76. A flutuação dos níveis de ingestão de

vitamina K proveniente da dieta pode reduzir ou potencializar o efeito anticoagulante. Assim, em geral, a ingestão equilibrada de alimentos ou produtos que contenham vitamina K é aconselhável; mudanças no estado de saúde como presença de infecções, ganho ou perda de peso, hospitalizações e também o consumo crônico de álcool, também são fatores que devem ser informados quando pacientes encontram-se em tratamento com ACO35. A suplementação nutricional e o uso de produtos proveniente de vegetais são caracterizados como uma interferência comum ao tratamento com ACO, embora esse comportamento seja raramente informado pelos pacientes ou questionado pelos profissionais de saúde.

A monitorização da terapia com ACO é realizada por meio da medida do tempo de protrombina (TP), o qual reflete três dos quatro fatores de coagulação dependente de vitamina K (II, VII e X), que são reduzidos pela varfarina.

A OMS juntamente com o Comitê Internacional de Trombose e Hemostasia e a Comissão Internacional de Padronização em Hematologia definiram a utilização da International Normalized Ratio (INR) como um método para uniformizar a avaliação do TP nos testes laboratoriais81. O cálculo da INR é efetuado por meio da fórmula: [(TP paciente/média normal TP)ISI]. Cada fabricante do fator tissular (utilizado para realizar o exame) fornece o

International Sensitivity Index (ISI) correspondente.

Os valores de INR são utilizados como marcadores de eficácia do tratamento com ACO para prevenção de hemorragias e eventos tromboembólicos82.

A intensidade ótima do tratamento anticoagulante oscila conforme o diagnóstico, condições clínicas do paciente, dentre outros fatores. De acordo com a doença em tratamento, diferentes metas terapêuticas podem ser estabelecidas. Assim, nas afecções como fibrilação atrial (FA), tromboembolismo venoso (TEV) e trombose venosa profunda (TVP) a faixa terapêutica indicada para a INR oscila entre 2,0 e 3,0; no uso de próteses cardíacas mecânicas, múltiplos tromboembolismos, baixa fração de ejeção é indicada faixa terapêutica entre 2,5 e 3,5 e no uso de próteses cardíacas

mecânicas na posição triscúpide é recomendada faixa terapêutica entre 3,0 e 4,083,84,85,86.

Pesquisas prévias relacionadas à efetividade do uso da varfarina foram direcionadas à análise da influência dos fatores clínicos (doenças agudas, interações medicamentosas e mudanças na dieta) ou de fatores genéticos, os quais são difíceis de serem antecipados ou modificados. Por outro lado, a adesão ao tratamento é o principal contribuinte para a estabilidade da INR e para a eficácia do tratamento com a varfarina38,87,88.

A literatura relata a diminuição de eventos adversos, principalmente sangramentos, à medida que a INR se mantém dentro da faixa terapêutica preconizada para cada indicação clínica89,90.

Dessa forma, alguns autores avaliam a qualidade da monitorização da INR por meio do Time in Therapeutic Range (TTR)90,91. No Brasil tem sido utilizada a análise da estabilidade da INR, calculando-se a porcentagem de tempo que os pacientes permanecem na faixa terapêutica adequada para sua condição clínica38.

As taxas de não adesão ao tratamento aos AVKs variam de acordo com o método de aferição e da população em estudo. Nos Estados Unidos, estudo realizado com objetivo de avaliar as causas do primeiro INR fora da faixa terapêutica, as taxas de não adesão variaram entre 22 e 58%, o que foi relacionado piores taxas de morbidade e mortalidade92. Em outro estudo americano a taxa de não adesão avaliada por meio de monitorização eletrônica foi de 21,8%93, enquanto na Suécia e em Singapura, foram relatadas proporções de 45%94 e 33%, respectivamente, quando utilizadas a associação de medidas de autorrelato e de mensuração da INR para avaliação da adesão aos medicamentos95.

No Brasil estudos sobre a adesão aos ACO evidenciam resultados díspares, com taxas de adesão aos ACO oscilando entre 17%96 e 50%97 quando a adesão foi mensurada pela estabilidade do INR, e de 97,2%87 a 100%76, quando a adesão foi avaliada por meio de um único instrumento de autorrelato.

Estudos destinados à avaliação da adesão medicamentosa são frequentes em pacientes que fazem uso de medicamentos anti-hipertensivos, hipoglicemiantes e antirretrovirais, sendo escassos estudos relacionados à adesão medicamentosa entre pacientes em uso de ACO, especialmente no contexto brasileiro87.

O presente estudo se propôs a avaliar as propriedades da medida de um instrumento de mensuração da adesão à terapia medicamentosa, bem como estimar a sensibilidade e especificidade e a validade de construto desta medida com vistas a subsidiar os profissionais da prática clínica no importante desafio de otimizar a adesão medicamentosa em pacientes com doenças crônicas.

Documentos relacionados