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2. QUESTÕES TERMINOLÓGICAS DECORRENTES DA

2.1. Terminologia e línguas de especialidade

2.1.1. A tradução de termos especializados e o conceito de

A partir de exemplos do texto traduzido no âmbito do presente trabalho, podemos observar como se processa a tradução de termos especializados.

Procedendo à leitura do 1º Capítulo, que relata a história da talassémia, reparamos que esta é uma doença à qual têm sido atribuídos diversos nomes. Conforme a história do estudo da talassémia vai evoluindo, vão surgindo as várias denominações que a doença adquiriu ao longo dos tempos e consoante a sua localização geográfica.

A primeira descrição clínica da talassémia é atribuída a Thomas Cooley, o que motivou a formação de uma unidade terminológica através de eponímia: Cooley’s

anaemia (TP11, Cap.1, p.9, fig.1.5). A tradução deste termo não ofereceu dúvidas, uma vez que a denominação equivalente – anemia de Cooley (TC, Cap.1, p.13, fig.1.5) – ainda é reconhecida nos dias de hoje, embora seja menos utilizada do que o termo alternativo talassémia-

β

maior (major).

Ao aceitarmos a formação terminológica como um processo criativo, assumimos que a tarefa do tradutor não se esgota na procura de um equivalente adequado, antes se completa com o acto de (re)criar novos termos. Em Why ‘thalassaemia’? (Cap.1, pp.9- 10), Weatherall descreve a formação do termo thalassaemia, com motivação erudita a partir de formante grego: thalassa- (do grego

θαλασσα

, que significa mar) + -haema (do grego

ηαεµα

, que significa sangue). Os puristas preferiam thalassanaemia:

thalassa- (idem) + -anaemia (do grego

αναιµα

, que significa falta de sangue). No primeiro caso, o equivalente é talassémia. Em relação ao segundo caso, tivemos a curiosidade de observar qual seria a denominação portuguesa se tivesse sido este o termo a subsistir e apelámos à criatividade, partindo da morfologia do português: seguindo a lógica dos puristas (talassa- (idem) + -anemia (idem)), formámos o termo

talassanemia.

A tradução de terminologia manifesta-se como uma operação complexa e antagónica, já que, por vezes, a melhor opção passa por não traduzir. A título de exemplo, no texto original surgem algumas nomenclaturas que não estão na língua inglesa. Considerámos que não fazia sentido traduzir para a língua portuguesa as nomenclaturas que os autores não transpuseram para a língua inglesa. Mantivemos, portanto, nestes casos, as designações em latim e a terminologia italiana, traduzindo apenas os comentários que normalmente seguem os termos. Por exemplo, mantivemos o termo italiano La Malattia di Rietti–Greppi–Micheli e traduzimos apenas a descrição que o acompanha (assim, «haemolytic jaundice with decreased red-cell fragility» (TP, Cap.1, p.10) foi traduzido para «icterícia hemolítica com fragilidade reduzida dos eritrócitos» (TC, Cap.1, p.15)).

Admitimos que o propósito do subcapítulo Consolidation of genetic data from

the USA and Europe (TP, Cap.1, pp.11-13) era o de apresentar e comparar algumas nomenclaturas referentes às talassémias utilizadas em diferentes línguas, o que parece

11 Iremos usar, ao longo deste trabalho, as siglas TP e TC para designar Texto de Partida e Texto de Chegada, respectivamente.

ser confirmado pelo facto de as encontrarmos associadas aos nomes dos especialistas que as inventaram e de estarem assinaladas entre aspas12 no texto. Desta forma, os termos thalassaemia minor, thalassaemia major, leptocytosis, anaemia microcitica

constituzionale, microcytemia e talassemia mínima foram mantidos na forma original. Compreendemos que microcytemia, anaemia microcitica constituzionale, talassemia

minima e thalassaemia minor se incluem na categoria da talassémia menor (minor) e que leptocytosis é uma doença subjacente tanto à talassémia maior (major) como à talassémia menor (minor). Com efeito, no nosso entender, a heterogeneidade das talassémias é proporcional à heterogeneidade das suas nomenclaturas, o que pode constituir um desafio para o tradutor com poucos conhecimentos na matéria.

Resumindo, na tradução de termos especializados, tal como na tradução em geral, a transferência de uma língua para a outra pode processar-se das seguintes formas: centrar-se na procura de um equivalente adequado, obrigar à (re)criação de novos termos ou passar, inclusive, pela manutenção do termo estrangeiro. Este processo implica uma avaliação da situação e uma decisão ponderada por parte de quem traduz, envolvendo questões que transcendem, por vezes, as competências do tradutor por implicarem conhecimentos especializados da área em que o texto se inscreve.

A terminologia, como já verificámos, é um instrumento de comunicação e de transferência do conhecimento científico entre especialistas numa ou em mais línguas, processo necessariamente transparente e livre de ambiguidades. Assim, a tradução de textos especializados envolve necessariamente a pesquisa de equivalências entre termos de duas línguas diferentes.

Idealmente, a equivalência deve estabelecer-se através do conceito e não do termo, com a plena concordância entre os elementos a nível linguístico, social, cognitivo, cultural, formal, etc. Contudo, tal como observa Manuelito (2005), cada língua efectua a classificação conceptual da realidade de um modo diferente, sendo que é frequente encontrar uma denominação correspondente a um conceito da língua de chegada que comporta um maior ou menor número de aspectos do que a denominação correspondente da língua de partida.Em Medicina, a diferença conceptual é reduzida devido à internacionalização da comunicação científica. A equivalência a nível semântico é o aspecto mais importante na tradução da língua de especialidade da Medicina.

12 Preferimos usar a formatação em itálico para sublinhar os termos ou expressões pretendidas, relegando as aspas para as citações.

São raros os casos de equivalência total, em que os equivalentes fruem de uma

fidelidade semântica completa (Cf. Kocourek 1991) e apresentam uma grande semelhança a nível gráfico e fónico. Os casos encontrados no texto de partida (Cf. Tabela 1) justificam-se pelo facto de tanto a língua portuguesa como a língua inglesa recorrerem frequentemente a termos de formação greco-latina.

Nas situações em que a equivalência é parcial, as marcas distintivas devem ser devidamente explicitadas através de procedimentos adicionais à transposição dos termos, que incluam comentários esclarecedores das diferenças quer denominativas quer conceptuais nas duas línguas. Esses procedimentos adicionais tomam, geralmente, a forma de notas do tradutor, que aparecem em rodapé ou no final do texto. Por considerarmos que o emprego da nota do tradutor distrai o leitor do texto e quebra a fluidez do discurso, optámos pela elaboração de um glossário bilingue, incluído no final do trabalho. O glossário fornece a explicação dos termos transpostos para a língua portuguesa mais relevantes na área da talassémia. A apreensão dos conceitos é facilitada pela leitura do texto, uma vez que os autores vão diluindo a informação no texto.

Tabela 1. Alguns casos de fidelidade semântica completa entre equivalentes.

INGLÊS PORTUGUÊS

Adenine (Cap.3, p.125) Adenina (Cap.3, p.127) Alanine (Cap.1, p.22) Alanina (Cap.1, p.38) Anaemia (Cap.1, p.3) Anemia (Cap.1, p.3) Asthenia (Cap.1, p.4) Astenia (Cap.1, p.5) Chromosome (Cap.1, p.14) Cromossoma (Cap.1, p.

Cytidine (Cap.3, p.125) Citidina (Cap.3, p.127) Enzyme (Cap.1, p.15) Enzima (Cap.1, p.24) Guanine (Cap.3, p.125) Guanina (Cap.3, p.127)

Glycine (Cap.1, p.22) Glicina (Cap.1, p.38) Haemoglobin (Cap.1, p.3) Hemoglobina (Cap.1, p.3)

Syndrome (Cap.1, p.3) Síndrome (Cap.1, p.7) Thimine (Cap.3, p.125) Timina (Cap.3, p.127)

Por fim, a questão da (in)traduzibilidade já não se coloca. Embora muitas palavras, tomadas isoladamente, não possam ser traduzidas de forma satisfatória, todas as frases são passíveis de o ser. Efectivamente, «nas situações em que não é possível encontrar na língua de chegada uma unidade neológica simples adequada, os tradutores e os terminólogos recorrem normalmente a paráfrases explicativas e a glosas contextuais, sendo ainda usual socorrerem-se de empréstimos ou mesmo de decalques procedentes da língua de partida» (Manuelito 2005:453).

2.1.2. Recursos disponíveis para a tradução de termos especializados

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