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1.2. Tradução e Ciência

1.2.4. A tradução de terminologia científica: harmonização e

1.2.4.1. O português como língua de ciência

A internacionalização da língua portuguesa tem necessariamente de envolver as políticas linguísticas atrás mencionadas, convenientemente adaptadas às especificidades de cada país pertencente ao espaço lusófono.

A urgência de uma terminologia científica harmonizada no espaço lusófono é real, pois esta poderá constituir, segundo Duarte (2010), «uma mais-valia em termos económicos, um importante instrumento de consolidação e de reforço da língua portuguesa nas organizações internacionais europeias, americanas e africanas a que pertencem países de língua oficial portuguesa e um meio privilegiado para veicular informação e construir conhecimento na comunicação especializada» (op. cit.:175-6). Com as iniciativas de harmonização terminológica, pretende-se fomentar a criação de um mercado livreiro uno dos estudantes do ensino superior e dos profissionais diferenciados de todos os países lusófonos e encorajar a elaboração e disponibilização, quer em papel, quer em recursos electrónicos, de bases terminológicas harmonizadas, para que todos usem os mesmos termos (Cf. Duarte 2010:175-9). Para além disso, as medidas pensadas permitiriam minimizar ou até eliminar as disparidades entre as

que um neologismo deixa de ser um neologismo quando surge referenciado em dicionários. In http://www.ait.pt/recursos/dic_term_ling/dtl_pdf/N.pdf [última consulta em Setembro de 2011].

terminologias usadas em Portugal e no Brasil, que são demasiadas5. De facto, segundo Mateus (2005),

As terminologias são instrumentos com função política no enriquecimento de uma língua, e não só quando se trata de terminologias bilingues ou multilingues que respondam às exigências de uma sociedade plurilingue. As terminologias que contemplam as variações da norma no interior de uma língua têm, elas mesmas, um papel a cumprir (op. cit.:5).

Essas medidas passam por seleccionar os termos consagrados pelo uso e por registá-los como variantes que denominam um mesmo conceito. Todo este trabalho deveria ser realizado por uma equipa da qual fariam parte especialista(s) da área científica e, obrigatoriamente, um terminólogo.

Foi a adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, nos anos 90, que veio acentuar a carência de estudos e de trabalhos de cariz terminológico, com o aparecimento da necessidade de tradução de documentos oficiais e do estabelecimento de equivalentes em português nas bases terminológicas internacionais existentes. Foi a partir desta altura que se assistiu ao incremento de cursos de terminologia e à realização de estudos terminológicos. Entretanto, foram igualmente surgindo vários projectos que visam o enriquecimento terminológico da língua portuguesa. Grande parte dos cursos e projectos aconteceram, e ainda acontecem, graças à colaboração dos investigadores da Associação de Informação Tecnológica (AiT)6, do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) e do Instituto Camões. Podemos mencionar alguns, a título de exemplo:

1) O VII Simpósio Ibero-Americano de Terminologia, realizado em 2000, sob a alçada do ILTEC. O debate centrou-se no tema «Terminologia e Indústrias da Língua», tendo como foco a contribuição da terminologia no desenvolvimento das indústrias da língua.

2) Os cursos Terminologia na Primavera e Terminologia no Outono, realizados em Março de 2002 e em Outubro de 2003, respectivamente. Estes cursos foram da

5 «No domínio da ciência da linguagem, termos consagrados na tradição gramatical luso-brasileira são cada vez mais substituídos por traduções directas do inglês» (Duarte 2009:178).

6 Criada em 2000, por parceria entre o Instituto de Linguística Teórica e Computacional e a Fundação da Universidade de Lisboa.

responsabilidade da AiT e do ILTEC e pretenderam contribuir para a divulgação do trabalho terminológico nas suas diferentes vertentes, bem como para esclarecer diferentes aplicações da terminologia.

3) O projecto Termináutica, construído no ILTEC e finalizado em 2003, é um

corpus que contempla textos especializados no domínio da Náutica, escritos em português. Trata-se de um corpus aberto, ao qual podem ser acrescentados textos relevantes em qualquer momento.

4) O projecto Glossário da Sociedade da Informação, desenvolvido pela Associação Portuguesa para a Promoção e o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI). A elaboração deste glossário, que decorreu ao longo de 2005, surgiu no âmbito da Sociedade da Informação e do Conhecimento e contém os termos considerados mais relevantes na área.

5) O Dicionário de Termos do Comércio Electrónico (DTCE) é um projecto da AiT e da ahp – Application & Hosting Provider – que inclui 450 termos do domínio do comércio electrónico em português europeu e os seus equivalentes em inglês.

6) O projecto Lextec – Léxico Técnico do Português, financiado pelo Instituto Camões entre 2005 e 2009 e coordenado pela Professora Doutora Palmira Marrafa, disponibiliza um glossário que integra expressões linguísticas e as respectivas definições de 10 domínios especializados, uma base de textos que ilustram o contexto de uso das expressões em questão e uma rede conceptual que relaciona expressões que partilham o mesmo significado.

A construção de glossários e de dicionários de termos especializados é importante na medida em que contribui para a transmissão eficaz de conhecimentos dos diversos domínios de especialização em diversas línguas. Não podemos pensar que trabalhos deste género servem apenas o interesse dos especialistas da área em questão. Na verdade, esses serão, provavelmente, os menos beneficiados, uma vez que, enquanto especialistas, é suposto dominarem bem os termos da sua área e, por isso, o recurso aos glossários e dicionários de termos especializados servirá somente para esclarecer dúvidas pontuais. Conforme Correia (2005a) afirma, são dois os tipos de utilizadores

mais frequentes de glossários e dicionários de termos especializados: em primeiro lugar, tradutores e intérpretes e, em segundo lugar, outro tipo de profissionais (editores, chefes de redacção, jornalistas, divulgadores científicos), cujo trabalho consiste na difusão e divulgação de conhecimentos especializados, tornando-os acessíveis a um público não- especialista, mas que se interessa pelas temáticas em foco. Assim, a autora sugere que se proceda à produção de glossários e dicionários de termos especializados de cariz mais descritivo, ou seja, que apresentem, para além da definição do conceito, equivalente(s) em outra(s) língua, bem como informação linguística relativa aos termos (variação terminológica no tempo, no espaço e no contexto social) (Cf. op. cit.: 75).

Por fim, destacamos as linhas condutoras essenciais ao sucesso de um projecto terminológico apresentadas por Fernandes, Antunes e Correia (2007):

1) Uma intervenção terminológica séria pressupõe a combinação de uma abordagem descritiva com uma abordagem normativa ou normalizadora7.

2) Deve resultar da colaboração entre o terminólogo, o especialista do domínio e, quando existe, a entidade normativizadora.

3) Depende grandemente da sua qualidade, mas principalmente da divulgação e disponibilização do trabalho realizado.

4) Deve ser acompanhada de uma intervenção linguística, para que se possa assegurar a adequação da linguagem usada (op. cit.: 9).

Fernandes, Antunes e Correia (2007) insistem em que a base para a eficaz transmissão de conhecimento é a criação de glossários terminológicos “estáveis”, descritivos dos diferentes domínios e, sobretudo, acessíveis aos seus utilizadores.

7 Os autores, no referido trabalho, distinguem normativização (actividade desenvolvida por entidades legalmente instituídas e credenciadas para a imposição de normas) de normalização (actividade desenvolvida, no âmbito da língua, por entidades da sociedade civil que visam a sua harmonização) (Cf. op. cit.:1).

1.2.5. Síntese

Nesta secção, começámos por referir o recente interesse na área da tradução científica, confirmado pela apresentação de algumas das publicações mais relevantes na área desde os anos 60 até ao presente 8, seleccionadas por Durão (2007), de entre as que explicitam no título Tradução Científica e Técnica.

No que diz respeito à definição e caracterização do texto científico, verificámos o seguinte:

1) Seguindo o sistema de classificação da UNESCO para a uniformização das nomenclaturas científicas e técnicas, a tradução científica é entendida como a tradução de documentação elaborada no âmbito das disciplinas inseridas nos campos da Matemática, Astronomia e Astrofísica, Física, Química, Ciências da Vida, Ciências da Terra e do Espaço, Ciências Agrárias e Ciências Médicas. Se considerarmos esta classificação, concluímos que o texto científico é o texto redigido no âmbito das ciências puras.

2) Contudo, numa outra perspectiva, para um texto ser considerado científico deve obedecer a determinadas regras que lhe vão conferir o seu grau de cientificidade e, consequentemente, de credibilidade, independentemente da área de conhecimento que lhe está associada. Nesta perspectiva, o texto científico pauta-se por quatro princípios fundamentais para a sua compreensão e aceitação: simplicidade, clareza, precisão e brevidade.

Finalmente, chamámos a atenção para a necessidade de criar condições que permitam a uniformização, a normalização e a actualização da terminologia científica, com enfâse na criação e aceitação de neologias, apresentando algumas das medidas propostas por alguns autores, nomeadamente Cabré (1996) e Correia (1998). No que respeita à internacionalização da língua portuguesa, esta passa pela aplicação das medidas referidas, adaptadas à realidade de cada um dos países lusófonos. A promoção da língua portuguesa como uma língua de ciência pode revelar-se o impulso necessário

8 Efectivamente, após 2007 não surgiu nenhuma publicação dentro destes parâmetros digna de menção da qual tenhamos conhecimento.

para a valorização dos sectores científico-económicos nacionais. Apresentámos, para finalizar, alguns projectos terminológicos realizados neste sentido.

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