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A trajetória do valor da pensão por morte

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008 (páginas 156-162)

CAPÍTULO IV. O BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE NO REGIME GERAL

4.3 Valor do benefício

4.3.1 A trajetória do valor da pensão por morte

A previdência social, através de leis e decretos, sempre estabeleceu regras para concessão de benefícios previdenciários, especificando suas condições e estipulando seus valores. Ainda, com o passar do tempo, a legislação previdenciária veio alterando determinados requisitos, termos e formas de cálculo anteriormente estabelecidas.

No que diz respeito à pensão por morte, conforme previsão do art. 14 do Decreto 26.778/49, que regulamentou a Lei n.º 593/48, era devido uma “cota familiar de 30% (trinta por cento) do valor da aposentadoria por invalidez em cuja percepção se achava o segurado, ou daquela a que teria direito, se na data do falecimento, se tivesse se aposentado por invalidez” [sic], mais uma “cota individual igual a 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria, por beneficiário, até o máximo de sete”.

Vale fazer menção também ao art. 12 da lei supracitada, que previa carência de doze contribuições, ou a condição de aposentadoria do segurado falecido para que fosse de fato devida a pensão por morte.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 3.807/60 – Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, a renda mensal Inicial da pensão por morte passou a ser equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do salário-de-benefício ou da aposentadoria base, para a família, mais 10% (dez por cento), para cada dependente, até o limite de cinco, de acordo com seu art. 37324.

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Brasil. Lei n.º 8.213/91. “Art. 40. É devido abono anual ao segurado e ao dependente da Previdência Social que, durante o ano, recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão. Parágrafo único. O abono anual será calculado, no que couber, da mesma forma que a Gratificação de Natal dos trabalhadores, tendo por base o valor da renda mensal do benefício do mês de dezembro de cada ano.”

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LOPS. “ Art. 37 da: “A importância da pensão devida ao conjunto dos dependentes do segurado será constituída de uma parcela familiar, igual a 50% (cinqüenta por cento) do valor da

Em 1991, a Lei n.º 8.213, em seu art. 75, majorou a pensão por morte para 80% (oitenta por cento) da aposentadoria que o segurado recebia ou a que teria direito se estivesse aposentado na data do seu falecimento, para a família, mais 10% (dez por cento) para cada dependente, até o máximo de dois. Para os casos de morte por acidente do trabalho, a pensão correspondia a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício ou do salário-de-contribuição vigente no dia do acidente, o que fosse mais benéfico.

Posteriormente, por força da Lei n.º 9.032, de 28.04.95, que conferiu nova redação ao referido art. 75 da Lei n.º 8.213/91, o coeficiente da pensão foi aumentando para 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, inclusive para aquelas decorrentes de acidente do trabalho.

A progressiva majoração suscitou a discussão acerca do direito à aplicação deste novo coeficiente aos benefícios concedidos anteriormente à vigência da nova lei, por ser este mais benéfico, com base nos princípios da universalidade da cobertura e do atendimento, e da igualdade, que garante tratamento igualitário das pessoas que se encontram em iguais condições.

Prontamente, a autarquia previdenciária postou-se de maneira contrária aos fundamentos supracitados, argumentando ausência de embasamento legal para esse direito e alegando que a aplicação representaria retroatividade da lei, vedada em nosso ordenamento, além de invocar a inexistência da fonte de custeio, exigida pela Constituição Federal de 1988 para a criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço da Seguridade Social (art. 195, § 5.º).

Diante de tais argumentos a favor e contra o direito à aplicação do novo coeficiente da pensão por morte aos benefícios concedidos anteriormente à vigência da Lei n.º 9.032/95, criou-se ampla divergência jurisprudencial, desde os juízes de primeiro grau até as instâncias superiores.

O Superior Tribunal de Justiça, que inicialmente posicionou-se contra a aplicação do novo coeficiente, acabou por posicionar-se favoravelmente a ela, tal qual consta da seguinte ementa, de lavra da quinta Turma deste Egrégio Colegiado:

aposentadoria que o segurado percebia, ou daquela a que teria direito se na data de seu falecimento fosse aposentado, e mais tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os dependentes do segurado, até o máximo de 5 (cinco).”

Consoante recente entendimento esposado pelas Turmas que compõem a Egrégia Terceira Seção, as majorações das cotas familiares introduzidas pelas Leis 8.213/91 e 9.032/95 aplicam-se aos benefícios concedidos sob a égide da legislação pretérita.(...) Não há falar em retroação da lei, mas em aplicação imediata uma vez que seus efeitos financeiros projetam-se tão somente para futuro”.

Superior Tribunal de Justiça - 3.ª Seção – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 539616 - SP Ministra Relatora Laurita Vaz - Decisão: 07.06.2004.

Essa interpretação não se desenvolveu tão somente no Superior Tribunal de Justiça, mas também nos Juizados Especiais Federais espalhados pelo país. Foi confirmada pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais (TNU), dando ensejo à criação da Súmula n.º 15325, hoje cancelada.

O posicionamento a favor da aplicação do coeficiente de 100% (cem por cento) a todas as pensões mantidas pela previdência social, no entanto, não prevaleceu no Supremo Tribunal Federal, como se verifica no Recurso Extraordinário n.º 481.932-5, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), julgado, conjuntamente, com outros 4.908 recursos extraordinários:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCÁRIO. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO ANTERIOR À LEI N.º 9.032/95. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO. SÚMULA 359 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PROVIDO.

1. Em matéria previdenciária, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a lei de regência é a vigente no tempo de concessão do benefício ( tempus regit actum).

2. Lei Nova (lei n.º 9.032/95 para os beneficiários antes do seu advento e Lei n.º 8.213/1991 para aqueles que obtiveram a concessão em data anterior a 1991), que não tenha fixado a retroatividade de seus efeitos para os casos anteriormente aperfeiçoados, submete-se à exigência normativa estabelecida no art. 195, § 5.º , da Constituição : “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”

Supremo Tribunal Federal - Recurso Extraordinário 481.932-5 - Relatora Ministra Cármen Lúcia – Pleno - DJU: 13.04.2007.

Grande parte dos juízes e tribunais, até mesmo os contrários ao posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a se curvar diante

325 Turma Nacional de Uniformização da Justiça Federal. Súmula n.º 15, cancelada em 26/03/2007: “O valor mensal da pensão por morte concedida antes da Lei n.º 9.032, de 28 de abril de 1995, deve ser revisado de acordo com a nova redação dada ao art. 75 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991”.

da decisão supracitada. Maior exemplo desta submissão foi o cancelamento da Súmula n.º 15 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais.

Contudo, não se percebe unanimidade nas diversas instâncias do Judiciário pátrio, tanto que o Superior Tribunal de Justiça, mesmo após a decisão da Suprema Corte, mantendo sua independência, continuou decidindo favoravelmente à aplicação do novo coeficiente, conforme acórdão proferido pela Sexta Turma, em 23/10/2007, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 980822, em que foi relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura:

”[...] O fato de o Supremo Tribunal Federal ter perfilhado posicionamento diverso do Superior Tribunal de Justiça não impede que esta Corte adote orientação contrária ao Pretório Excelso, uma vez que as decisões proferidas em sede de recurso extraordinário não têm efeito vinculante [...]”

Ainda que em decisões mais recentes o Superior Tribunal de Justiça tenha se curvado diante do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, não desfruta de unanimidade, conforme se verifica no acórdão da Terceira Seção, proferido em 27.02.2008, embargos de divergência em recurso especial n.º 665.909- SP (2007/0219974-8), em que foi Relatora a Desembargadora Jane Silva, convocada do TJ/MG:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. LEI POSTERIOR MAIS BENÉFICA. NÃO INCIDÊNCIA.

1 – A aplicação de lei posterior mais benéfica ao benefício pensão por morte, cuja vigência ocorreu em data posterior ao óbito do instituidor, ofenderia o ato jurídico perfeito. Precedentes do STJ e do STF.

2 – Embargos de divergência acolhidos.

ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, retomado o julgamento, após o voto vista do Sr. Ministro Paulo Gallotti acompanhando a Relatora, acolhendo os embargos de divergência, os votos da Sra. Ministra Laurita Vaz e dos Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho no mesmo sentido, e o voto da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Nilson Naves, no sentido de conhecer os embargos e os rejeitar, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, acolher os embargos de divergência, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Felix Fischer, Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho. Vencidos os Srs. Ministros Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi (Art. 162, § 2.º , Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça).

De se notar que, ainda que se cogite do Supremo Tribunal Federal tornar a questão sumular, tal ainda não ocorreu, havendo possibilidade, ainda que remota, de mudança de posicionamento da Corte Suprema.

Assim se acredita, pois as alegações do Instituto Nacional do Seguro Social acolhidas pelo Supremo Tribunal Federal vão, do nosso ponto de vista, contra os princípios previdenciários da universalidade da cobertura e do atendimento, e da igualdade, que garante tratamento igualitário das pessoas que se encontram em iguais condições.

Tais princípios, ainda, corroboram o entendimento de que a majoração do benefício de pensão por morte, dada pela Lei n.º 9.032/95, tem incidência imediata sobre todas as pensões em manutenção, independentemente das normas vigentes na data de sua concessão, contrariando, assim, a tese da Suprema Corte de que a Lei n.º 9.032/95 não dispôs, de forma expressa, que a majoração da pensão por morte se estenderia aos benefícios antes concedidos.

Se optou, o legislador, por majorar o percentual do benefício de pensão por morte, o fez levando em conta, acredita-se, modificações que ocorrem no plano fático e que atingem, independentemente da data da concessão do benefício, a todos os beneficiários. Essa, aliás, é uma das características do benefício, cuja prestação se dá de maneira continuada, persistindo, sempre, a necessidade de sua readaptação às condições sociais e econômicas.

Neste sentido, ressaltou, ainda em 2004, o então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Jorge Scartezzini, em decisão de embargos de divergência:

[...]1 – O legislador ordinário, ao alterar o percentual da pensão por morte, o fez embasado em vários fatores da vida social, mantendo com isso a tradição legislativa de modificá-lo, adequando-o corretamente aos padrões reais uma vez tratar-se de indenização de caráter periódico sucessivo. Se a lei nova, qual seja, a Lei 9032/95, criou um benefício maior e o entendimento do Colegiado é de que a mesma deve ser aplicada, por ser mais benéfica, esta deverá incidir a todos os filiados da Previdência Social que se amoldarem a esta situação jurídica, sem acarretar nenhum direito a eventuais diferenças anteriores à sua edição. [...]

Superior Tribunal de Justiça - 3.ª Seção – Embargos de Divergência em Recurso Especial 200932 – AL - Ministro Relator Jorge Scartezzini - Decisão: 10.03.2004.

Dando continuidade na construção doutrinária que se deu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Hamilton Carvalhido, didaticamente, ressaltou:

[...] Indissociável o benefício previdenciário das necessidades vitais básicas da pessoa humana, põe-se na luz da evidência a sua natureza alimentar, a assegurar aos efeitos continuados da relação jurídica a regência da lei nova que lhes recolha a produção vinda no tempo de sua eficácia, em se cuidando de norma nova relativa à modificação de percentual dos graus de suficiência do benefício para o entendimento das necessidades vitais básicas do segurado e de sua família [...].

Superior Tribunal de Justiça – 6.ª Turma – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 862.433 – PB - Relator Ministro Hamilton Carvalhido - Decisão: 25.06.2007.

No que tange à retroatividade de lei alegada pelo órgão previdenciário – INSS –, de forma a negar a aplicabilidade do novo coeficiente da pensão por morte aos benefícios anteriores à Lei n.º 9.032/95, não se vislumbra a ocorrência do instituto, vez que o que se percebe aqui é a aplicação imediata da norma mais benéfica. A aplicabilidade da nova lei se dará para os benefícios anteriormente concedidos, a partir da sua vigência, surtindo efeitos sobre as parcelas que se seguirem a essa situação. O ato de concessão que reconhece o direito ao recebimento do benefício, bem como as parcelas já gozadas pelo beneficiário, permanecem imutáveis. Sendo assim, não há que se falar em desrespeito ao ato jurídico perfeito, já que o ato administrativo que perfez a concessão da pensão, não será, em nenhum momento, modificado, apenas se adaptará à lei nova, mais benéfica, a partir da entrada em vigor desta.

Quanto à tese da falta de fonte de custeio, também levantada pelo INSS, não é cabível aceitar que este encargo recaia sobre aqueles que têm interesse final no benefício, vale dizer, se alguém deve observar a regra da contrapartida, esse alguém, por certo, não é o beneficiário, mas o legislador. Se este assim não fez no momento da criação da norma de majoração do benéfico de pensão por morte, poderá fazê-lo por meio de nova norma, de forma a corrigir o erro, sem prejudicar os beneficiários.

O motivo que leva à majoração do benefício, mais do que a definição de qual seja sua fonte de custeio, é fator de suma importância para que se entenda a sua criação. As modificações, sem sombra de dúvidas, visam a adequar o

benefício às suas finalidades, em consonância com o momento histórico, econômico e social por qual passa o país, devendo, portanto, ser aplicado a todos os seus beneficiários.

Ainda, se há inconstitucionalidade quanto à questão de falta de fonte de custeio, não há óbice para que esta seja suscitada, desde que abranja todos os beneficiários de pensão por morte – e não apenas aqueles que tiveram o benefício concedido anteriormente à Lei n.º 9.032/95 – todavia, o que não se pode conceber é que se instaure critério de diferenciação entre aqueles que se encontram em iguais condições.

É de se concluir, pois, que a majoração do coeficiente da pensão por morte, prevista na Lei n.º 9.032/95, que alterou o art. 75 da Lei n.º 8.213/91, deveria ter sua aplicação estendida a todos os segurados, inclusive aqueles que já se encontravam com benefício em manutenção, pois, do contrário, estar-se-á ferindo o princípio constitucional da igualdade e, ainda, o princípio previdenciário da universalidade da cobertura e do atendimento.

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