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Caráter contributivo da Previdência Social

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008 (páginas 51-55)

CAPÍTULO II. PREVIDÊNCIA SOCIAL E REGIME GERAL

2.1 O subsistema da Previdência Social

2.1.1 Caráter contributivo da Previdência Social

A contributividade é elemento essencial do regime previdenciário brasileiro. É aspecto do financiamento, por isso se relaciona com os princípios da eqüidade na forma de participação no custeio, diversidade da base de financiamento, irredutibilidade do valor dos benefícios e com a regra da contra partida, anteriormente abordados.

Inicialmente, cumpre esclarecer que, não obstante integre a Seguridade Social, a Previdência Social tem regras próprias de financiamento, definidas, principalmente, a partir de seu caráter contributivo, inexistente na Saúde e na Assistência Social. Regras que se distinguem, ainda, conforme se refiram ao Regime Geral, aos regimes próprios ou ao regime de previdência privada. Note-se que o caráter contributivo é comum aos regimes públicos de previdência, aplicando- se, por conseguinte, aos regimes próprios dos funcionários públicos, conforme comando expresso no art. 40 da Constituição93. Quanto aos regimes dos militares, cuja disciplina é de competência dos Estados, conforme prevê o inciso X, do § 3.º do art. 142, combinado com o § 1.º do art. 42, ambos da Constituição Federal94, não há norma geral que imponham a observância do caráter contributivo. Exceto em relação ao direito de seus dependentes à pensão por morte, para o qual os militares estão

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Brasil. Constituição Federal (1988). “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo”.(grifo nosso)

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Brasil. Constituição Federal (1988). “Art. 42. Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1.º. Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8.º; do art. 40, § 9.º; e do art. 142, §§ 2.º e 3.º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3.º, inc. X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.”

“Art. 142, § 3.º, X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra”.

obrigados a contribuir, por força do § 2.º do art. 71 da Lei n.º 6.880/80 (Estatuto dos Militares)95.

Cumpre, ainda, definir contribuição como tributo que visa a possibilitar ao Estado colocar à disposição de determinado(s) grupo(s) de pessoas certas prestações que lhe são necessárias. Nas palavras do professor Paulo Ayres Barreto “o pressuposto constitucional para sua exigência é a atuação do Estado (lato sensu) em área constitucionalmente demarcada” 96.

Por seu turno, as contribuições sociais visam a custear prestações de Seguridade Social. Distinguem-se, por conseguinte, dos impostos, que são pagos pelo contribuinte com a finalidade genérica de o Estado realizar prestação de segurança, organização, educação, infra-estrutura, atividade jurisdicional, entre outras.

Nesse contexto, a contribuição social é devida porque o Estado coloca à disposição os benefícios e serviços advindos das contingências sociais. Surge não como condição para que o Estado realize essa finalidade, mas sim, como conseqüência dessa especial prestação de serviço público.

À medida que o interesse por certas prestações se restrinja a determinado grupo, restringe-se a finalidade do tributo, como ocorre em relação ao grupo protegido pelos regimes de previdência social, formado essencialmente pelas pessoas que exercem atividade remunerada, em suas diversas espécies, desde o empregado, o trabalhador autônomo, o servidor público, até aquele indivíduo que trabalha em regime de economia familiar. Especificamente esse grupo detém proteção das contingências sociais que impossibilitem o exercício do trabalho e a manutenção da própria subsistência. Não poderia toda a sociedade financiar a proteção de um grupo específico de pessoas, mesmo que esse grupo seja imenso97.

No caso da Seguridade Social, em que o grupo interessado coincide com a sociedade, o Brasil adotou modelo misto de financiamento, conforme leciona o eminente tributarista Sacha Calmon Navarro Coêlho:

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Brasil. Lei n.º 6.880/80 (Estatuto dos Militares). “Art.71. § 2.º. Todos os militares são contribuintes obrigatórios da pensão militar correspondente ao seu posto ou graduação, com as exceções previstas em legislação específica”.

96 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p.71.

97

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Contribuições no Direito Brasileiro: Seus Problemas e Soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 33-34.

[...] sistemas mistos, onde vemos impostos finalísticos e contribuições pessoais e sinalagmáticos, precisamente o caso do Brasil. Para quem paga, PIS, COFINS, a paga é de imposto. Quem contribui individualmente para a seguridade, a paga é para ter em troca benefícios em manutenção, aposentadoria e pensão.98

Inobstante tenha o jurista classificado como “impostos finalísticos” os tributos destinados a custear a Seguridade Social como um todo, nos limites deste trabalho, que não comporta aprofundar o debate acerca da natureza da contribuição social, tal colocação evidencia a finalidade que marca esses tributos. A arrecadação deve ser destinada ao custeio da atividade estatal que deu causa à sua instituição. Mesmo no caso das contribuições que irão suportar ações da Saúde e da Assistência Social, que se destinam a toda coletividade e cujas despesas não são individualizadas, identifica-se a finalidade específica. A soma das contribuições sociais vertidas pelos contribuintes deve, em conformidade com a Constituição, sustentar a Seguridade Social99.

Assim, no Brasil, parte das contribuições sociais destina-se ao custeio da Saúde, da Assistência e da Previdência Social, isto é, da Seguridade Social como um todo. Outra parte deve ser aplicada na Previdência Social, exclusiva e especificamente no pagamento dos benefícios do Regime Geral, conforme norma contida no art. 167, inciso XI, da Constituição Federal, que veda a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais vertidas pelos próprios trabalhadores e pelos empregadores e empresas com base na remuneração a eles devidas, para despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência.

Por se tratar de um grupo imenso de pessoas, responsáveis inclusive pela sustentação do próprio Estado, haja vista que além de contribuintes da previdência são também contribuintes de impostos, sobressai o interesse público e se opera, mesmo em relação à cobertura estritamente previdenciária, o dever subsidiário do Estado, consubstanciado na norma contida no parágrafo único do art. 16 da Lei n.º 8.212/91, que dispõe: “a União é responsável pela cobertura de

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Os outros modelos apontados por Sacha Calmon Navarro Coêlho são: um financiado “por meio de pagas específicas dos segurados” e o outro “através de impostos ou adicionais de impostos afetados a tal finalidade (caso dos impostos afetados à seguridade social, como é o caso da CSLL, PIS e Cofins).” (Contribuições no direito brasileiro: seus problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 34-35.)

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BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p.124-5.

eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual.”

Novamente recorremos às reflexões do cientista político Dieter Benecke:

O Estado tem recursos próprios que pode usar para apoiar atividades no campo social. Nesse sistema, opera-se de acordo com a responsabilidade individual, a solidariedade de todos os assegurados e de acordo com o princípio da subsidiariedade, isto é, o Estado adianta os recursos necessários caso a responsabilidade individual e a solidariedade não busquem os recursos requeridos para conseguir a justiça social.100

Evidencia-se o caráter contributivo que rege o regime geral. De um lado está a parcela da população que tem justificado interesse na cobertura de determinados riscos sociais, de outro, o Estado, como articulador e executor dessa proteção. De um lado está o dever desta população de contribuir, do outro está o direito à proteção, sobressaindo dessa correlação o caráter contributivo da Previdência Social, particularmente de seu Regime Geral, que ora nos interessa.

Necessário sublinhar que a correlação apontada, fundamento da instituição das contribuições sociais, não significa dependência entre as obrigações próprias das relações jurídicas que se instauram entre o órgão previdenciário e o beneficiário. O valor da contribuição devida por este não guarda necessariamente equivalência com o risco coberto; tampouco seu direito à proteção pode ser elidido pelo não recolhimento da contribuição previdenciária.

O caráter contributivo nos remete ainda à idéia de retributividade, segundo a qual as contribuições eminentemente previdenciárias não podem financiar atividades estatais que não sejam em prol do grupo protegido.

Por fim, o fato de as contribuições devidas pelos trabalhadores e os benefícios previdenciários que lhe são garantidos terem a mesma base de cálculo, qual seja, o salário-de-contribuição, é mais uma evidência do caráter contributivo da Previdência Social e da forma como este se realiza no âmbito do Regime Geral, que será estudado a seguir.

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BENECKE, Dieter W. Política social em tempos de reformas. In: BENECKE, Dieter W., NASCIMENTO, Renata (Orgs). Política social preventiva: desafio para o Brasil. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer – Stiftung, 2003, p. 13.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008 (páginas 51-55)