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A trajetória profissional: do campo até a construção

3.2 Os caminhos percorridos até a construção civil

3.2.3 A trajetória profissional: do campo até a construção

Do campo até a construção, foram vários os caminhos trilhados pelos dezoito entrevistados de origem rural. Entre eles, Antônio, Diego, Mário, Isaac, Matheus, Danilo e Francisco39 tiveram o segundo emprego na construção de edificações. Entretanto, somente Antônio e Diego continuaram trabalhando no setor desde a época em que deixaram o campo em sua cidade natal.

Antônio é pedreiro há trinta e dois anos. O começo na construção aconteceu após uma geada na lavoura de café, quando uma empresa de construção civil de São Carlos foi até o Paraná à procura de mão-de-obra e “de uma leva só, trouxe um ônibus cheio de jovens do campo [lavoura de café] para trabalhar na construção”, conforme nos relatou:

A lavoura deu uma fracassada então a gente para viver tinha que procurar outro meio. Na época a construção civil foi à única opção que apareceu. A gente não tinha estudo e tinha família para cuidar. A construção facilitava as coisas para gente (Antônio, pedreiro).

No início foi ajudante, depois passou para pedreiro, mestre de obras e, nos últimos anos, sem conseguir mais empregos registrados, passou a trabalhar por conta própria como pedreiro.

Na primeira empresa fui ajudante e depois pedreiro. Eles queriam que eu fosse mestre de obras, mas eu não quis. Depois eu fui trabalhar para os filhos deles aí eu passei a trabalhar como mestre de obras. Na primeira empresa que me trouxe da roça eu fiquei cinco anos. Aí fui para Novo Solo, trabalhei mais dois anos no Novo Solo. Trabalhei mais dois anos e pouco para o Emílio Manzan, era uma imobiliária que tinha aqui, eu era o pedreiro deles. Aí trabalhei também seis meses na Universidade Federal como pedreiro, durante a construção de vários prédios. Trabalhei para outra construtora dois anos e seis meses. E, ultimamente trabalhei bastante por conta. Depois trabalhei 9 anos como mestre de obras. Eu saí da solução em 2001, 2002? Já faz uns 4 anos que estou trabalhando como autônomo. Comecei a trabalhar como autônomo por causa da idade. É mais difícil arrumar serviço. É bem mais fácil trabalhar assim, como autônomo (Antônio, pedreiro).

Neste caso, o trabalho por conta própria foi à única opção diante da falta de emprego registrado. Trabalhar por conta própria pode trazer maiores rendimentos, bem como maior liberdade profissional, como no caso do Antônio, porém, na fala dos entrevistados significa

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Os irmãos Danilo e Francisco dividem a jornada de trabalho entre a atividade de pedreiro e operário metalúrgico. Entretanto, devido à riqueza de detalhes, descreveremos, em um item à parte (3.4.1), a história profissional dos irmãos.

aumento da jornada de trabalho e instabilidade de renda. Para muitos a ausência de vínculos empregatícios, regulamentação trabalhista ou qualquer cobertura em termos de seguridade social, traz insegurança. Para Antônio:

Trabalhar por conta não dá certo. Tem mês que tira oitocentos, tem mês setecentos, tem mês que tira mil [reais]. O salário registrado é menor, mas a gente tem horário de trabalho e carteira assinada. Por conta eu trabalhava muito mais e tinha que pagar como autônomo. Registrado eu podia fazer bicos, aumentar a renda. Por conta eu não podia fazer divida ou comprar parcelado. Eu nunca sabia como seria no mês seguinte. Já antigamente, mesmo sem saber se ficaríamos muito tempo na mesma construtora, a gente sabia que sobrava vaga para operário experiente. Então, era mais fácil planejar as coisas (Antônio, pedreiro).

A fala de Antônio mostra a alta instabilidade do emprego e a alta rotatividade do subsetor que caracteriza as décadas recentes. A argumentação de Lima (1995) é bastante pertinente para se compreender os efeitos da instabilidade de emprego na construção de edificações. Para o autor, as empresas do setor buscam manter alto grau de flexibilidade em termos de recursos humanos. Porém, ao mesmo tempo em que as práticas de subcontratação, terceirização ou parcerias possibilitam às empresas maior flexibilidade diante das oscilações do mercado, geram diferenças salariais, falta de coesão do pessoal e de comprometimento com as metas da organização, divergências entre o tipo e característica do trabalho executado por cada grupo e insegurança ao trabalhador que atua nestas condições.

Antônio afirma que, até os anos 90, era mais fácil encontrar empregos registrados na construção civil. No seu ponto de vista, a rotatividade de emprego no setor foi sempre alta já que é rotina as construtoras demitirem grande parte dos operários com o término do empreendimento. No entanto, nas décadas anteriores, o quadro de instabilidade institucionalizada, alta rotatividade, impermanência e descartabilidade era mais facilmente enfrentado pela força de trabalho devido à maior oferta de empregos registrados. Antônio relata que os operários da construção sempre foram descartados ao término do empreendimento, porém um bom pedreiro conseguia emprego mais facilmente. Segundo ele:

Antigamente, a gente ficava desempregado por pouco dias. Saí de uma firma e já arrumava emprego, emprego bom, com carteira. Hoje você passou de 45, 50 não querem mais nada! Até a molecada mais nova não pode mais perder um emprego registrado na construção, pois quando sai da firma não encontra nada. Aí tem que trabalhar por conta ou ganhar por dia sem direito nenhum. A última vez que trabalhei registrado eu sai porque pedi a conta, pedi para sair, mas não foi porque queria trabalhar por conta, foi por causa de desentendimento. Eu tive problema com o menino lá. Quando sai de lá eu ainda fui atrás de duas empresas, mas não deu certo. Então eu deixei quieto. É por causa da idade que não pega mais. Só me restou trabalhar por conta (Antônio, pedreiro).

Atualmente, Antônio assinou um contrato temporário com o padre da paróquia que está reformando. Durante um ano vai receber mil reais por mês, com carteira assinada. Depois, pretende voltar para o Paraná, sua cidade natal, para plantar café, pois “há trinta e dois anos sonho com este dia”. No trecho abaixo, Antônio expõe detalhadamente este sonho:

Desde o dia que comecei na construção a única coisa que eu penso é aposentar e trabalhar na roça. Já era para eu estar aposentado. Eu entrei com os papeis, mas está demorando muito. Se eu não desse conta de trabalhar e dependesse da papelada eu estava passando fome. Na roça eu vou plantar café. Toda a vida o meu sonho foi voltar para a roça, para o Paraná. Meus irmãos estão lá. Minha filha e meu genro sabiam da minha vontade e ficavam preocupados comigo, porque sempre trabalhei e não sei ficar sem uma ocupação. Eles compraram a terra, eu ajudei com tudo que eu tinha. Eu ia para lá no meio do ano passado porque minha aposentadoria está bastante enrolada, aí o padre pediu para eu fazer o serviço. Mas quando eu vim eu achei que seria rápido, que seria menos, aí foi aumentando, aumentando. Acho que devo ficar até o meio do ano, espero que não, mas devo ficar porque ainda tem toda a parte externa da igreja, estacionamento, tem porta para abrir, tem reforma da casa paroquial. Na roça tem muito serviço, eu tenho muito amigos, então não vai faltar serviço (Antônio, pedreiro).

Assim como Antônio, o entrevistado Diego também continuou trabalhando na construção desde que deixou o setor primário. A história de Diego difere em dois pontos da trajetória de Antônio. O primeiro diz respeito à forma de inserção no setor e o tipo de relação de trabalho. Diego deixou a plantação de banana e, em meados da década de 90, migrou para a São Carlos atrás de serviço. Na época, começou na construção sem registro em carteira, trabalhando como servente e ganhando por dia de serviço. Enquanto, na década de 70, Antônio migrou do Paraná já registrado em carteira para trabalhar na construção, Diego apenas conseguiu um trabalho registrado com os anos de experiência, trabalhando, primeiramente, para uma subempreiteira de mão-de-obra como servente para, anos depois, ser efetivado pela construtora.

O outro ponto de divergência nas duas histórias é que desde que foi contratado Diego nunca enfrentou problemas com a falta de continuidade dos serviços na construção, na medida em que faz parte do quadro efetivo de funcionários da construtora40, normalmente, remanejados para outros canteiros após o término da obra. Além do mais, mesmo na ausência de novos empreendimentos, o trabalho de Diego se faz forçoso, pois cabe a ele o conserto e as reformas dos imóveis entregues aos moradores em caso de avarias ou problemas de

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Diego explica que apenas os operários altamente especializados fazem parte do quadro de funcionários da construtora. Entre eles, os mestre-de-obras, carpinteiros, ferreiros e pedreiros especializados. Os demais operários são contratados temporariamente, através de empreiteiras de mão-de-obra ou como prestadores de serviços.

manutenção durante o prazo de validade estabelecido pela construtora, conforme evidencia o depoimento abaixo:

Comecei com um serviço particular para fazer assim que cheguei. Era um sobrado. Eu era sem experiência, era servente. Fiquei um ano e pouco trabalhando para meu primo. A gente trabalhava junto. Pegava o serviço, construía e entregava pronto. Aí depois eu entrei aqui na construtora. Trabalhava para um gato, empreiteiro de mão-de-obra. Tinha registro, fiquei 4 anos como servente, era subcontratado. Eu fazia limpeza das obras, aí depois fui aprendendo, me tornei um profissional. Aí tem quatro anos que eu sou responsável pelo acabamento final. Eles me contrataram. Só pego os apartamentos prontos. Eles gostaram do meu jeito mais quieto, confiaram em mim. Porque tem que ser de confiança para entrar nas casas dos compradores depois que elas estão prontas (Diego, acabamento final).

A oportunidade de ganhos superiores trabalhando por conta própria não atrai Diego, pois, como ele nos explica, não trocaria seu emprego atual pelo sonho de ser autônomo. Apesar da grande procura pelo seu serviço, Diego afirma que o trabalho como autônomo somente seria uma opção diante do desemprego.

Conheço todos os moradores. Já entrei em cada apartamento entregue. Todos os dias me ligam para fazer bicos de pintura, hidráulica, troca de vidro. Aparece bastante. Faço bico todo sábado. Eu não paro. De bico eu tiro mais 300, 350 reais. Eu já conto com este dinheiro, é um extra para ajudar. Sei que não faltaria emprego se eu trabalhasse por conta. Mas não me iludo. Posso quebrar a cara! Prefiro ganhar menos e contar com a grana todo mês (Diego, acabamento final).

Em comum, Antônio e Diego começaram ainda jovens na construção. No caso de Mário, o trabalho de servente tornou-se opção de emprego com mais de 42 anos de idade. Mário começou trabalhando na plantação do seu pai e durante vinte e um anos, 1973 a 1994, administrou uma fazenda da região. O último dono da fazenda foi a igreja adventista. Mário explica que, no final da década de 90, a igreja comprou a fazenda e transformou a área em acampamento religioso. Durante nove anos, os fiéis da igreja adventista tentaram convertê-lo e evangelizá-lo. Porém um dia, depois de várias tentativas, o pastor da igreja disse que os fiéis achavam indispensável que todos os empregados do acampamento fossem seguidores da igreja adventista. Segundo Mário “Eles quiseram me batizar, aí eu sai. Eles disseram: - agora batiza ou sai. Sou católico, seguidor de Nossa Senhora. Aí eu preferir sair. Nasci para trabalhar na roça. Continuo procurando serviço para plantar ou cuidar de criação. Vim para cidade, mas minha alma é do campo”. Mário não conseguiu mais encontrar emprego nas fazendas da região e, por isso, alugou uma casa na cidade e começou a trabalhar como servente em uma empresa de construção civil. Em 1997, a empresa demitiu seus funcionários e subcontratou mão-de-obra como uma das estratégias adotadas. Com isso, Mário ficou desempregado e, na época, só conseguiu arranjar empregos ocasionais como bicos para limpar

terreno baldio e carregar caçamba de entulho. Depois, com ajuda de um amigo, foi contratado por uma empresa de gás de cozinha e, atualmente, retornou a construção civil. No entanto, como nos relatou, “nem na construção eu consigo mais achar trabalho com carteira assinada. Patrão nenhum registra uma pessoa de 55 anos, só com a quarta série”.

Do mesmo modo, Isaac não conseguiu estabilidade de emprego na construção de edificações. Isaac ficou desempregado após o término de uma obra, precisando buscar emprego em outros setores. Realizou serviços de limpeza de rua, trabalhou nas fazendas da região até retornar novamente a construção de edificações. Isaac descreve que, aos 17 anos trabalhava em uma plantação de uva em Gaporã na Bahia, era tratorista da fazenda que seu pai administrava. Nos fins de semana, reformava a colônia da fazenda junto com seus irmãos. Aprendeu o ofício de pedreiro e, durante treze meses, construiu novas casas dentro da fazenda. Por indicação de alguns amigos, conseguiu um emprego na construção de edificações. Segundo ele:

Com 19 anos vim para São Carlos. Cheguei para trabalhar em uma firma. A construtora Carlos Teixeira. Eles construíam condomínio de rico. Fiquei com eles dois anos e oito meses. Eu era registrado. Eu lembro do meu último pagamento, 480 reais. Eles foram construir outro empreendimento na cidade de Americana, mas eu decidi ficar na cidade. Na construção a gente tem que acompanhar as obras, mas eu já tinha família na cidade. Eles me deram seguro desemprego direitinho (Isaac, pedreiro).

Sem encontrar emprego registrado na construção de edificações, Isaac trabalhou dois anos e meio em uma firma terceirizada de limpeza de rua, contratada pela prefeitura de São Carlos. Quando a firma perdeu a nova concorrência, Isaac voltou a procurar emprego de pedreiro com carteira assinada. Porém, somente encontrou serviço registrado em uma fazenda de leite. Após três anos, foi demitido e conseguiu um novo emprego em uma fazenda de confinamento de boi por um ano e nove meses. Com apenas dois anos de estudo, não mais preenchia os critérios para trabalhar na fazenda, segundo ele “para cuidar de boi eles passaram a exigir no mínimo a quarta série”. Novamente desempregado, Isaac voltou a trabalhar como pedreiro, sem carteira de trabalho assinada, ganhando quinzenalmente, 40 reais por dia trabalhado. No entanto, conforme nos relatou, acha muito arriscado o trabalho sem registro, por isso, começou a trabalhar como segurança no sábado e domingo à noite. Além de ganhar mais cinqüenta reais por noite, espera conseguir a efetivação na firma de segurança. Desta forma, poderá ter carteira assinada e continuar trabalhando como pedreiro nos dias de folga.

Nos discursos acima fica evidente a busca pelo emprego estável e com garantias. Para Forrester (2001), à medida que decresce a oferta de emprego assalariado com registro se

generaliza à insegurança aumentando, conseqüentemente, a procura e o desejo pela estabilidade.