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O principal reflexo do crescimento do mercado da construção habitacional nos últimos quatro anos é o aumento no nível de emprego. Entretanto, é importante mencionarmos que a maior oferta de empregos formais é também acompanhada pela expansão da oferta de empregos informais e aumento do número de “gatos”. Para o presidente do Sindicato da Construção Civil de São Paulo, as medidas adotadas pelo atual governo contribuem com a aceleração “de um quadro trágico, com o trabalhador executando suas funções na informalidade, sem direitos trabalhistas como 13º salário, férias, recolhimento de seus dividendos junto à Previdência e, principalmente, o incremento das tarefas” (RAMALHO, 2008, p.1).

Números da RAIS20, sintetizados na Figura 2.1, revelam que o número de trabalhadores registrados no setor da construção civil retraiu em 9,8% entre 1997 e 2003, passando de um total de 1.161.931 para 1.048.251. Há que se considerar que tal redução era uma plausível demonstração do processo de reestruturação produtiva que enfrentava o setor

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“A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) é um registro administrativo, instituído pelo Decreto 76.900/75, o qual determina que todas as empresas do setor formal no Brasil devem declarar ao Ministério do Trabalho e Emprego as relações de emprego que registraram durante o ano. Essa declaração deve ser feita uma vez por ano e contém informações relativas às relações de emprego formalizadas em qualquer período ao longo do ano anterior. Dessa forma, a RAIS tenta representar um censo anual do emprego formal, a partir de informações secundárias” (PERTICARRARI, 2003, p.01).

nos últimos anos, marcado pelo enxugamento de pessoal, pela subcontratação e terceirização de serviços e da mão-de-obra, pela grande utilização de profissionais autônomos, pela abertura de pequenas empresas informais, bem como pelo processo de redução dos investimentos estatais e pelo desaquecimento do setor (TAIGY, 2000). A partir de 2004, os investimentos na construção ocasionam o aumento gradativo do emprego na área, passando de 1.118.570 trabalhadores registrados na construção em 2004 para 1.393.446 em 2006.

0 500.000 1.000.000 1.500.000 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Anos

Fonte: elaboração própria a partir dos dados da RAIS - 1997 a 2006 (on-line).

FIGURA 2.1 – Evolução do Emprego Formal na Indústria da Construção Civil (Brasil: 1997 a 2006) – Total/construção/ano.

Conforme o levantamento do SindusCon-SP (2008), o nível de emprego da indústria da construção civil fechou 2007 com alta de 13,3%, a maior desde 1995. Em 2007, foram criados 206,6 mil empregos formais. Estima-se que o setor empregue próximo de quatro milhões e meio de pessoas, sendo que cerca de 65% trabalham sem registro em carteira profissional.

A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é uma das poucas fontes capazes de mostrar um panorama da informalidade. O aumento da informalidade na década de 90 é comprovado pela ausência de correlação entre o nível de produção e o nível de emprego, visto que nos períodos de crescimento do setor houve uma redução do nível de emprego. No ano de 2002, a PNAD revelou que, para cada trabalhador da construção civil com registro em carteira, existiam aproximadamente quatro operários na informalidade. Observa-se na Tabela 2.2 que, dos quase 5,6 milhões de trabalhadores, cerca de quatro milhões não eram registrados, representando 71,8% do total de trabalhadores fora da rede de proteção social do estado (IBGE/PNAD, 2002). Número de trab alh adores regi strado s

TABELA 2.2 – Participação da construção civil no mercado informal (BRASIL/PNAD/2002).

Total Formal Informal Participação

Informal Construção Civil 5.558.379 1.604.807 3.994.520 71,8% Total de trabalhadores 78.179.622 35.143.804 43.035.818 55% Participação da Construção Civil (%) 7,1% 4,6% 9,3%

Fonte: PNAD (2002) – IBGE.

Os resultados da PNAD de 2004 apontam uma expansão dos empregos protegidos acompanhada da perda de fôlego do emprego informal. No grupamento da construção, houve aumento substancial no número de empregados com carteira assinada, entre 2003 e 2004, cerca de 12,7%, sinalizando, segundo IBGE (2005), o aquecimento do segmento das grandes construtoras. Por outro lado, também cresceu em 5% o número dos trabalhadores da construção sem carteira. Os dados mostram ainda que cerca de 70% dos operários não registrados trabalhavam em empreendimentos da construção com até cinco ocupados. Nesse mesmo período, os trabalhadores por conta própria tiveram redução de 4,6% (IBGE, 2006).

Em 2006, a PNAD revela o aumento do percentual de trabalhadores formalizados, o maior desde o início dos anos 90. Os recolhimentos previdenciários cresceram 25% entre 2001 a 2006, perante uma elevação da população ocupada da ordem de 16%. A PNAD de 2006 também confirmou que do total de 29 milhões de brasileiros que não contribuem para a Previdência Social, cerca de 15 milhões têm condições de recolher pagamentos ao INSS, caso contribuíssem com R$ 34,30 mensais, o equivalente a 11% do salário mínimo21. Com relação às atividades, entre os trabalhadores desprotegidos, a construção (16,13%) é ainda o setor com maior quantidade de trabalhadores informais, apesar da sua recente expansão (IBGE/PNAD, 2006).

Estimativas do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo apontam que a informalidade ultrapassa o percentual de 70% em 2006 (SINDUSCON-SP, 2008). Se projetarmos este percentual para os valores formais da construção contabilizados pelas Rais 2006, podemos inferir que para o total de 359.852 trabalhadores formais no estado de São Paulo, existem cerca de 830.000 informais. O mesmo cálculo pode ser feito para São

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Cacciamali (2000) afirma que a não inclusão aos sistemas de proteção é um fenômeno que atinge os trabalhadores e o Estado: os trabalhadores informais, sem as garantias sociais, permanecem posicionados em uma condição de ausência de direitos e de obrigações; o Estado, diante da sonegação, fica sem receita para cumprir as obrigações da Previdência Social e para implementar outras políticas sociais.

Carlos. Neste caso, 1.735 trabalhadores eram formais em 2006, podendo existir próximo de 4000 trabalhadores informais na construção civil em São Carlos.

Embora sejam projeções, podemos afirmar que os contratos informais se sobrepõem aos formais no setor. A grande maioria dos trabalhadores da construção civil recebe pelas horas trabalhadas ou trabalha por tarefa, os chamados “tarefeiros” – autônomos registrados como pessoas físicas, que contratam trabalhadores para obras, sem vínculo. A terceirização em empresas também contribui para a informalidade, uma vez que muitos dos contratos não são formalizados, além disso, empresas formais da área utilizam a tática de assinar a carteira de apenas metade ou uma pequena parte dos trabalhadores (SINDUSCON-SP, 2008).

É importante mencionarmos que este contexto pode ser combatido com a imposição de multas, cobranças das contribuições sociais e até embargo da obra (SINDUSCON-PR, 2005), entretanto, não é isso que ocorre na prática. Apesar da existência da NR-18 – legislação específica para a indústria da construção (criada em 1983 e alterada em 1995 pelo Ministério do Trabalho e Emprego22) e da criação do Comitê de Combate à Informalidade, o quadro de precariedade das condições de trabalho e das relações contratuais é densamente presente neste setor.

No caso de São Carlos, os auditores fiscais entrevistados23 afirmaram que a maior parte das ações de fiscalização ocorridas acontece nas plantações de laranja e cana de açúcar, devido aos casos recentes de trabalho quase escravo e mortes por exaustão. Explicam que a construção está “num período de baixa na cidade”. Neste caso, não se referem ao número total de empreendimentos, já que é evidente o crescimento de condomínios horizontais na cidade, bem como a expansão do setor de acordo com os dados da Rais. Para eles, trata-se de um período de baixa porque há pouquíssimas obras verticais ou de grandes proporções. As ações realizadas voltam-se, portanto, principalmente para a adequação dos canteiros de obra às condições mínimas de segurança, principalmente, quanto ao uso dos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC), e averiguação dos casos de óbitos e acidentes graves na construção. Explicam que nos últimos anos foram feitas algumas ações para combater a irregularidade dos contratos de trabalho, como por exemplo, o embargo da obra do Teatro Municipal, devido ao

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NR 18 é a Norma Regulamentadora das condições e meio ambiente de trabalho na indústria da Construção, cujo intuito é estabelecer “diretrizes de ordem administrativa, de planejamento e de organização, que objetivam a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos de segurança nos processos, nas condições e no meio ambiente de trabalho na Indústria da Construção” (BRASIL/MTE, 2005).

23 Foram feitas duas entrevistas no dia 03/04/2008 com auditores fiscais (engenheiros) da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (antiga Delegacia Regional do Trabalho – DRT) da cidade de São Carlos.

não pagamento dos funcionários, ou a realização de “tocaias24”, na porta dos grandes empreendimentos verticais da cidade.

Ações como essas demonstram a importância do aumento do número de fiscalizações para o combate da informalidade no setor, bem como sua expansão para obras menores, tais como: casas, sobrados e construção de prédios de até quatro andares. Porém, algumas cidades possuem número insuficiente de fiscais ou, como no caso de São Carlos, possuem outras prioridades. Apesar da necessidade do aumento do número de fiscalizações, Ghisi (2001) afirma que tanto as prefeituras como o CREA – Conselho Regional de Arquitetura e Engenharia – somente buscam autuar e intimar a regularização de obras clandestinas em períodos de baixa arrecadação. Ao intimar a regularização dos tributos, a autora conclui que o poder público obtém maior arrecadação, contudo, ao mesmo tempo, consente às construtoras irregulares a obtenção de vantagens financeiras através da informalidade, ratificando, conseqüentemente, a exclusão social vivenciada pelos trabalhadores informais. Um trecho retirado de uma entrevista feita pela autora com um diretor de uma construtora de médio porte é ilustrativo a esse respeito:

Nós temos falhas na nossa legislação e no cumprimento dela. Hoje, por exemplo, o INSS admite que um proprietário qualquer, que tenha feito uma construção, vá lá e quite o INSS da obra, sem comprovar que teve empregado registrado. Pagou a taxa, chegou no que eles querem e está tudo certo.[...] a informalidade é aceita e legitimada pelo próprio órgão arrecadador e fiscalizador (GHISI, 2001, p.111).

Iniciativas locais como os Comitês de Combate à Informalidade na Construção Civil buscam incentivar a legalização na construção de obras, uma vez que a legislação de segurança, trabalhista e previdenciária não vêm sendo cumpridas nos canteiros, principalmente o registro em carteira de trabalho (SINDUSCON-PR, 2005).

Os comitês almejam recuperar os direitos dos trabalhadores à cidadania e à proteção social, pois sem o registro em carteira, esses trabalhadores não compõem um corpo coletivo e nem estão incluídos dentro do sistema de proteção social. No estado de Pernambuco, por exemplo, o estabelecimento de contratos temporários e o direito de formação de banco de horas não foram aprovados em convenção coletiva de trabalho realizada pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil. Tais decisões fazem parte da luta do sindicato local em defesa dos trabalhadores e ao combate da informalidade. Para o sindicato de Pernambuco as cooperativas de operários favorecem o agravamento da informalidade, uma

24 Aguardam a entrada dos trabalhadores no inicio do turno para verificar a relação contratual. Anotam nome por nome e autuam a construtora por cada caso irregular.

vez que o trabalhador recebe o status de empresário, perdendo, desta forma, as garantias de estabilidade, o registro em carteira de trabalho e, além disso, não priorizam as práticas de prevenção em segurança e higiene do trabalho (TAIGY, 2000).