• Nenhum resultado encontrado

A dupla jornada de trabalho dos irmãos metalúrgicos: o ofício de pedreiro e o desejo por

3.4 Instabilidade de renda: o papel do “bico”

3.4.1 A dupla jornada de trabalho dos irmãos metalúrgicos: o ofício de pedreiro e o desejo por

Durante a pesquisa de campo verificamos a presença de sete metalúrgicos trabalhando em três das obras visitadas. Conforme descrevemos detalhadamente no Apêndice B, a maioria dos casos não preenchia o tempo mínimo de cinco anos de trabalho no setor, pois, trabalhavam eventualmente na construção durante os dias de folga para aumentar a renda familiar. Entretanto, para os irmãos Danilo e Francisco, a construção civil não é um “bico” ou um trabalho temporário, pelo contrário, trata-se de um caso de dupla jornada de trabalho.

Danilo e Francisco começaram ainda adolescentes a trabalhar no campo com criação de gado, com 13 e 12 anos respectivamente, ajudando o pai no cuidado do rebanho. Nos últimos anos do ensino médio, a convite de um tio, passaram a trabalhar como ajudante de pedreiro, após o período de aula, para complementar a renda familiar. Depois de um ano e meio, aprenderam o ofício e, incentivados pelo Tio construíram a primeira obra sozinhos. Danilo e Francisco contam que, no início, trabalhavam por empreitada, mas não negociavam direto com os proprietários devido à falta de experiência, segundo Francisco:

A gente começou na construção porque nossos parentes já trabalhavam, aí precisavam de ajuda e a gente de grana, aí nos levaram. Ficamos um ano e pouco com ajudante, aí depois fui trabalhar para mim mesmo. Mas, mesmo assim tinha um empreiteiro que era intermediário. Nós pegávamos o serviço dele. Ele conseguia do proprietário, e eu, meu irmão e meu cunhado fazíamos. Ele enfiava a faca na gente, mas como a gente não tinha competência para negociar era a única opção. A gente também não sabia calcular certinho o material. Hoje a gente sabe (Francisco, pedreiro).

Assim que concluíram o segundo grau completo buscaram um emprego no setor metalúrgico, pois não viam futuro na atividade de pedreiro por eles desempenhada desde a juventude, quando aprenderam o ofício com parentes. Eles explicaram que sua mãe os incentivava a procurar um emprego mais estável, com carteira de trabalho. Em 1999, os irmãos entregaram o currículo em uma grande metalúrgica da cidade e, meses depois, o Danilo foi chamado para trabalhar na linha de produção e, em seguida, o Francisco.

Nossa mãe dizia que peão não tem futuro. Ela enchia a nossa cabeça. Falava que íamos terminar igual nosso tio. Falava que tinha se sacrificado à vida toda para ver a gente estudar e que morreria de desgosto de ver a gente a vida toda sujos de cimento. De tanto ela falar, a gente foi atrás, entregamos nossos currículos. Mas, a gente gosta mesmo é da pá [instrumento de trabalho]. A gente é pedreiro, entende? Mas, minha mãe continua achando que não é profissão de gente estudada (Francisco, pedreiro).

Mesmo após conquistarem a “estabilidade” no setor metalúrgico, continuaram trabalhando como pedreiro porque eram conhecidos na cidade e sempre tinham uma nova obra antes mesmo de terminarem aquela que estavam executando. Além disso, a dupla jornada aumenta a renda familiar e permite a aquisição de bens materiais e de consumo. Danilo explica:

Quando consegui o emprego na metalúrgica, eu coloquei na cabeça que ia terminar a obra que eu estava fazendo e depois parar de trabalhar. Nos primeiros meses, meu irmão ainda não tinha sido chamado. Então, eu saia direto da fábrica, às seis da manhã e ia ajudar meu irmão. Quando meu irmão foi chamado ainda não tínhamos terminado a obra. Então, ele pediu na

metalúrgica para trabalhar no período da tarde. Ele não explicou os porquês lá na fábrica, mas era para poder me ajudar de manhã na obra. Era um casarão e a gente já tinha pegado. A gente tinha em mente que ia parar depois da obra, só que acabamos pegando outro serviço, outro e outro. Para falar a verdade nunca mais paramos, pelo contrário, nunca mais faltou serviço. Às vezes a gente tira um dia, dois para descansar, mas há oito anos a gente emenda uma obra na outra. Além de não faltar nada para nossa mãe desde que nosso pai foi embora, a gente já comprou o carro, financiou nossa casa e dá para comprar besteiras de comer e vestir melhor (Danilo, pedreiro).

Há quase oito anos ininterruptos, eles dividem o trabalho de pedreiro com o de metalúrgico, numa jornada diária de trabalho superior a quatorze horas. Danilo trabalhava na metalúrgica das 23:00 às 6:30 horas, durante o turno da noite. Após as 6:30 horas da manhã, passava em casa, tomava café, acordava seu irmão e às sete horas já estavam na obra. Próximo às duas da tarde, Francisco deixava a obra, almoçava em casa e ia trabalhar na fábrica, durante o turno vespertino, das 14:45 às 23:00 horas. Danilo continuava na obra até por volta das 15:00 horas. Em seguida, almoçava e ia dormir. Às vinte e duas horas acordava, jantava e às 23:00 horas começava novamente o turno na metalúrgica. Para dar conta da dupla jornada, os irmãos reorganizam a vida cotidiana e o turno de trabalho de forma a acomodar o horário de sono com os afazeres na fábrica e na construção. Danilo trabalhava das 23:00 até as 15:00 horas do dia seguinte e dormia após as 16:00 até próximo às 22:00 horas e Francisco trabalha das 7:00 até as 23:00 horas e costuma dormir depois da meia-noite até as 6:30 horas da manhã seguinte.

Esta estrutura temporal do trabalho pode ser nociva para a saúde física e mental destes trabalhadores. A dupla jornada de trabalho, além de reduzir o tempo de lazer, é vista como um das possíveis causas de adoecimento em decorrência do trabalho, pois pode ocasionar desgastes físicos, distúrbios músculos-esqueléticos, cansaço físico e mental, em decorrência da redução do tempo de repouso e do excesso de carga de trabalho.

No caso de Danilo, além da dupla jornada, há a agravante do trabalho noturno. Rotenberg et al. (2001) explicam que o trabalho noturno provoca grandes mudanças na vida dos homens e das mulheres como a saúde, o cotidiano, o lazer, os estudos, assim como as relações amorosas devido à necessidade de se manter em vigília à noite e de repousar de dia. Danilo justifica a opção de trabalhar à noite, ao invés do seu irmão, por ser mais velho e mais resistente, segundo ele:

O Francisco reclama de trabalhar muito. Se fosse ele que tivesse que passar a noite em claro e só dormir no final da tarde acho que ele não agüentaria. Como sou o irmão mais velho, preferi ficar um pouco mais sacrificado (Danilo, pedreiro).

Sobre a jornada de trabalho, Danilo explica que para ele o trabalho noturno trouxe maiores conseqüências, pois o seu horário de sono e os poucos momentos de lazer são desencontrados com os horários da sua família, namorada e comunidade em geral. Por outro lado, o ritmo de trabalho intenso e o cansaço no fim de semana afetam tanto para o Danilo quanto para Francisco a relação com as namoradas, pois “elas cobram o tempo todo a nossa presença. Sei que é loucura o que a gente faz, mas vai permitir um maior conforto daqui uns anos”. Os irmãos vivenciam constantemente o desejo de “liberar tempo” para trabalhar na construção e na metalúrgica e ainda manter uma vida social para conviver com a família e namoradas. Segundo Francisco:

Não sei o que é pior. Minha mãe falar que fica sempre sozinha desde que meu pai foi embora para o Mato Grosso ou minha namorada dizer que gosto mais do trabalho do que dela. Eu e o Danilo tentamos sempre liberar tempo para elas (Francisco, pedreiro).

Até o início de 2007, os irmãos mantiveram a dupla jornada de trabalho. Atualmente, apenas Francisco continua na metalúrgica e Danilo trabalha o dia todo na construção de um sobrado após sua demissão:

Fui demitido dia seis de janeiro [2007]. Fiz esta jornada de trabalho desde 99. Às sete da manhã a gente já estava na obra. Tinha dia que dava umas 15 à 16 horas de trabalho Só parei agora porque me demitiram. Me demitiram porque eu não fazia muita hora extra pela firma. Eu sempre pedia para não colocarem meu nome, mas não podia explicar que trabalhava como pedreiro e por isso não fazia hora extra. Agora que me demitiram, meu irmão não está vindo todos os dias porque ele começou a fazer bastante hora extra pela firma, para eles não demitirem ele também. Aí peguei este colega meu que também foi demitido para ir me ajudando até as coisas se acalmarem para meu irmão. Foi leva de demissão, quem envolveu na greve foi embora. A metalúrgica tem um relacionamento com o sindicato diferente. Ajeita o lado do sindicato e prejudica a gente. Fui me envolver em greve e acabei sendo prejudicado (Danilo, pedreiro).

Danilo afirma que apesar da sobrecarga causada pela dupla jornada de trabalho pretende procurar novamente emprego nas metalúrgicas da cidade. Por enquanto, o seguro desemprego e o fundo de garantia ajudam no pagamento das contas e das prestações. Mas, segundo ele:

Pretendo continuar por muitos anos ainda trabalhando na construção e em fábrica. Eu sou pedreiro, queria viver tranqüilo com a minha profissão. Estas metalúrgicas estão cada vez mais não escolhendo gente como eu. Mas, mesmo assim vou voltar a tentar serviço nas metalúrgicas. Quero garantir um futuro bom para meu filho e minha mãe. Meu irmão também pensa assim. Na hora que acabar o seguro desemprego e a grana que recebi vai começar a apertar. Tem meu carro, a casa e a pensão do moleque. Quero voltar a trabalhar em fábrica, só que fiquei muito queimado por causa da greve. É perigoso depender só da construção. Mas, na metalúrgica eles começaram com demissão voluntária, saiu umas mil pessoas assim. Mas, a gente não saiu por demissão voluntária. Foi por causa da greve, não tem nada haver com corte de posto. Foi por causa da greve. Mas, o sindicato de lá não ajuda, eles tem medo de falar borracha e sobrar para eles (Danilo, pedreiro).

Independente da constância de serviços na construção, os irmãos consideram o trabalho de pedreiro instável. Apesar de nunca faltarem ao serviço, percebem a construção como um ramo de trabalho fechado, inconstante e, por isso, “perigoso” e “nebuloso”. Para Francisco:

A construção está muito difícil entrar na área. Você tem que conhecer muita gente. É uma máfia. Tem que saber aonde pisar. As obras boas ficam nas mãos dos engenheiros e dos empreiteiros. Aí nosso trabalho é desvalorizado por eles. Eles querem ganhar o máximo possível em cima de nós. Tem muita gente nesta área. Engenheiro, empresa, arquiteto. Ficar dependendo só destes biquinhos. Nunca faltou serviço, mas falta obra boa. Fica tudo nebuloso, não dá para prever o mês seguinte. Por isso não dá para confiar. Aí a fábrica dá o suporte que falta. Dá para contar com o dinheiro, nem tanto [...] Meu irmão contou e foi demitido. Mas, pelo menos recebo um dinheiro se for demitido. Tem o fundo, tem o seguro desemprego. O bom é pegar estas obras de condomínio, onde o pessoal tem dinheiro. Lá o preço é diferente. Só que pessoal rico fala direto com empreiteiro e engenheiro. Dá para fazer um serviço sossegado e ganhar um dinheiro bom. Lá vocês não pegam umas buchas desta aqui que você está vendo. A gente está arrumando a casa toda. Era melhor construir do início ao fim (Francisco, pedreiro).

Os discursos dos irmãos revelam o conflito entre exercer o ofício de pedreiro e, conseqüentemente, conviver com a instabilidade, com a necessidade de obter estabilidade de trabalho e de renda através do trabalho assalariado. Apesar dos oito anos de trabalho na metalúrgica, a identidade profissional dos irmãos está totalmente relacionada com a atividade de pedreiro, estando o trabalho metalúrgico relegado ao segundo plano. Desta forma, ser metalúrgico é uma estratégia utilizada pelos irmãos para continuar trabalhando na construção e, ao mesmo tempo, conseguir reduzir a instabilidade de renda.

3.4.2 Aposentadorias reduzidas: renda extra obtida na construção