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A TRANSFERÊNCIA, A CONTRATRANSFERÊNCIA E A RESSONÂNCIA NA PRÁTICA EDUCATIVA

TRANSFERÊNCIA, CONTRATRANSFERÊNCIA E RESSONÂNCIA

3.3 A TRANSFERÊNCIA, A CONTRATRANSFERÊNCIA E A RESSONÂNCIA NA PRÁTICA EDUCATIVA

Neste tópico, vamos transpor do campo psicanalítico e psicoterapêutico as compreensões sobre os fenômenos da transferência, da contratransferência e da ressonância para o campo da prática educativa. Como no campo psicoterapêutico, no campo pedagógico, a transferência do educando para o educador pode ser um bom recurso para vincular-se ao educador, porém a contratransferência do educador será um recurso que, por si, dificultará o processo de vinculação do educando, assim como o atendimento de suas necessidades.

Educador e educando estão inseridos em um campo grupal e geográfico bem delimitado pelo espaço, pelo tempo, pelo currículo que, por sua vez, trazem em seu subsolo os valores e a política do processo educacional vigente. Este campo grupal é também um campo psicológico onde afetos e emoções permeiam todas as relações, gerando o processo de transferência e contratransferência, pois, movimentos, atitudes e demandas escapam ao controle consciente dos sujeitos. É uma situação onde o real e o simbólico se mesclam no processo das relações, ressaltando-se que toda realidade possui símbolos e todo símbolo possui realidade.

Podemos ainda compreender que, nestas relações educador-educando-grupo, cada componente traz seu padrão corporal para dentro do grupo e nessa situação, manejar o processo transferencial também não é uma tarefa fácil. Obviamente, a maior parcela de responsabilidade caberá à parte adulta da relação que é o educador, pois, professores que não ressoam com seus grupos não conseguem se comunicar de forma construtiva. Se ele estiver bem enraizado em sua corporeidade, conseguirá ver que este processo é um convite a que novos ajustamentos se operem de forma criativa e que, na realidade, o que os envolvidos desejam é evitar uma repetição de dores oriundas de suas histórias pregressas marcadas em suas corporeidades. Como poderá o educador restaurar as perturbações ocorridas nas fronteiras de contato entre os sujeitos e que está afetando a fronteira do campo grupal? Ou seja, como poderá o educador manejar, adequada e favoravelmente, os complexos atos transferenciais que se dão na prática educativa, não se perdendo dentro dela?

Lucia Helena Pena Pereira (2005, p.153), em sua Tese de doutorado, sugere que a ludicidade é uma nova possibilidade e recurso de formação para que o educador e o educando possam ultrapassar as dificuldades de contato, abrindo horizontes na comunicação:

A ludicidade assim como a arte, sempre presentes na Bioexpressão, são recursos valiosos para facilitar, o autoconhecimento e a experiência pessoal. Cada um de nós é único, cada cultura é única e a ludicidade é a dinâmica da singularidade, da auto-organização. Considero que ludicidade e a arte “dão voz, olhos e ouvidos”a quem as vivencia, daí sua importância na formação do educador. Se ele é escutado e visto, vivencia a importância de escutar seu educando, de vê-lo de fato, de considerá-lo como um ser humano em formação, vivencia o significado de brincar, de construir, de criar a sua prática pedagógica; vivencia a aprendizagem do cuidar, do afeto, da sensibilidade, da espiritualidade.

Como afirma Paulo Freire (1996, p.21-22): “Não há docência sem discência [...] Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém”. A práxis pedagógica, que hoje nos chama à reflexão, não depende exclusivamente do saber e da autoridade do educador e nem da completa autonomia e autogerenciamento do educando na construção do seu aprendizado.

É preciso garantir e reafirmar o lugar do educador como responsável e construtor da práxis pedagógica a partir de uma posição crítica, social, histórica e humana. Cabe-lhe focalizar e orientar as possibilidades para a produção ou a construção do conhecimento, sabendo, de antemão, que há um parceiro ativo a ser considerado nesta construção, que é o educando. Educar, desta perspectiva, exige inteireza, verdade, humildade, flexibilidade, envolvimento. Dito de outro modo, ser educador requer o constante assenhorar-se de si próprio, de sua corporeidade. Estamos diante de uma relação de intimidade entre educador, educando e grupo, o que implica o corpo como recurso de expressão e relação.

Uma relação de intimidade vai além da disponibilidade para conhecer os saberes curriculares e a experiência social dos educandos. É entender o conjunto das demandas humanas, não restringindo-as à esfera cognitiva da relação; lembrando-se, a partir de sua própria corporeidade, que a grande busca do humano é a integração de si mesmo.

Rubens Kignel (2005 p.14) expressa bem a qualidade da relação de ressonância, quando diz:

Relações que funcionam a partir de experiências ressonantes marcam territórios, educam, ensinam, treinam e criam um contato musical de canto e dança que dinamiza a comunicação, deixando uma melodia, um som, uma imagem que marca o sentido, o encontro muito mais que palavras perdidas e sem conexão com o organismo, simples atributos.

Essa compreensão nos faz entender que os fenômenos transferenciais estão presentes nas relações integrantes da prática educativa, o que implica em que o educador, o adulto da relação pedagógica, de um lado, esteja atento às expressões transferenciais dos educandos, e,

de outro, cuidadoso consigo mesmo para que não reaja ao educando com o mesmo tipo de recurso. Para que uma prática pedagógica transcorra de modo satisfatório, do ponto de vista das relações e dos vínculos, importa que o educador tenha posse de seus afetos e possa administrá-los de forma favorável a sua atuação profissional. Isso, como vimos expressando neste estudo, necessita de dar-se em sua corporeidade, na consciência do que ocorre consigo em seu corpo.

Como nossa formação regular de educadores esteve centrada no aspecto cognitivo e conceitual, temos tido pouca habilidade para operar com os fenômenos transferenciais, que são afetivos e emocionais. Daí, ver em nosso cotidiano escolar, assim como nos depoimentos de estudantes, de pais, mães e, por vezes, da imprensa, relatos desastrosos da relação educador-educando.

3.4 A TRANSFERÊNCIA, A CONTRATRANSFERÊNCIA E A RESSONÂNCIA NA