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FECHANDO ESTE CAPÍTULO: CORPOREIDADE: INTEGRAÇÃO ¬CORPO ¬ PSIQUISMO

4 HIPÓTESES DE ENCAMINHAMENTO DA INTEGRAÇÃO CORPO E PSIQUISMO: UNIDADE E DIALÉTICA

4.4 FECHANDO ESTE CAPÍTULO: CORPOREIDADE: INTEGRAÇÃO ¬CORPO ¬ PSIQUISMO

O ser humano busca continuamente organizar e reorganizar seus vínculos33 e, conseqüentemente, sua maneira de estar no mundo. Vincular-se pressupõe valer-se de um padrão de funcionamento, uma matriz organizada ao longo do desenvolvimento, que se manifesta através do jeito de pensar, sentir, se expressar, se movimentar, etc. É através desse padrão que o indivíduo tem tanto uma referência externa para os outros quanto um sentido de identidade. Esse padrão é também muscular e principalmente somático.

A história pessoal de cada um, inscrita no corpo, molda a maneira como a pessoa se vincula no presente, ensinando-nos através de posturas somático-emocionais. São vários os estágios do desenvolvimento que formam o vínculo. O modo como fomos tocados, acariciados, cuidados determina como nos relacionamos com os outros e conosco. A partir desta experiência, nos diferentes estágios, é determinado um padrão corporal de relação e vínculo, base para todas as relações afetivas, cognitivas, sociais em todos os aspectos da vida.

Assim, uma vez estruturado este padrão, ele será chamado a se manifestar no mundo das relações, em qualquer fase da vida, seguindo seu roteiro (inconsciente, em grande parte) em relação a que tipo de vínculos a pessoa necessita estabelecer e de que maneira isto deve se dar. Tendo em vista que este modo deu certo (em algum lugar do seu corpo e da sua história), este roteiro se repetirá inúmeras vezes, mesmo que não funcione como antigamente e que não lhe traga mais prazer ou sacie suas necessidades. A tendência é que continue a se repetir, cronificando-se como uma resposta automática e aparentemente satisfatória. O educador,

33 Vínculo, s. m. Laço; atilho; tudo o que ata ou aperta; ligação moral; ônus; nexo; subordinação; relação. (FERREIRA, c1986).

especialmente o de crianças, necessita de ter esse conhecimento presente em sua ação pedagógica.

Em contrapartida, faz parte da natureza humana o impulso básico de mudança, movimento, crescimento, reformulação. Seu funcionamento vivo e dinâmico de pensamentos, sentimentos, gestos, desejos, exigências, associado às crises do desenvolvimento, colocam-no em processo de deslocamento de sua própria energia vital.

Essas transições podem ser previsíveis (passagem da infância para a adolescência, para a adultez...) ou imprevisíveis (apaixonar-se, morrer, adoecer...), porém, geralmente, chegam de assalto à corporeidade em construção ou já pronta. E, um dos grandes aprendizados do ser humano é participar desses processos de maturação,sendo sujeito deste aprender e não vítima do movimento ondulatório de vida, onde contração e expansão formam a sua dualidade e a sua unidade.

É, sob o efeito de forças regressivas e progressivas que tanto o educador quanto o educando chegam à sala de aula para mais um encontro que demandará algum tipo de vínculo a partir de seus padrões corporais.

Cipriano Luckesi (2000a, p.11), em um artigo sobre Educação, ludicidade e prevenção de neuroses futuras, sugere que o educador possa se valer dos conhecimentos da Biossíntese e da Ludicidade para melhor relacionar-se com seu educando:

A Biossíntese pode oferecer e oferece, para uma educação lúdica, recursos teóricos e práticos que delimitam cuidados antecipados frente às possibilidades de “prevenção de neuroses futuras”, como dizia Reich; assim como propicia, também, recursos para a restauração de neuroses, cujas raízes estão no passado. Com isso não estamos querendo dizer que um educador deva tornar-se um psicoterapeuta. De forma alguma! Estamos sinalizando, isso sim, que um trabalho educativo, realizado com cuidados específicos e adequação, pode restaurar experiências traumáticas do passado (forças regressivas), ao mesmo tempo, abrindo portas para a exuberância da vida no presente e no futuro (forças progressivas). Ou, no inverso, como é o caminho apropriado da educação, organizando o futuro (forças progressivas), restaura o passado (forças regressivas).

No mesmo artigo, Luckesi (2000a, p.10) traz dois esclarecimentos importantes sobre a sua proposta, acima enunciada: um sobre o conceito de neurose de Reich:

Para Reich, a neurose é a cronificação de uma solução como a única verdadeira para todos os problemas da vida. Uma solução pode ser muito boa, mas para um problema específico e não para todo e qualquer problema emergente. Quando uma solução nasceu como um mecanismo de defesa do sujeito numa situação qualquer e não como uma fluidez da vida, ela se cronifica e, por isso mesmo, torna-se neurótica.

E o outro esclarecimento, que vem em nota de rodapé, em seu artigo, é sobre forças regressivas e progressivas: “Freud traz os conceitos de forças regressivas como aquelas que nos prendem no passado e forças progressivas como aquelas que nos colocam em relação com o futuro, tendo, como base o passado” (LUCKESI, 2000a, p.11).

O educador, em geral, e o infantil, em particular, necessitam ter intimidade com o seu próprio corpo. Não há como fugir disso! Como entender o que ocorre com a estruturação e organização do corpo da criança, o que equivale a dizer com a organização de suas aprendizagens, se este adulto, que está na direção do processo educativo, não souber reconhecer em si próprio as múltiplas expressões do que está ocorrendo em seu corpo? Afinal, estamos em um processo interativo e construtivo entre um adulto e muitas crianças, onde tudo passa pelo corpo e tudo é comunicação a pedir tradução e encaminhamento. O sucesso da ação pedagógica passa pela decodificação dos estados manifestados pelos corpos das crianças em comunicação com o corpo do educador.

Os pesquisadores da psicossomática (Wilhelm Reich, Alexander Lowen, Stanley Keleman, David Boadella) nos mostraram, com suas hipóteses e teorias, que o corpo tem uma centralidade na vida de todo ser humano e de cada um de nós em particular. Nosso corpo é nosso recurso para viver e expressar nossa vida. Ele é moldável. Mesmo que tenha sido esquecido, traído, engessado e endurecido, pode ser restaurado, garantindo que os fluxos vitais e energéticos bloqueados passem a se movimentar de maneira diferente. Bloqueios não significam morte do fluxo energético, mas, sim, sua lentificação, que pode ser acelerada, desde que desejado.

Por outro lado, os autores, direta ou indiretamente, vinculados à psicomotricidade (Henri Wallon, Jean Le Boulch, André Lapierre), nos mostraram que a formação da criança, em sua identidade e personalidade, se sustenta em sua corporeidade e que esta corporeidade, como consciência e posse de si mesmo, se faz na relação com o adulto, mãe, pai, parentes, educador.

Assim sendo, esses pesquisadores e autores nos dão suporte para sustentar o problema de investigação e a hipótese de solução que apontei no primeiro capítulo deste estudo, ou seja, a necessidade da corporeidade como recurso para a prática educativa.

Com esses autores, aprendemos que educadores (para não falar de todos os seres humanos) e educandos necessitam da corporeidade como consciência e posse de si mesmos para ser e se expressar na vida. Na relação pedagógica, para o educador, como recurso de educar, e para o educando, como recurso de formar-se como indivíduo e sujeito.