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TRANSFERÊNCIA, CONTRATRANSFERÊNCIA E RESSONÂNCIA

3.1 CONCEITOS BÁSICOS

Os conceitos de transferência e contratransferência se originaram na psicanálise, com Freud, em 1912. Para a abordagem que se segue neste capítulo, convém que explicitemos estes conceitos, pois, atualmente, eles se aplicam às outras áreas de relações humanas que não exclusivamente à clínica psicanalítica.

Transferência11 é o deslocamento inconsciente de sentimentos e desejos associados a figuras parentais e projetados para a realidade atual em figuras simbólicas de autoridade como, por exemplo, o analista, o terapeuta, o professor, o coordenador, o chefe, os colegas, etc. Constitui uma recriação de várias experiências que ocorreram ao longo do desenvolvimento emocional do paciente (no caso da educação formal, do estudante) bem como uma reflexão de atitudes complexas para com figuras de importância em sua vida. A transferência se expressa sob a forma de projeções sobre aquele que exerce algum tipo de autoridade sobre o sujeito que transfere seu estado emocional inconsciente de uma experiência inconsciente do passado para o presente. Pode ser positiva quando envolve sentimentos amorosos, cuidadosos, de obediência e docilidade. É negativa quando os afetos projetados são de desconfiança, teimosia, hostilidade ou têm caráter sexual sedutor. A forma mais comum de transferência é a do desejo de afeto, respeito e gratificação da necessidade de dependência.

Na contratransferência12, a autoridade (que pode ser o terapeuta, mas também o educador) poderá ter dois tipos de resposta emocional: uma que demonstre reações de como ele realmente é; e outra onde as respostas são comumente específicas e inadequadas na medida em que o paciente, o estudante, o subordinado se pareçam com figuras importantes do seu passado. Na contratransferência se faz presente a resposta “projetada” da autoridade para aquele que se encontra dependente, subalterno. Essa projeção traz deslocamentos de

11 Transferência “ [...] designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se, aqui, de uma repetição de protótipos infantis vivida com uma sensação de atualidade acentuada.”(LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 668).

12 Contratransferência “[...] é o conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e mais particularmente, à transferência deste.” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 146).

fragmentos da história pregressa desse profissional para a relação atual, o que dificulta ou até impede que ele cuide de seu cliente com relativa adequação.

A transferência sempre se apresenta quando um paciente ou um estudante não vê o terapeuta ou o educador como ele realmente é, e a mesma coisa é verdadeira, inversamente, na contratransferência. Os dois processos podem colocar em risco o processo terapêutico ou o processo educativo, pois a percepção se mostra nublada e confusa porque está sob o efeito neurótico inconsciente das experiências pregressas, predominantemente infantis.

É importante incluir que existe uma terceira possibilidade: a distinção, ainda que mesclada e sutil, entre transferência e aliança terapêutica ou educativa. Na aliança terapêutica ou educativa, o núcleo saudável e adulto da personalidade do paciente ou do estudante faz uma aliança com o ser do terapeuta ou do educador.

Muitos autores chamam a atenção para esta distinção, marcando um contorno para a transferência e restringindo sua área de atuação àquelas respostas que são provenientes e deslocadas das relações infantis, e que são irreais na atmosfera adulta terapêutica ou educativa. Reações realísticas e apropriadas dos pacientes ou estudantes para com o terapeuta ou educador podem, com certeza, não ser transferenciais.

Quando David Boadella (1992, p.11) traz o conceito de ressonância, ele o coloca como uma via de saída aos complexos fenômenos que a transferência e a contratransferência ocasionam nas relações: “A ressonância somática das mãos, da voz e da presença do terapeuta é o campo organizacional no qual ocorre o processo formativo de reintegração do corpo, da mente e do espírito”. Podemos inferir que a ressonância é mais abrangente e estrutural do que a aliança terapêutica.

O termo transferência não é exclusivo da psicanálise. Fora das práticas psicológicas, refere-se a deslocamento ou translado de qualquer tipo de material. Em educação, pode ser aplicado à aprendizagem quando explicita o deslocamento de um conhecimento ou habilidade de conhecer a partir de capacidades já desenvolvidas para um novo objeto de conhecimento.

Ver é uma das funções mais importantes para o educador que conduz o processo de educativo: ver e compreender o estudante e a partir daí ajudá-lo a se ver e se compreender.

Ver é a função mais importante na terapia: para o terapeuta ver e compreender o paciente e para o paciente ver e compreender a si próprio. Em psicanálise, este aspecto da terapia é chamado de insight, pois, quando o paciente pode verdadeiramente ver o como e o porquê de seu comportamento, ele poderá mudar este comportamento, resolvendo conflitos e promovendo um melhor bem-estar. Este não é um processo simples porque nossos olhos estão

dirigidos para o exterior e nós vemos os outros muito mais do que a nós mesmos. Possuímos fortes resistências em ver de forma clara e transparente aquilo que é essencial em nós.

Ser visto é ser aceito no presente de uma interação; não ser visto no presente de uma relação equivale a ser negado. E isto tem a ver com nossas emoções e nosso emocionar e o emocional está comprometido com o corpo. Nesse sentido, Maturana e Gerda Verden-Zöller (2004, p.136) dão a seguinte explicação:

O modo como interagimos com o outro é um assunto emocional, pois nossas emoções especificam, a cada instante, o domínio de ações em que estamos nesse instante. Noutros termos, são nossas emoções que especificam nossas ações, não o que fazemos em termos de movimento ou tipos de operações corporais.

3.2 O QUE OS PESQUISADORES NOS ENSINAM SOBRE A TRANSFERÊNCIA, A