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A tutela antecipada e suas características distintivas

1. O ENQUADRAMENTO DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE NO

1.2 A tutela antecipada e suas características distintivas

Sem dúvida a tutela antecipada e a tutela cautelar são muito semelhantes e ao mesmo tempo muito diversas. É necessário frisar que o Código de Processo Civil de 2015 não alterou o significado destes institutos jurídicos, que visam proteger realidades sociais diversas, mas ambas provenientes do efeito nefasto que a passagem do tempo e a longa duração do processo podem causar sobre o direito e consequentemente o objeto litigioso.

A primeira linha interpretativa sempre deve ser o texto normativo, que no caso em tela é claro ao trazer duas categorias específicas, inclusive com regramentos próprios e procedimentos diversos, no que tange à modalidade antecedente. Não há motivos para

104 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva,

MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: Artigo por Artigo. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pgs. 550-551.

105 Tratando especificamente da tutela cautelar, mas com explicação perfeitamente aplicável também à tutela

antecipada, Ovídio Baptista esclarece que: “se quiséssemos resumir num conceito unitário todos os pressupostos legitimadores da tutela cautelar, de que ora nos ocupamos, poderíamos dizer que, em questão de tutela cautelar, o que se busca é o tratamento processual dessa pressão temporal determinada pela urgência” (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Do Processo Cautelar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pg. 81).

concluirmos pela unificação dos conceitos de tutela cautelar e antecipada e a própria possibilidade de estabilização da decisão satisfativa antecedente é uma evidência dessa autonomia.

A doutrina defende que tanto a tutela cautelar quanto a tutela antecipada são interinais, ou seja, interinas e proferidas à espera de uma posterior decisão definitiva106. Essa

precariedade (provisoriedade) foi a característica principal erigida pela Lei para firmar a nova classificação (das tutelas provisórias), mas a possibilidade de estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente parece contrariar essa característica importante das tutelas provisórias.

Soa até contraditório vislumbrar que a tutela antecipada, que é concedida mediante cognição sumária, de forma provisória e muitas vezes sem a oitiva da parte contrária pode alcançar a estabilidade sem qualquer análise mais profunda dos pedidos, mediante simples inação da parte ré. Isso sem mencionar que a característica da referibilidade, ou seja, a relação de dependência com o pedido final estaria prejudicada107.

A própria disposição do artigo 300, § 3º do CPC, especificamente referente à tutela antecipada, exige que essa só pode ser concedida caso não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão108, deixando claro que a decisão (em regra) é provisória e eventualmente pode ser revertida. Essa vedação à irreversibilidade é considerada requisito negativo para a concessão da tutela antecipada e consagra o princípio salvaguarda do núcleo essencial, já que

106 “Tanto a tutela cautelar, quanto a tutela antecipatória, são relacionadas a uma tutela final ou principal e neste

sentido podem ser ditas interinais, no sentido de que não aspiram a assumir a característica de independência em relação a outra forma de tutela. Se a tutela cautelar satisfaz apenas ao assegurar, a tutela antecipatória, embora satisfaça a pretensão à tutela do direito, não é dotada de definitividade. Ou melhor: a tutela cautelar não é satisfativa da pretensão à tutela do direito e a tutela antecipatória não responde, de modo definitivo, à pretensão à tutela do direito” (MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil v. 4 – artigos 294 ao 333. 1 ed. em e-book baseada na 1. ed. impressa. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2017, comentário ao artigo 294, item 4.1).

107 Em sentido contrário Fabrício Castagna Lunardi defende a existência da referibilidade nas tutelas antecipadas

requeridas na modalidade antecedente, mas a referência não seria à “demanda principal” e sim à própria petição inicial, que serviria de parâmetro para fixação da competência e valor da causa (LUNARDI, Fabrício Castagna. Curso de Direito Processual Civil, 2ª ed. rev. atual. e ampl. Saraiva: São Paulo, 2017, pg. 343).

108 Alerta corretamente José Miguel Garcia Medina que a mudança na redação em relação ao disposto no artigo

273, § 2º do CPC/1973 foi salutar, pois a decisão em si sempre pode ser revertida, ao contrário dos seus efeitos, que eventualmente podem se tornar irreversíveis (MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de Direito Processual Civil Moderno. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016, pg. 493-494).

o deslocamento de um perigo de uma parte para outra, o que aconteceria caso a medida tivesse efeitos irreversíveis, em nada contribui com a efetividade do processo109.

Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência entendem que a irreversibilidade dos efeitos, quando dupla, autoriza a concessão da tutela antecipada110. São casos em que tanto a

medida pretendida pode ter efeitos irreversíveis quanto a não concessão da medida pode gerar danos irreversíveis ao bem da vida pretendido, como, por exemplo, em casos de tutela satisfativa requerida para tratamento de saúde com grave risco de morte e em valor tão alto que virtualmente se torna impossível de algumas pessoas terem condições financeiras de ressarcir. Esse seria um terreno fértil, em tese, para os casos de tutela antecipada antecedente, pois se a urgência for tamanha que impossibilitaria a elaboração da petição inicial, há mais chances de estarmos diante de medidas com efeitos irreversíveis, como no exemplo citado, a eventual morte do requerente.

A vedação da irreversibilidade dos efeitos da decisão deveria ser analisada com muito mais rigor nos casos de decisão proferida em sede de provimento antecedente do que incidental, pois naquele a petição inicial está incompleta, podendo ser complementada em relação a documentos e causa de pedir, o que eventualmente podem trazer uma mudança radical no convencimento do magistrado.