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O recurso como meio de impedir a estabilização

2. O PROCEDIMENTO RELATIVO A TUTELA ANTECIPADA

2.4 Procedimento após a decisão de mérito acerca da tutela antecipada:

2.4.3 O recurso como meio de impedir a estabilização

O artigo 304, caput do CPC é claro ao afirmar que: “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”. A partir desse dispositivo, surgiram duas correntes doutrinárias sobre qual meio suficiente para impedir a estabilização. Uma que defende que o termo recurso deve ser entendido em sentido estrito243 e outra corrente que advoga a tese que para impedir a estabilização da tutela antecipada concedida na modalidade antecedente basta qualquer manifestação processual que demonstre a intenção do réu em não aceitar a tutela conferida244. Para melhor responder a essa indagação cumpre investigar o que o legislador quis dizer com o termo “recurso”, no transcrito dispositivo.

Qualquer texto legal precisa ser interpretado para que, através do uso de métodos interpretativos ou técnicas de interpretação, se possa encontrar o conhecimento científico do direito245. Em se tratando de dispositivos normativos, com uso de linguagem jurídica típica, a

interpretação deve ser pautada com base igualmente em tais conhecimentos técnicos246.

Nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira, recurso é “o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a

integração da decisão judicial que se impugna”247. Tal instituto jurídico se destina à

243 NUNES, Dierle e ANDRADE, Érico. Os Contornos da Estabilização da Tutela Provisória de Urgência

Antecipatória no Novo CPC e o Mistério da Ausência de Formação de Coisa Julgada. In Novo CPC Doutrina Selecionada, v.4: Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Coordenador Geral: Fredie Didier Jr.. Organizadores: Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto e Alexandre Freire. 2ª ed. rev. e atual. Salvador, Juspodivum, 2016, pgs. 82-84.

244 Nesse sentido, entre outros: MITIDIERO, Daniel. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil.

Coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier...[et al.]. 3ª ed. rev. e atual. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2016, pg. 875-876 e GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Comentários ao Código de Processo Civil. Coordenadores: Angélica Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite. São Paulo: Saraiva, 2016, pg. 397.

245 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da Construção do

Direito. 8ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, pgs. 104-108.

246 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2006, pgs.

89-90.

247 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de

impugnar decisões judiciais, mas não é a única forma de fazê-lo, sendo que esse objetivo pode ser alcançado também através de ações autônomas de impugnação e sucedâneos recursais248. A própria diferenciação doutrinária desses institutos já demonstra sua não identidade e não se pode presumir que a Lei fez uso coloquial ou genérico da expressão “recurso” e sim uso técnico-jurídico.

Quando o artigo 304 do CPC se refere a recurso como meio de evitar a estabilização, devemos considerar recurso no sentido estrito249, com as espécies previstas no artigo 994 do

mesmo código e em relação a tutela antecipada antecedente, especificamente o agravo de instrumento ou agravo interno. A maior prova disso pode ser encontrada na redação do artigo 281, § 2º do Projeto do CPC (Pl. 166/2010), na versão aprovada no Senado Federal, que trazia a seguinte redação: “concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação,

após sua efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando sua eficácia”250. O

termo recurso, foi incluído na versão aprovada na Câmara dos Deputados, em substituição à impugnação251.

248 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos [livro eletrônico]. 5ª ed. em e-book baseada na 9ª ed. impressa. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, item 1 – Noções Gerais.

249 Esse também é o entendimento de Alexandre Freitas Câmara que ensina que: “a palavra recurso aprece no

CPC (excluído o art. 304, já que é o significado da palavra neste artigo que se busca determinar) com três diferentes significados. O primeiro é o sentido estrito de recurso para o direito processual, ou sejam um mecanismo destinado especificamente a impugnar decisões judiciais no mesmo processo em que proferidas, provocando seu reexame. O segundo sentido (em que o substantivo recurso aparece invariavelmente acompanhado do adjetivo tecnológico, como se dá, por exemplo, no art. 236, § 3º) é o meio, a significar o mecanismo permitido pela tecnologia para a prática de atos eletrônicos como a sustentação oral por videoconferência. Por fim, usa-se no CPC o vocábulo recursos (sempre no plural) em alguns dispositivos (como o art. 95, § 3º) para fazer menção a dinheiro” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018, pg. 166). No mesmo sentido ensinam Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini: “apenas a interposição de recurso contra a decisão concessiva da tutela antecipada antecedente tem o condão de impedir a estabilização. A mera formulação de pedidos de reconsideração e medidas impugnativas não recursais (como a reclamação, a suspensão de liminar etc.) não serve para obstar a estabilização. O Código aludiu expressamente a recuso – e não foi casual o emprego do termo. (...) Assim, se a tutela antecipada antecedente é deferida pelo juiz de primeiro grau, o agravo de instrumento é o meio apto a impedir a estabilização, se for concedida pelo relator, em decisão monocrática em agravo de instrumento contra decisão denegatória de primeiro grau, deve-se usar o agravo interno” (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Cognição Jurisdicional (Processo Comum de Conhecimento e Tutela Provisória), Volume 2. 17ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Thompson Reuters, 2018, pg. 918).

250 BUENO, Cassio Scarpinella. Projetos de Novo Código de Processo Civil Comparados e Anotados: Senado

Federal PLS N. 166/2010 e Câmara dos Deputados Pl. N. 8046/2010. São Paulo: Saraiva, 2014, pg. 164.

251 Ravi Peixoto não concorda com esse raciocínio, já que para ele o artigo 281 da versão do Projeto de Lei 166

do Senado Federal não dispunha especificamente sobre tutela antecipada antecedente, mas na essência, apenas de tutela cautelar. Dessa forma, o autor defende que não só os recursos em sentido estrito, mas qualquer ato processual do réu que demonstre insatisfação com a tutela antecipada deferida (PEIXOTO, Ravi. Por uma Análise dos Remédios Jurídicos Processuais Aptos a Impedir a Estabilização da Tutela Antecipada Antecedente

Questão interessante diz respeito aos embargos de declaração, que apesar de recurso em sentido estrito, não visa necessariamente a alteração da decisão recorrida, mas sim seu esclarecimento. Nesse caso, parece mais adequado entender que se não foi desejado o efeito modificativo (infringente), não há que se falar em impeditivo à estabilização, mesmo porque após o julgamento dos embargos de declaração se iniciará normalmente o prazo para a interposição de recurso próprio com objetivo de impugnar a decisão em si (agravo de instrumento ou agravo interno)252.

Não parece que o vocábulo recurso mereça, nesse ponto, interpretação diversa da gramatical, sob pena de ser interpretado contra legem, sendo clara a intenção do legislador em exigir o manejo de recurso apto a atacar a decisão concessiva da tutela antecipada253. Essa, porém, não foi a interpretação emprestada pelo Superior Tribunal de Justiça, que em recente decisão254 decidiu que não só a interposição de recurso de agravo de instrumento, mas qualquer meio de impugnação da decisão, como o oferecimento de contestação impede a estabilização, o que também não escapou de críticas doutrinárias255.

Ao determinar que a decisão se torna estável caso o réu não interponha recurso, o legislador simplesmente inverteu o ônus do contraditório, ou seja, se no procedimento comum caberia ao autor o ônus de esperar prolação de decisão definitiva (em regra) para obter os efeitos pretendidos de forma estável, com a tutela antecipada antecedente esse ônus se transfere ao réu256. Na verdade, o requerido passa a ter o ônus de eventualmente instaurar o processo de cognição exauriente, uma vez concedida a tutela antecipada na modalidade antecedente257.

de Urgência. In Grandes Temas do Novo CPC, v. 6: Tutela Provisória. Coordenador Geral: Fredie Didier Jr. Coordenadores: Mateus Pereira, Roberto Gouveia, Eduardo José da Fonseca Costa. Salvador: Juspodivm, 2016, pgs. 250-255).

252 Nesse sentido: BUENO, Cassio Scaprinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 1: Teoria

Geral do Direito Processual Civil: Parte Geral do Código de Processo Civil. 9ª ed. São Paulo, Saraiva Educação, 2018, pg. 707.

253 VASCONCELOS, Ana Paula e VASCONCELOS, Maria Teresa. Reflexões sobre a estabilização da tutela

provisória no CPC-2015. Revista de Processo, São Paulo, v. 42, n. 263, p. 123-139, jan. 2017, pgs. 129-133.

254 STJ, Resp 1760966/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Órgão Julgador: 3ª Turma, Data

do Julgamento: 04/12/2018, Data da Publicação/Fonte: DJe 07/12/2018.

255 DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2019, pgs. 487-

488.

256 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.

17ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2017, pgs. 718-719.

257 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Cognição