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Indicação do Juízo a que é dirigida

2. O PROCEDIMENTO RELATIVO A TUTELA ANTECIPADA

2.1 A petição inicial

2.1.1 Requisitos (gerais) da petição inicial

2.1.1.1 Indicação do Juízo a que é dirigida

O primeiro requisito da petição inicial antecedente, aplicável a todos os outros pedidos iniciais no processo civil em geral é a indicação do juízo ao qual a demanda é dirigida. Nesse ponto, para encontrar o endereçamento correto, o autor deve se valer das regras de competência previstas na Constituição, legislação federal e na legislação local (artigo 44 do CPC).

136 Apesar de ser um requisito da petição inicial, o silêncio do autor não implica em determinação de emenda

para corrigi-lo, pois a própria Lei determina que a audiência de conciliação ou mediação só pode ser dispensada pela manifestação expressa das partes ou se o direito em discussão não admitir autocomposição (artigo 334, § 4º do CPC). Dessa forma, se o autor não demonstrar expresso desinteresse no ato, ele será designado independentemente da manifestação do réu (WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Cognição Jurisdicional (Processo Comum de Conhecimento e Tutela Provisória), Volume 2. 17ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Thompson Reuters, 2018, pg. 77).

Importante indagar se um juízo absolutamente incompetente137138 poderia (ou deveria)

decidir a tutela antecipada requerida em caráter antecedente antes de reconhecer a sua própria competência. Tal questão só tem razão de ser se o direito que visa ser tutelado não poderia aguardar a decisão do órgão julgador competente, pois caso contrário, deve-se seguir a regra do artigo 64, § 3º do CPC e simplesmente remeter os autos do processo ao juízo devido.

Na égide do Código de Processo Civil de 1973, o artigo 113, § 2º apresentava a seguinte solução: “declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente”, ou seja, uma decisão que antecipava os efeitos da tutela proferida por juízo incompetente era nula. Ocorre que ainda na vigência do código anterior a jurisprudência já se inclinava para o entendimento de ser possível a ratificação dos atos decisórios pelo juízo competente, em razão dos princípios da economia e celeridade processual139.

Na trilha do entendimento pretoriano acima, o CPC de 2015 inovou e não mais determina a nulidade dos atos decisórios, mesmo que proferidos pelo juízo incompetente, tratando do instituto da translatio iudicii140 no artigo 64, § 4º, cabendo ao órgão jurisdicional

137 Nem se questiona o caso de incompetência relativa, pois essa não pode ser arguida de ofício pelo julgador

(enunciado 33 da Súmula do STJ) e no momento processual que a decisão liminar é tomada sequer houve (em regra) a citação do réu, ou seja, o juiz sequer poderia levantar a questão da incompetência como impeditivo para decidir a tutela antecipada antecedente requerida.

138 Há entendimento doutrinário que defende que no caso de incompetência de Justiça, o processo seria

juridicamente inexistente (e não nulo), pois a violação seria à regras de competência previstas na Constituição, que por sua vez não faz a ressalva da legislação infraconstitucional quanto a manutenção ou não dos atos praticados pelo juízo incompetente (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 19ª ed. Editora Malheiros: São Paulo, 2003, pgs. 241-242). Com todo o respeito ao posicionamento acima, não há propriamente uma hierarquia entre regras constitucionais de competência ou regras legais de competência, já que cada uma versa sobre um aspecto da competência do processo judicial. Esse é o espírito do artigo 44 do CPC, que meramente elenca as fontes normativas sobre competência e não uma ordem de prevalência entre elas. Nesse sentido é o enunciado 236 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “o art. 44 não estabelece uma ordem de prevalência, mas apenas elenca as fontes normativas sobre competência, devendo ser observado o art. 125, § 1º, da Constituição Federal”. Na mesma linha se posiciona Ronaldo Cramer em Comentários ao Código de Processo Civil. Organizadores: Lenio Luiz Streck; Dierle Nunes; Leonardo Carneiro da Cunha. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pg. 112). Dessa forma, deve-se aplicar as consequências previstas na legislação processual para os casos de incompetência, seja em desrespeito a disposições constitucionais, contidas em lei federal ou em legislação local de organização judiciária.

139 Nesse sentido: STJ, AgRg na APn 675/GO, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador: Corte

Especial, Data do Julgamento: 19/09/2012, Data da Publicação/Fonte: DJe 01/02/2013; STF HC 88262/SP, Relator: Ministro. GILMAR MENDES, Julgamento: 18/12/2006, Órgão Julgador: 2ª Turma, Publicação: DJ 30- 03-2007 RTJ VOL-00201-02 PP-00682; e TJDFT Acórdão n.801380, Apelação 20130110389068, Relator: Desembargador LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS, Revisor: Desembargador SEBASTIÃO COELHO, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 02/07/2014, Publicado no DJE: 10/07/2014. Pág.: 149.

competente a análise da validade e/ou necessidade de repetição de todas as decisões anteriores. Não há porque aplicar entendimento diverso para os casos de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Pelo contrário, em se tratando de questões urgentes que não podem esperar a formulação de petição inicial íntegra e que podem acarretar um dano, com probabilidade do direito, não faria sentido declarar a decisão nula apenas pelo desrespeito a eventual regra de competência141.

Não há dúvida que a tutela antecipada antecedente pode ser ajuizada no primeiro grau de jurisdição, mas em razão da redação do artigo 299, parágrafo único do CPC deve-se concluir que ela também pode ser requerida diretamente a um Tribunal, nos casos de competência originária. É bem verdade que esse parágrafo faz menção a concessão da tutela antecipada nos recursos, porém entendo que essa parte merece interpretação sistemática, já que tenho por incompatível a formulação de pedido antecedente originalmente feito em grau recursal.

Na verdade, não há interesse processual no pedido antecedente inaugurado em sede recursal, pois ele pode ser formulado sem qualquer prejuízo, no bojo do recurso interposto, incidentalmente ao processo em curso. Mais que isso, não haveria como adotar o procedimento antecedente, já que não haveria como indicar pedido final, que já fora formulado, muito menos aditar ou emendar a petição inicial simplificada, pois já existe outra completa no mesmo processo142.

acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB), que não se coaduna com o perecimento do direito em razão da complexidade do sistema de atribuição de competências. A intenção é evitar a renovação dos atos produzidos perante o juízo incompetente, com perda de tempo, repetição de despesas e resultados nem sempre equivalentes aos já alcançados no processo primitivo” (COSTA, Bruno Vinícius da Rós Bodart da. Comentários ao Código de Processo Civil. Coordenadores: Angélica Arruda Alvim, Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim e George Salomão Leite. São Paulo: Saraiva, 2016, pg. 116).

141 É a mesma conclusão que chega Igor Raatz, valendo-se também das valorosas lições de Galeno Lacerda e

Pontes de Miranda (RAATZ, Igor. Tutelas Provisórias no Processo Civil Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018, pg. 138).

142 Em sentido contrário, Daniel Mitidiero defende a aplicação analógica do procedimento antecedente em casos

de concessão da tutela antecipada requerida diretamente em grau recursal, nos casos de fluência do prazo para interpor o recurso ou durante a remessa dos autos para o Tribunal competente pela sua apreciação. Para ele, a urgência é a mesma, logo justifica a aplicação analógica (MITIDIERO, Daniel. Da tutela cautelar à técnica antecipatória. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, pgs. 141-144). Com todo o respeito ao entendimento exposto, penso que uma simples petição com pedido de tutela antecipada recursal, mesmo que anterior ao recurso (em razão da extrema urgência que não permita esperar a elaboração do recurso) seria mais adequada do que se aplicar o procedimento antecedente que como visto acima sequer poderia ser completamente utilizado, seja pela impossibilidade de aditamento, emenda ou até estabilização dos efeitos da decisão.

A melhor forma de interpretar a expressão “recurso” no artigo 299, parágrafo único do CPC, é que seria restrita aos casos da tutela antecipada requerida na modalidade antecedente ser deferida em grau recursal, ou seja, quando se está diante de um recurso que visa atacar a não concessão da tutela antecipada antecedente pelo juízo recorrido.

Quando for caso de requerimento antecedente junto ao Tribunal (hipóteses de competência originária), o artigo 299, parágrafo único do CPC estabelece claramente que ressalvadas disposições especiais: “a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito”. A referência a mérito nesse parágrafo único deve ser entendida como mérito do pedido principal, mencionado no caput do mesmo artigo.

Por outro lado, há quem entenda que o artigo 932, II do CPC traria justamente uma exceção nesse caso, pois ao remeter ao Desembargador relator do processo de competência originária estaria determinando a competência singular daquele Desembargador para julgar monocraticamente o pedido antecipado antecedente143. Não consigo vislumbrar uma exceção nesse ponto, já que o referido artigo não se refere expressamente à tutela antecipada antecedente e como se sabe as regras de exceção se interpretam restritivamente. Ademais, ainda vigora em nosso ordenamento jurídico o princípio da colegialidade, sendo o próprio artigo 932 do CPC uma exceção144.