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CAPÍTULO 2 ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.3. A universidade empreendedora

De acordo com Brooks et al. (2007) os estudantes aprendem melhor quando podem viver aquilo que aprendem. Assim, as universidades ao serem mais empreendedoras nas suas práticas académicas e de gestão, ao revelarem conceitos e comportamentos mais empreendedores, contribuem para auxiliar os estudantes a assimilar esses conceitos e a tornarem-se mais independentes e tolerantes ao risco.

O conceito de Universidade Empreendedora (do inglês “Entrepreneurial University”) aplica- -se às IES que criam oportunidades, práticas, culturas e ambientes propícios a incentivar e a encorajar os estudantes a serem empreendedores. São locais onde o empreendedorismo faz parte do tecido da instituição (Gibb, 2005; Gibb e Hannon, 2006; Gibb, Haskins e Robertson, 2009).

Para que o empreendedorismo e a inovação possam também fazer parte do tecido das universidades, é preciso que haja espaço para os empreendedores no seio da instituição. Em alguns casos, isso implica a inclusão de indivíduos que tenham liderado ou estado envolvidos em projetos ou iniciativas empresariais ou, noutros casos, adotar um estado de espírito onde a mudança seja vista como uma oportunidade para empreender novos desafios, apesar de poder não ter disponíveis todos os recursos necessários (Thorp e Goldstein, 2010).

Este conceito de universidade empreendedora ganhou vida quando Clark (1998) citado em Rae, Gee e Moon (2010), propôs cinco casos de IES europeias como instituições exemplares – Clark afirmou que as universidades empreendedoras eram diferentes, pois eram aquelas que tinham vontade de mudar, de evoluir, e não ficarem encapsuladas (protegidas) no seu papel principal. Uma universidade empreendedora procura ativamente inovar na forma como desenvolve a sua atividade, vendo o empreendedorismo institucional simultaneamente como um processo e um resultado (Clark, 1998 citado em Rae, Gee e Moon, 2010).

A emergência da universidade empreendedora é vista por Etzkowitz et al. (2000) como uma resposta à crescente importância do conhecimento nos sistemas nacionais e regionais de inovação. Reconhecem também os mesmos autores que a universidade é um agente criativo e eficaz no processo de transferência de tecnologia e conhecimento.

Segundo Bratianu e Stanciu (2010), as universidades empreendedoras buscam novas identidades e tipos de organização, procurando responder às exigências do mercado, onde o

espírito competitivo e a concorrência são cada vez maiores. Estas instituições estão convictas de que o risco de operacionalizar mudanças estruturais, processuais e culturais vale a pena, quando comparado com a observância de regras governamentais muito restritivas.

Segundo Etzkowitz et al. (2000), as universidades empreendedoras necessitam de - capacidade de transformação interna (revisão das tarefas habituais e consequente reajustamento dos novos papéis e funções a desempenhar, em função das novas metas); produzir impacto interinstitucional (necessidade de revisão e ajustamento do relacionamento com outras instituições, no que respeita ao formato/conteúdo dos contratos existentes quer em termos dos resultados de investigação, quer em termos de financiamento); novos processos de interface (à medida que a nova organização se vai ajustando, vão surgindo novas necessidades de relacionamento com o exterior, nomeadamente ao nível dos departamentos académicos e faculdades, onde os docentes e outro pessoal técnico assume responsabilidades especiais na avaliação da relevância comercial dos resultados da investigação, para além de uma atenção/estímulo especial ao relacionamento com parceiros externos.); aproveitar os efeitos recursivos (devido a um maior número de contactos e ligações com o exterior, torna-se propícia a formação de organizações trilaterais, podendo assim surgir novas formas de colaboração entre diversas organizações e instituições como, por exemplo, centros de investigação com investigadores de diversas universidades, empresas e laboratórios do estado).

Segundo os mesmos autores, o paradigma da universidade empreendedora pode ser visto através do modelo “Triple Helix”2

que prevê uma transformação interna ao nível de cada um dos intervenientes (universidade, indústria e governo); a possibilidade de algum dos intervenientes, poder exercer maior influência sobre os outros; a criação de ligações trilaterais, redes e organizações entre os intervenientes e um maior estímulo à criatividade organizacional e coesão regional e, também, o estabelecimento de redes de cooperação entre as diversas instituições.

2

- O modelo “Triple Helix” refere a interação entre universidade-indústria-governo como sendo a chave para a inovação, numa sociedade baseada no conhecimento – o modelo defende um melhor relacionamento entre as universidades, o estado e as empresas (adaptado de SARKAR, Soumodip, (2010), Empreendedorismo e Inovação, Lisboa, 2ª edição, Escola Editora, p. 88)

De acordo com as conclusões obtidas pelo estudo realizado por Boehm (2008), uma orientação mais empreendedora em geral tem um impacto positivo na transferência de tecnologia e conhecimento, ou seja, quanto maior for o comportamento empreendedor no seio das universidades, maior será o sucesso obtido. Aspetos como a proactividade, tomada de riscos, interdisciplinaridade e autonomia podem influenciar positivamente o desempenho da investigação e criação de conhecimento no seio das universidades.

Para que se consiga introduzir o empreendedorismo numa IES, segundo Rae, Gee e Moon (2010), é necessário que existam as seguintes capacidades:

 Visão e ambição estratégica;

 Liderança;

 Comunicação, apresentação, e capacidade de influência;

 Criatividade pessoal e pensamento inovador;

 Desenvolvimento e aplicação da aprendizagem a partir de uma variedade de fontes e em contextos diferentes;

 Operar em situações de mudança, incerteza e complexidade;

 Competências de gestão académica e organizacional.

Nos sistemas universitários e nos seus respetivos líderes europeus, segundo Codling e Meek (2006) citados em Bratianu e Stanciu (2010), verifica-se uma tendência para a deriva das universidades (do inglês “drift of universities”). De acordo com os autores, a distância entre universidades tradicionais e universidades técnicas é enorme. Verifica-se, atualmente, uma tendência para as universidades tradicionais copiarem os modelos apresentados pelas universidades técnicas, num esforço de se adaptarem ao novo e exigente ambiente de mercado, enquanto as universidades técnicas tendem a procurar o reconhecimento académico detido pelas universidades tradicionais.

Segundo Etzkowitz et al. (2000), verificam-se também duas outras tendências que afetam o papel futuro das universidades empreendedoras. Por um lado, a mudança para uma dependência cada vez maior da economia, na produção do conhecimento (Stehr, 1994 citado em Etzkowitz et al., 2000) e, por outro, o tentar identificar quais as tendências futuras na produção do conhecimento e as suas implicações para a sociedade.

De acordo com Matlay (2005) citado em Matlay e Carey (2007), existe uma relutância notável, por parte dos diretores universitários e professores europeus, em se afastarem das “boas práticas” promovidas pelas prestigiadas escolas de gestão americanas, ou em adotar métodos mais inovadores de ensino, adaptados às experiências e necessidades específicas de cada país.

Locke e Schöne (2004), ao analisarem algumas Escolas de Gestão em França, na Alemanha e na República Checa, revelam como tem ocorrido a “americanização” das universidades europeias, por via da influência do empreendedorismo oriundo dos Estados Unidos. Devido a um contexto empresarial cada vez mais empreendedor e à capacidade libertadora e facilitadora das novas tecnologias, toda a ênfase da educação recai agora sobre o “pensar fora da caixa”, ser mais criativo, abraçando soluções tecnológicas e criando organizações onde a constante mudança e transformação são um fenómeno diário. Os autores usam como ponto de referência, na sua análise, os negócios de alta tecnologia com origem em Silicon Valley3. Em Gibb (2005), são referidas as características de uma Entrepreneurial University4, como forma de clarificar a própria designação. Assim, uma universidade considera-se empreendedora quando:

 Se preocupa em assegurar a sua própria autonomia, tendo presente que cada vez menos haverá financiamento público disponível;

 Aceita a ideia de que o conhecimento existente no seio de uma instituição do ES deve ser integrado e partilhado com a comunidade em geral;

 Não receia maximizar o potencial de comercialização das suas ideias criando valor para a sociedade, e não considera isto como uma ameaça aos valores académicos;

3

- Segundo dados de 2009, existiam cerca de 25.800 empresas ativas fundadas por ex-alunos do MIT (uma das mais importantes instituições de ensino superior, localizadas em Silicon Valley) as quais empregavam cerca de 3,3 milhões de pessoas, gerando receitas anuais na ordem dos $2 triliões de dólares, o equivalente à 11ª economia a nível mundial (Adaptado de ROBERTS, Edward B., EESLEY, Charles, (2009), "Entrepreneurial Impact: The Role of MIT", Kansas City, MIT Sloan School of Management, Kauffman Foundation)

4

- No Reino Unido, desde o ano de 2008 que está instituído um prémio nacional anual para eleger a Universidade Empreendedora do Ano, desenhado com base num conjunto de quatro grupos de critérios (ambiente institucional; envolvimento dos estudantes; staff inovador e empreendedor; impacto empreendedor). Mais informação sobre este prémio pode ser obtida aqui: http://www.ncee.org.uk/

 Organiza-se internamente para dar todo o apoio às iniciativas empreendedoras, enquanto promove a autonomia e iniciativa dos seus académicos;

Envolve-se ativamente com a comunidade e com os stakeholders como parte de uma estratégia de aprendizagem organizacional;

 Promove a criação de parques científicos, incubadoras, gabinetes de transferência de tecnologia e de proteção de patentes, como meios poderosos para a sua abertura e integração das diversas relações institucionais mantidas com as partes interessadas, tanto a um nível formal como informal;

 Encoraja de uma forma alargada o espírito de interdisciplinaridade, promovendo a criação de departamentos interdisciplinares e de centros de I&D;

 Assume a responsabilidade pela formação e desenvolvimento dos seus estudantes e pessoal, particularmente no que diz respeito aos aspetos sociais, de carreira e das experiências de aprendizagem ao longo da vida;

 Recruta empresários e nomeia líderes empresariais como agentes de mudança, incluindo a abertura de cargos académicos a um público mais vasto, através de convite para algumas funções de professor assistente ou adjunto;

 Institui sistemas de recompensas muito para além dos critérios relacionados com a investigação, com as publicações científicas e com o lecionar;

 Assegura que o conceito de ensino do empreendedorismo está incorporado em todas as Faculdades (ou Escolas, no caso dos IP’s), seja do inteiro conhecimento de todo o pessoal e esteja integrado nos currículos.

A universidade empreendedora sofre, segundo Clark (1998) citado em OCDE (2002), de uma “sobrecarga de procura”, ou seja, as condições e os recursos que suportam as universidades vão ficando cada vez mais escassos e limitados, enquanto as solicitações/exigências de serviços e respetivos custos vão aumentando. Dada a rápida expansão do conhecimento e a diversificação de ofertas formativas, as faculdades e as universidades sofrem uma espécie de inflação escolar que, quando afastada do mercado e da economia, torna cada vez mais caro e dispendioso manter o status quo.

O estilo empreendedor, nas universidades, muitas vezes causa suspeição e ciúmes na vasta maioria passiva dos académicos e, muitas vezes, é considerado até como se se tratasse de uma tentativa de quebrar com as tradições morais e académicas. Alguns académicos ainda vivem com a convicção de que os “bons e velhos tempos” hão-de voltar e que os governos irão

alterar o seu comportamento, passando a financiar o ES na totalidade. Com esta perceção, porque é que temos de mudar ? (OCDE, 2002, p.124).

Outros críticos do modelo da universidade empreendedora têm afirmado que o papel mais importante das universidades é a criação de pessoas qualificadas. As empresas que se envolvem com as universidades procuram, na maioria das vezes, oportunidades de recrutamento. As trocas entre a universidade (ciência) e a indústria são complexas, envolvendo muitas interações e empresas muito diferentes. Não há dúvida que existe uma necessidade de maior abertura entre os dois “mundos”, tal como tem vindo a ser proposto pelos defensores da universidade empreendedora (Garnsey, 2006).