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A utilização dos espaços naturais: o que as observações mostraram

Como já citei, a observação assistemática foi suficiente para conhecer o jardim do Grupo Despertar (figuras 5 a 7). Ele compõe uma área pequena, cedida às voluntárias, usufruída e mantida pelas próprias. O jardim é interno à sede do Despertar, separado do amplo terreno do CECAN por um muro vazado de concreto, mas sem cobertura, tornando visíveis as copas das árvores da Toca do Matias. Ao mesmo tempo, o jardim é adjacente ao salão, e só por este acessível, onde ocorrem reuniões, palestras, oficinas e dinâmicas. Isso faz com que o contato com ele seja praticamente compulsório a quem adentra a sede do grupo.

A decisão de cultivar um jardim tão logo a área foi cedida e a intenção de melhorá-lo já indica que ele é valioso para as voluntárias. Isso também se tornou nítido pela opção de criá-lo adjacente ao salão onde as principais atividades do grupo acontecem, pela satisfação de apresentá-lo a quem chega e pela constante dedicação ao espaço natural. A manutenção do jardim é continuada mesmo quando a unidade hospitalar não está funcionando, em fins de semana prolongados, por exemplo. Além disso, as voluntárias têm planos de cultivar flores, cercas verdes e gramado na área externa ao redor do Despertar.

Figura 5. Jardim do Grupo

Figura 8. Toca do Matias Figura 9. Toca do Matias

Figura 10. Entrada principal Figura 11. Entrada principal

Figura 12. Entrada principal Figura 13. Entrada principal

Quanto aos dois outros espaços naturais, Tocas do Matias (figuras 8 e 9) e entrada principal (figuras 10 a 13), observados sistematicamente via MCCA, o primeiro foi mais frequentado durante as pausas dos funcionários, com predominância de uso no horário de

almoço. Tal acesso diminuiu ou cessou no período entre as pausas. Já o segundo espaço mapeado foi utilizado ao longo do expediente do CECAN pelos pacientes e acompanhantes, enquanto houve usuários esperando atendimento ou transporte, e o céu esteve claro. Ao final da tarde, os pacientes e acompanhantes que restaram nos espaços naturais tenderam a entrar, por medo ou frio. As distribuições de ocorrências de comportamento, por espaço natural mapeado, são exibidas nas figuras 14 a 15:

Figura 14. Distribuição de ocorrências de comportamentos pelos horários de observação na Toca do Matias

Figura 15. Distribuição de ocorrências de comportamentos pelos horários de observação na entrada principal

Já as figuras a seguir oferecem um comparativo entre os dois espaços mapeados, para cada uma das categorias comportamentais observadas: contemplação (figura 16); socialização (figura 17); e repouso deitado (figura 18):

Figura 16. Distribuição de ocorrências do comportamento de contemplação pelos horários de observação nos espaços mapeados

Figura 17. Distribuição de ocorrências do comportamento de socialização pelos horários de observação nos espaços mapeados

Figura 28. Distribuição de ocorrências do comportamento de repouso deitado pelos horários de observação nos espaços mapeados

A Toca do Matias, espaço de acesso restrito, apresentou picos de ocupação nos intervalos, principalmente no horário de almoço dos funcionários. Houve predominância dos comportamentos de contemplação e socialização. Já a entrada principal, espaço de acesso livre, apresentou maior constância de utilização, havendo alternância entre comportamentos. Neste, contudo, foi possível notar: 1) a diminuição das ocorrências de socialização em paralelo à elevação das de repouso deitado, especialmente após o meio-dia, coincidindo com o “cochilo do almoço”, hábito regional; 2) declínio de ocupação ao final da tarde, coincidindo com a chegada do transporte de pacientes e acompanhantes. A despeito das diferenças de utilização dos espaços ao longo do dia, coerentes com as dinâmicas dos usuários e com a restrição de acesso, as observações demonstraram que ambos os espaços naturais são diariamente utilizados para “passar o tempo”, por grupos distintos de usuários.

Na Toca do Matias, aproveitando que consegui identificar os setores dos funcionários pela vestimenta e pelo conhecimento previamente adquirido nas observações assistemáticas, resolvi fazer um comparativo de atividades por setor de trabalho, mostrado na figura 19:

Figura 19. Comportamento por setor de trabalho na Toca do Matias

A figura mostra que a socialização é uma atividade comum a todos os setores cujos funcionários acessam o espaço, a contemplação é mais frequente entre os trabalhadores do atendimento e da administração, enquanto o repouso deitado é praticado pela informática e

pela manutenção nos bancos existentes na Toca do Matias, quando estes estão vagos, o que é mais provável de ocorrer antes do meio-dia e após 13h.

Acrescento que todos os usuários se posicionaram em áreas de sombra, de coberturas naturais ou artificiais, mas sempre em contato com superfícies naturais (gramado ou areia), alguma vegetação e ao ar livre. Nos dias de vento forte, de céu muito nublado ou chuvosos, os espaços foram menos frequentados: redução da quantidade de usuários, ou do tempo de permanência (inferior a 30 minutos).

Vale ressaltar que os usuários, funcionários ou não, estão em contato direto ou indireto com situações de sofrimento e estresse, seja pela doença ou pelo trabalho necessário ao funcionamento do serviço de saúde. Assim, não faria sentido se as pessoas deliberadamente buscassem espaços que agravassem o estresse, já presente em suas realidades; e seria incompatível fazer isso para realizar atividades bucólicas, como as supracitadas, enquanto dispõem de tempo livre.

Destaco ainda que não foi necessário adicionar categoria comportamental alguma à ficha de observação, visto que as previamente levantadas na observação assistemática abrangeram as ações dos usuários que utilizaram os espaços naturais durante a pesquisa. Isso reforça tanto a importância do levantamento antes do MCCA quanto o que foi afirmado no parágrafo anterior.

Assim, as observações do estudo mostraram que os referidos espaços naturais viabilizaram ações de contemplação, socialização e repouso deitado aos usuários que os utilizaram. Em outras palavras, tais espaços parecem ser affordances de restauração para os frequentadores do local. Para investigar se estes resultados refletiriam as percepções dos usuários, precisei ouvi-los.

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