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Capítulo 5 A crise do PVR e o esvaziamento da rede: uma análise à luz de suas interfaces

5.1 Atores, interface e poder na dinâmica do PVR

5.3.6 A visão da Assesoar sobre a crise com a Universidade

Também para a Assesoar as maiores crises entre ela e a universidade se iniciam com a incorporação da UNIOESTE. Contudo, para a ONG, em grande parte, isso se dava em função da constante troca de professores no PVR, e não do reposicionamento dos atores na rede ou ao processo de ressignificação executado pelos docentes:

[...] UNIOESTE troca muita gente. Isso dá um certo problema, porque o instituído da universidade não é igual ao instituído da Assesoar. Na Assesoar há um institucional que, de certa forma, abarca as possíveis diferenças que tenha nas abordagens pessoais. Na universidade não é assim. Um institucional agrega e quando vem um profissional, novo um professor novo, ele traz a sua carga e não necessariamente o institucional pauta. Cria uma sensação de começar de novo sempre né! [...] (Dm, entrevista 1 Ator- mundo, pesquisa de campo 2006, linhas: 266-273).

A visão oficial da Assesoar será pautada por uma leitura mais operacional de condução dos trabalhos do Projeto;contudo, nas discussões internas em que tive a oportunidade de participar, os aspectos ideológicos eram apontados como centrais. Não era apenas a troca de docentes que causava problemas, mas suas diferentes visões de mundo frente às questões da agricultura familiar e do papel da universidade na sociedade, como demonstram documentos da Assesoar:

O aprendizado da Assesoar com relação à universidade pública, nos anos 90, levou a fazer uma distinção fundamental entre os documentos formais nos acordos de trabalho e o acordo programático. Na medida em que o plano de ação foi se desenvolvendo, percebeu-se melhor a universidade pública como um espaço de disputa na produção e difusão do conhecimento de acordo com os projetos de sociedade que se enfrentam. Assim foi fundamental, para garantir alguma viabilidade operacional nos trabalhos, “localizar” grupos de professores que compartilhassem e assumissem propostas de desenvolvimento minimamente sintonizadas com o proposto pela Assesoar e Organizações populares, no caso do PVR (Assesoar, 2006a, p. 14, sublinhados nossos).

O desafio da Assesoar, enquanto ator central no processo de formação e manutenção da rede, era o de incorporar esses novos agentes ao PVR, de modo que, na melhor das hipóteses, continuassem a desempenhar o papel da FACIBEL. Contudo, era necessário pensar um cenário mais adverso, em que seria necessário negociar novos papéis e funções na rede. Os novos docentes, por estarem descolados da história da entidade, não a tinham como o ator essencial no processo. Sua posição era muitas vezes relativizada pelos docentes; e, em outras, a ONG era vista como um empecilho para o desenvolvimento do projeto. Aliado a isso, muitos docentes viam como problema a metodologia adotada pela ONG para a tomada de decisões. Para eles, havia um assembleísmo e uma valorização excessiva do “senso comum”. As resoluções eram tomadas sem o necessário e devido aprofundamento. Outros docentes reclamavam que, mesmo quando eles argumentavam e convenciam o coletivo, algumas das decisões eram alteradas deliberadamente sem explicações.

Para minimizar as armadilhas que o novo cenário apresentava, era necessário que a Assesoar construísse outras leituras do PVR, olhando-o como um processo complexo e suscetível de ser influenciado pelos outros atores e não como uma extensão das decisões internas da entidade. Para isso, ela poderia compreender que estes projetos são espaços dinâmicos, em que há uma grande cadeia ou fluxo de eventos, nos quais os atores estabelecem complexas relações. Nesses locais, os atores disputam e transitam por uma enorme gama de fatores, como: crenças, recursos discursivos, formação teórica e experiências anteriores. Também são componentes da rede os recursos alocados, competências gerenciais e administrativas.

Dentro desta perspectiva, para garantir a transição da FACIBEL para a UNIOESTE de forma menos traumática, seria necessário à Assesoar fazer com que os atores aceitassem ver a realidade focada o mais próximo possível de sua ótica e pressupostos. Ou, na pior das hipóteses, convencê-los de que essa era a escolha mais aceitável para o cenário vivido naquele momento. A entidade não percebeu que atitudes arraigadas em posições ideológicas fixas,

contra um cenário de liberdade de opções, conduzem a rupturas nos acordos, abalando a rede. Isso ocorre quando os atores estão demasiadamente confiantes do seu papel e aprisionados à idéia de verdade única. Com a manutenção de posições fixas o ponto de passagem obrigatório criado para o PVR começa a ser deslocado.

Para os novos professores que ingressaram na arena do PVR, pela extensão da UNIOESTE, o discurso da Assesoar era apenas mais um discurso. Ou seja, não carregava a carga histórica reconhecida pelos professores ligados à antiga FACIBEL. A ONG não conseguiu antecipar, nem aceitar, que a introdução desses docentes no PVR, a saída adotada pela Assesoar muitas vezes eram os argumentos legais/institucionais, como por exemplo exigindo o cumprimento do convênio assinado entre a entidade e a FACIBEL em 1999 e convalidado pela UNIOESTE em 2002. Em reuniões de acompanhamento do PVR este convênio era constantemente invocado para tentar enquadrar os docentes às reivindicações da entidade. Embora todo esforço nesse sentido, a autonomia docente impossibilitava que as estratégias tivessem a eficácia desejada. Logo, ele poderia ser publicamente contestado sem maiores conseqüências. Isso fez com que a “autoridade” da ONG fosse questionada e, junto com ela, surgissem discordâncias quanto à validade da metodologia adotada no projeto. Para alguns docentes, esse era o “calcanhar de Aquiles” do PVR, pois era impensável propor uma intervenção de desenvolvimento com base apenas nas impressões dos agricultores, sem planejar e sem aprofundar os processos. Ainda que, obviamente, o que se considerava “impressões dos agricultores” fossem as idéias da Assesoar assumidas pelos agricultores...

Ao fazer a tradução da UNIOESTE, a Assesoar o fez por via de uma simplificação que procura definir o papel da universidade na sociedade. Essa simplificação conduz a armadilhas, como a de acreditar que a sociedade pode ser reduzida ao mundo da agricultura familiar e que a universidade, com toda sua complexidade, pode ser atada por um convênio.

Os docentes e a UNIOESTE seguiam sua própria trajetória, produzindo e reinterpretando o Projeto de acordo com suas visões. Tanto que a produção acadêmica sobre o projeto era muito maior que na fase da antiga faculdade. Segundo o relatório anual do projeto de extensão do PVR, no período de um ano, de maio de 2003 a abril de 2004, foram realizadas 54 atividades ligadas ao PVR e quinze publicações de trabalhos em congressos e encontros de nível regional e nacional. No ano anterior, além de alguns artigos foi publicado também o terceiro volume do PVR.

No início de 2005, a Assesoar se retira do Projeto. Com sua saída, o PVR assume seu lugar na agenda da UNIOESTE apenas como um projeto de extensão em que são desenvolvidas, principalmente, atividades na formação de professores em parceria com a Prefeitura Municipal. E, em junho de 2007, o coordenador do Projeto deu entrada no relatório final, propondo a extinção do Projeto Vida no Roça, encerrando o ciclo do Projeto. Na seqüência dando continuidade à análise das interfaces, passaremos a analisar as relações ocorridas com a Prefeitura.

5.4 - A interface com a prefeitura: a leitura da Assesoar sobre política pública

O objetivo central do PVR, anunciado nos documentos de sua concepção, era a construção de políticas públicas que servissem de referência para os movimentos sociais. Nesse sentido, uma das interfaces privilegiadas para tal fim será com as administrações públicas. E, no caso do projeto, a interface mais imediata são as administrações municipais de Francisco Beltrão.

Pretendemos mostrar que, apesar de ser uma interface fundamental, a Assesoar pouco sabia sobre a construção de políticas públicas. Sua visão sobre esse tema estava presa à noção de que as questões relativas às políticas públicas dependiam apenas de vontade política.

A cronologia da interface do PVR com a prefeitura obedece a três estágios. O primeiro vai de 1997 a 2000, fase em que a prefeitura municipal era administrada por uma ampla coligação de partidos72, o prefeito era do PMDB e o vice do PT. O segundo estágio (2001 a 2004), fase em que a coligação PMDB/PT é derrotada e quem assume o governo municipal é a coligação PP/PSDB. O terceiro estágio (2005 e 2006) se inicia com a reeleição da coligação PP/PSDB. A marca dessa última fase será o aprofundamento do desgaste nas relações entre a Assesoar e a prefeitura (sobretudo com a secretaria de educação) e o rompimento das relações institucionais com a saída da Assesoar do PVR em 2005. A seguir, buscaremos discutir alguns aspectos inerentes a estas fases.

72Nas eleições de 1996 havia uma frente que unia PT, PDT, PSDB, PMDB, PSB, PPS e PCdoB, encabeçada,

como vimos, pelo PMDB e PT. Esta frente disputou as eleições com a coligação “Beltrão no Rumo Certo”, da qual faziam parte PPB, PFL, PL, PTB. Essa coligação foi encabeçada por Vilmar Cordasso que, nas eleições de 2000, derrotaria o PT (ORTOLAN, 2006).