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Capítulo 5 A crise do PVR e o esvaziamento da rede: uma análise à luz de suas interfaces

5.1 Atores, interface e poder na dinâmica do PVR

5.3.5 O cronograma da mudança

Em 2001, no primeiro concurso, um pequeno grupo de professores que ingressaram na UNIOESTE é convidado a participar do PVR. Estes docentes começaram a trabalhar nas atividades ali desenvolvidas sem interferir diretamente nos processos já planejados. Os relatos destes docentes dão conta de que eles estavam se ambientando à dinâmica do Projeto. Neste momento inicial, a UNIOESTE fornece sete docentes para o Projeto, dos quais seis não

pertenciam ao antigo quadro da FACIBEL. Estes professores tinham, então, 34 horas- atividades alocadas no PVR, contra apenas 10 horas do período da antiga faculdade.

Uma pequena parte do aumento das horas atividade será absorvida na localidade de Jacutinga. O restante será utilizado no processo de expansão do projeto para outras localidades de Francisco Beltrão. Isso gerará alguns problemas para a Assesoar. Os novos docentes são designados para atuar nas comunidades da fase de expansão sem que conhecessem os critérios e os objetivos do PVR. Sem um treinamento, o espaço de criatividade e liberdade era muito grande. Eles não levarão a metodologia de trabalho exatamente como a ONG imaginava. Ao mesmo tempo, o aumento das horas potencializa o contato com as atividades do PVR, que se faz de um modo não orgânico, como a Assesoar desejava. Os novos docentes desconheciam a historicidade na qual o projeto estava envolvido, bem como as relações de poder subjacentes ao mesmo. No processo “ideal” imaginado pela Assesoar haveria uma transição mais lenta. Todavia, no âmbito da UNIOESTE, ao se transformar num projeto de extensão, o PVR adquire vida própria. As regras internas da UNIOESTE que regem estes projetos acabam por atropelar os planos da entidade. Com as novas regras, por exemplo, não havia a necessidade de preencher o perfil de esquerda: qualquer docente interessado podia pleitear ingresso no Projeto. A absorção das atividades do PVR pela UNIOESTE transforma as normas, prazos, regimentos, resoluções, colegiados de cursos e direitos da universidade em atores inesperados que colaboram para alterar as relações de poder no Projeto. Para quem imaginava e desejava como ideal um cenário similar ao encontrado na FACIBEL, as novas relações trarão inúmeras surpresas e desafios.

No segundo semestre de 2002, um grupo maior de professores é convidado a participar do Projeto. Quando chegaram, muitos docentes percebiam que havia intensa divulgação no estilo boca-a-boca sobre o PVR. Este era apresentado como um projeto que possibilitava ao docente a execução de atividades de pesquisa e extensão. O processo de interessamento dos novos docentes não se vinculava ao fato dele representar o trabalho da Assesoar, “uma ONG respeitada pela defesa da agricultura familiar”, ou algo similar. Para o docente o fato era que o PVR era apresentado como “maior projeto da UNIOESTE” e que o mesmo possibilitava fazer pesquisa e extensão. Além disso, para a maioria dos professores ingressantes, o Projeto oferecia a oportunidade de conhecer algumas dinâmicas locais, contribuir na sua área de atuação e descobrir possíveis objetos de estudo.

Em agosto de 2002, o PVR contava com a participação de vinte e três professores. Destes, apenas quatro eram nascidos na região e conheciam a história da Assesoar, um dos

quais era Am, que tinha, como vimos, sérias críticas ao modo da entidade conduzir o PVR. De todos os docentes envolvidos nessa época, não mais que cinco não tinham suas pesquisas vinculadas de uma forma ou outra ao mundo rural ou à agricultura familiar especificamente. O que demonstra que este grupo de docentes apresentava formas de identidade com a temática tratada e tentaram trazer suas experiências para o PVR.

Para a maioria dos docentes ingressantes na UNIOESTE, este era o primeiro contato com a Assesoar. Para eles, esse contato era articulado pelo PVR, e o Projeto era visto como uma atividade de extensão da UNIOESTE. E continuou assim, mesmo quando a ONG tentou se reposicionar na nova interface. Para parte desses docentes, a carga histórica da Assesoar e as pretensões do PVR eram totalmente ressignificadas, relativizadas e mediadas por outras questões que não as eleitas pela ONG. O reflexo imediato disso foram os constantes conflitos que ocasionavam mudanças no quadro docente e geravam uma fonte a mais de preocupação na Assesoar, que não via continuidade no trabalho desenvolvido.

As constantes trocas de docentes vão impactar no funcionamento do PVR. A Assesoar não consegue entender o que está ocorrendo com a universidade naquele momento, porque a UNIOESTE é tão inconstante no projeto. A resposta dada pela ONG é a de criticar as atitudes individuais dos docentes e tentar enquadrá-los, como ocorreu com Am ou recorrer ao convênio para tentar garantir o cumprimento do número de horas no PVR como na época da FACIBEL. A fim de ilustrarmos nosso argumento, retomemos uma fala de Am, que faz uma interessante leitura dessa fase. Para ele, a lógica do projeto pedia que os docentes se negassem enquanto tal, ou seja, se desvinculassem de suas perspectivas de pesquisa para atender a agenda da Assesoar no projeto.

[...] os professores foram saindo. Os professores da universidade. Porque o projeto, digamos, tinha uma lógica de se negar enquanto professor da universidade e ser um deles lá e construir a partir de lá. E o professor na universidade, ele parte de um outro lugar. Primeiro o professor da universidade tem autonomia, absoluta ele vai estudar o que quer e como quer. Ele é livre [...] (Am entrevista 1 parceiro universidade, pesquisa de campo 2006, linhas 589-595).

Segundo ele, os novos docentes “partem de outro lugar”, ou seja, têm autonomia para decidir o quê e como pesquisar.

[...] então, esse foi o grande conflito do Projeto Vida na Roça e da universidade, enfim, da Assesoar. Os agricultores não conseguiam entender essa lógica da universidade. Porque na prática a universidade não existe, a não ser que algum professor espontaneamente queira trabalhar, mas não dá para a universidade dizer:

bem, eu vou assumir um convênio de um projeto com tantas horas semanais porque a carga horária do professor... não depende de quem está na gestão da universidade, o professor tem autonomia de fazer ou não. Eles têm autonomia também de não seguir aquilo que o coletivo lá do projeto aprovou. Então, nesse sentido, acho que, foi criando crises e crises internamente na universidade [...] mas aí não foi falha da universidade foi o projeto mesmo que entrou em crise [...] (Am, entrevista 1 parceiro universidade, pesquisa de campo 2006, linhas 303-623).

Nas palavras de Am, isso significa que não é possível estabelecer convênios que determinem o número de horas de trabalho nos moldes do existente na época da FACIBEL. No novo quadro, os docentes não aceitam passivamente as decisões do “coletivo”. A entrada destes novos docentes no PVR, com maior liberdade e autonomia de vinculação à pesquisa e à extensão serão fatores essenciais que nortearão as futuras relações entre a Assesoar e a universidade.