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O mapa 2, com a estrutura viária do sudoeste paranaense, mostra a precariedade dos acessos aos locais destinados aos colonos. A estrada vinha até a Vila de Pato Branco, distante 65 km de Francisco Beltrão. Apenas uma precária rodovia ligava a região sul do Brasil a Pato Branco. As vias de acesso ao interior das glebas Missões e Chopim eram apenas trilhas abertas pelos caboclos para escoar sua pequena produção. Apesar das dificuldades enfrentadas, a mata fechada e as precárias condições de infra-estrutura regional, a GANGO continuava a atrair um grande contingente de colonos.

Apesar da precária infra-estrutura regional, o crescimento populacional foi explosivo. O povoado de Marrecas, que deu origem a Francisco Beltrão, já em 1948, contava com uma população cadastrada de 2.529 pessoas. Dois anos depois este número era de 7.147, apenas no povoado, a região totalizava naquela época 76.373 habitantes. Em 1956, o mesmo núcleo, agora denominado Francisco Beltrão, contava com 15.284, e a região tinha 230.379 habitantes.

Havia uma confiança na atuação assistencialista do Estado através da CANGO, fator que, somado ao prestígio das novas terras, estimulava o fluxo de migrantes, que, por sua vez, era alimentado por redes de parentesco e por um forte sentimento de solidariedade e coesão familiar. Parte desse último aspecto pode ser observado na tipologia das comunidades espalhadas pela região, nas quais se formam pequenos aglomerados de casas onde moradores, quase todos de um mesmo sobrenome, compõem uma minúscula vila. Nesse cenário de demanda crescente e de limitada capacidade de atendimento, boa parte do povoamento do Sudoeste do Paraná será feito de modo espontâneo, sem a assistência e o planejamento da CANGO, fora do controle do Estado, mas com a participação ativa dos caboclos.

Do ponto de vista socioeconômico, a maioria dos colonos caracterizava-se pela escassez de capital e pela pequena propriedade agrícola, em que a unidade produtiva se confundia com a unidade familiar. A disponibilidade de mão-de-obra existente na própria família condicionava, em grande parte, a intensidade da atuação econômica.

2.3.2.1 - Esgotamento da capacidade da CANGO para organizar o processo de colonização

Ao analisarmos o quadro 3, percebemos claramente que a afluência de imigrantes era bem maior que a capacidade de assistência que a CANGO podia oferecer. Além dos colonos já residentes, havia um cadastro de mais de oito mil famílias que solicitavam terras à companhia. Para dar conta da demanda por terras, a CANGO distribuía lotes que variavam entre 25 a 50 ha por propriedade, dependendo da topografia do terreno.

Quadro 3: Evolução do número de habitantes na área atendida pela CANGO entre 1947-1956 Ano Número de famílias cadastradas Número de habitantes

1947 467 2.529

1948 886 4.956

1949 1.068 6.045

1950 1.440 7.147

1956 2.725 15.284

Para atender a esse constante e crescente fluxo de migrantes, a CANGO procurava organizar a chegada dos colonos e, na medida do possível, dar-lhes apoio durante o processo de fixação. Fornecia também o acompanhamento na implantação da sua atividade, para o que criou uma espécie de “ante-sala”, onde os colonos eram recepcionados, avaliados e conduzidos aos seus lotes. A atuação da CANGO, articulada ao modo como os caboclos recepcionaram os colonos, imprimirá a identidade da atual estrutura agrária da região, onde mais de 90% das propriedades rurais possuem menos de 100 hectares, sendo 65% delas abaixo de dez hectares.

A estrutura agrária estabelecida pelo Estado, com a cessão de títulos de terras para pequenas propriedades, foi determinante para a construção da identidade regional. Esta diretiva criou uma economia baseada na propriedade da terra, em um modelo de agricultura constituído por unidades de produção familiares que, diferentemente dos caboclos, tinham o mercado consumidor como o seu objetivo prioritário. O processo colonizador teve capítulos em que a atuação da população desempenhou um papel fundamental na formação do ethos regional, como a luta dos colonos contra os jagunços das companhias colonizadoras. Este evento ficou conhecido como a “Revolta de 1957” e, aos poucos, vai se tornando o elemento fundante de uma identidade regional, valorizada e reificada pelo poder público local como símbolo do pioneirismo e da bravura, na tentativa de transformar esse episódio no aspecto central do processo colonizador do Sudoeste do Paraná.

A revolta também é cuidadosamente reconstruída por parte dos movimentos populares ligados à luta pela terra. A interpretação destes movimentos é, contudo, apresenta outra roupagem, na qual se enfatiza a capacidade popular de resistência e de luta na defesa da agricultura familiar. Para a Assesoar, por exemplo, a Revolta de 1957, como é contada pelos poderes instituídos, esconderia os interesses dos comerciantes e políticos já enraizados na região, e que precisariam ser desmistificados para superar a dominação capitalista.

2.3.3 – A revolta de 1957

2.3.3.1 – No braço com armas, a formação do ethos regional: um patrimônio mobilizado pelos atores

Até 1950, os processos que se desenvolviam no Sudoeste do Paraná eram marcados pela regularidade e pela tranqüilidade. Ocorre, contudo, segundo Wachowicz (1987), que tudo era ilegal, uma vez que essa terra (Gleba Missões) estava sub judice. Havia uma contenda jurídica entre o Estado do Paraná e a União. Esta pendência jurídica impedia legalmente o governo federal de dar escritura definitiva aos colonos; em seu lugar, os

agricultores recebiam da companhia agrícola apenas títulos provisórios. Numa fase posterior, a CANGO deixa, inclusive, de fornecer até mesmo os títulos em caráter de provisoriedade.

As sobreposições de interesses e os problemas jurídicos na região se constituirão no embrião para a Revolta de 1957. Este episódio e os desdobramentos que se seguiram irão fornecer os elementos que moldarão boa parte da identidade cultural. Nesse acontecimento se cristalizarão, além das lideranças e das instituições, um forte imaginário popular. A abrangência regional e a grande participação dos colonos levarão histórias de heroísmo e protagonismo para cada município e a cada lar da região.

2.3.3.2 - Os embriões da Revolta de 1957

A Revolta de 1957 foi o desfecho final de uma sucessão de disputas territoriais sobrepostas por constantes confusões jurídicas e políticas. A porção de terras conhecida como Sudoeste do Paraná era objeto de diversas doações que se iniciaram no Império com uma outorga feita em 1889 por D. Pedro II ao engenheiro João Teixeira Soares, com direitos de concessão para a companhia que viesse a construir uma estrada de ferro ligando Itararé (SP) a Santa Maria da Boca do Monte (RS), até o rio Iguaçu. A concessão dava direito à apropriação de 30 quilômetros de terras para cada lado do eixo das linhas (LAZIER, 1998, p. 25). Em apenas quatro anos, a concessão sofreu uma alteração contratual e duas transferências, sendo a última para o Sindicato Farquhar que, em 1893, organiza a Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande (EFSPRG). Na região Sudoeste do Paraná, a EFSPRG teve as suas terras tituladas em duas etapas: em 1913, com a gleba Chopim (715.080.142 m2) e, depois, em 1920, com a incorporação da gleba Missões (4.257.100.000 m2). Contudo, a instabilidade política do período de transição do Império para a República fazia com que a conjuntura política mudasse muito rapidamente, e o Estado brasileiro rescindisse os contratos com a EFSPRG. Um dos primeiros atos nesse sentido será realizado pelo interventor do Estado Novo no Paraná, ato que anulará algumas das concessões territoriais feitas à Brazil Railway Co. A empresa começará então uma disputa jurídica com o Estado do Paraná.

Em 1940 Getúlio Vargas nacionaliza o patrimônio da Brazil Railway Co., companhia que, naquele momento, era um trust detentor de diversas empresas em todo o território nacional. O governo federal, para administrar o capital nacionalizado, criou a Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União (SEIPU), que se responsabilizou também pela administração das glebas Chopim e Missões (REGO, 1979, p.

94, apud ABRAMOVAY, 1981 p. 42). Mais tarde, os interesses dos atores nacionais e a administração da SEIPU serão os responsáveis pelo agravamento da crise regional.