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A visão dos princípios constitucionais pelos pós-positivistas

No documento MESTRADO EM DIREITO DO TRABALHO (páginas 60-67)

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.2 A visão dos princípios constitucionais pelos pós-positivistas

O chamado pós-positivismo ou neopositivismo consiste em uma nova dogmática, o direito principialista, preocupado com os valores, como uma tentativa de superação do eterno antagonismo entre o direito natural e o direito positivo.

O direito natural, sempre muito preocupado com a justiça, mas deixando a segurança jurídica em segundo plano, e o direito positivo, muito preocupado com o aspecto científico e com a segurança jurídica, mas praticamente ignorando a existência dos princípios e rejeitando a racionalidade, desprezando a argumentação racional sobre os valores e a justiça112.

O positivismo não negava totalmente os princípios, porém, atribuía a eles função meramente supletiva no ordenamento jurídico113.

Essa visão positivista pode ser observada a partir da leitura de alguns artigos, ainda hoje em plena vigência, onde os princípios são tratados

111

Eduardo Ribeiro Moreira, Obtenção dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 15.

112

Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações privadas, p. 59.

113

como forma de integração das normas jurídicas. Isso é facilmente constatado no texto dos artigos 126 do CPC, 8º da CLT e 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, esta que é a verdadeira lei geral sobre interpretação de todas as normas.

O pós-positivismo busca a reaproximação entre o direito e a ética, dá maior importância aos valores civilizatórios e aos direitos fundamentais e, o mais importante para o nosso estudo, atribui sentido normativo aos princípios.

A doutrina tradicional sempre fez distinção entre princípio e norma, tratando-os como categorias distintas. Hoje é praticamente consensual o entendimento decorrente da doutrina pós-positivista, no qual a norma constitui gênero do qual os princípios e as regras são espécies114.

Aos princípios é atribuída importância central, com o reconhecimento de sua força normativa115.

Leciona Paulo Bonavides que o constitucionalismo contemporâneo e seus precursores “erigiram os princípios a categoria de normas, numa reflexão profunda e aperfeiçoada”116.

Importante analisarmos a diferença entre princípios e regras traçada pela doutrina atualmente conceituada.

114

Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações privadas, p. 61.

115

Ibidem, p. 57.

116

Segundo Robert Alexy117, a distinção entre regras e princípios

constitui a base da fundamentação jurídica, funcionando como chave para a solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Para o autor, sem ela, não pode existir uma teoria adequada em relação aos limites, ao problema da colisão, nem mesmo do papel ocupado pelos direitos fundamentais no ordenamento jurídico.

Segundo a teoria de Ronald Dworkin, a regra obedece à lógica do “tudo ou nada”, consistindo em comandos disjuntivos118. Possui aplicação

automática, na medida de suas prescrições e não permite o juízo de ponderação.

Regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, deve-se cumprir exatamente o que nela está disposto, nem mais, nem menos119.

O conceito atual de princípios é trazido por Robert Alexy120.

Segundo ele, princípios são “mandamentos de otimização”, ou seja, são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Eles não têm a aplicação automática que têm as regras, devendo, na análise do caso concreto ter sua aplicação na maior medida possível.

117

Teoria de los derechos fundamentales., p. 81.

118

Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações privadas, p. 62.

119

Robert Alexy, op. cit., p. 87.

120

Assim também entende José Joaquim Gomes Canotilho: “princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de <<tudo ou nada>>; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em vista a <<reserva do possível>>, fáctica ou jurídica”121.

A regra possui valor primário, devendo respeito às normas fundamentais. O princípio atua como forma de intermediação, é abstrato, porém, tem maior peso e importância do que a regra, mas exige um exercício de hermenêutica para sua aplicação122. Os princípios não podem ser aplicados

mecanicamente, eles exigem um esforço interpretativo maior do operador do direito123.

Flávia Piovesan124 entende que o ordenamento jurídico é um sistema, onde as normas legais atuam ao lado dos princípios, que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos. Para essa concepção os princípios, por decorrerem da evolução histórica da humanidade, conferem coerência e harmonia ao o sistema jurídico, salvaguardando seus valores fundamentais e cumprindo função ordenadora. Desta forma, a interpretação das normas constitucionais decorre do critério valorativo extraído do próprio sistema constitucional.

121

Direito constitucional, p. 534.

122

Eduardo Ribeiro Moreira, Obtenção dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, p. 10- 11.

123

Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações privadas, p. 61.

124

Afirma Marcelo Rugeri Grazziotin que “os princípios constitucionais guardam ainda maior relevância, exigindo do intérprete do direito a referência obrigatória a estes, constituindo-se no cérebro das Constituições”125.

Os princípios estabelecidos pela Constituição trazem coesão ao ordenamento jurídico, direcionando os atos praticados pelo Estado e pela sociedade126.

Além disso, os princípios têm grande importância, pois, devido à sua plasticidade, permitem que a Constituição se adapte com maior facilidade às mudanças que ocorrem na sociedade com o passar do tempo, conferindo-lhe maior flexibilidade127.

Os princípios trazem em si valores, dando sentido dinâmico às normas jurídicas e estabelecendo condições socioeconômicas e sociais para alcance de todos128. São “normas especiais, que ocupam posição de destaque no

mundo jurídico, orientando e condicionando a aplicação de todas as demais normas”129. São considerados os mandamentos nucleares de um sistema130.

Leciona Rizzatto Nunes que “pode-se dizer que o princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso

125

Tratamento jurídico diferenciado à pequena empresa no processo do trabalho, p. 60.

126

Ibidem, p. 61.

127

Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações privadas, p. 65-66.

128

Christiani Marques, O contrato de trabalho e a discriminação estética, p. 139.

129

Luiz Antônio Rizzatto Nunes, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana..., p. 38.

130

mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”131.

Os princípios devem ser considerados não só pelo aplicador do Direito, mas por todos aqueles que, de alguma forma, se dirijam ao sistema jurídico. Nenhuma interpretação será bem feita se for abandonado um princípio132.

Marcelo Roberto Bruno Válio afirma que:

“Na dogmática contemporânea, os princípios podem assumir diversas funções. (...) podem assumir uma função explicativa, permitindo a identificação da mens legis e sua contínua adequação aos valores sócio-culturais existentes por ocasião de sua aplicação, ou uma função normativa, tornando cogente que os fatos, simultaneamente, sejam valorados em conformidade com as regras e os princípios que lhes são subjacentes.

A adoção dos princípios tornará a norma mais fluida e indeterminada, por revestir-se de um grau de abstração e generalidade mais acentuado do que as regras; por outro lado, a menor determinabilidade do campo de adaptação da norma será compensada com uma adequação mais célere aos valores que disciplina, o que também exige maior responsabilidade do operador do direito ao sopesar sua axiologia e densificar seu conteúdo”133.

131

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana..., p. 37.

132

Ibidem, p. 19.

133

Em relação à teoria dos princípios na fase do pós-positivismo, conclui Paulo Bonavides:

“(...) a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios”134.

Para Alexy, a teoria dos princípios também é base para a solução tanto da colisão de direitos fundamentais, como da vinculação desses direitos em relação a terceiros, incluindo os particulares135.

A doutrina pós-positivista reconhece a função normativa dos princípios, permitindo sua aplicação não somente nos casos de lacuna da lei, mas

134

Curso de direito constitucional, p. 294.

135

também como forma de atuação direta dos princípios para a solução de casos concretos.

Essa atuação ficará mais fácil de ser visualizada após estudarmos os principais princípios aplicáveis às relações de trabalho, os casos de colisão e sua eficácia, o que faremos nos tópicos seguintes.

Passaremos agora ao estudo da dignidade da pessoa humana, consagrada pela Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III), valor constitucional supremo.

A dignidade da pessoa humana é mais do que um princípio constitucional, é um verdadeiro superprincípio, que, sob a ótica do pós- positivismo, deve permear os demais valores consagrados no ordenamento jurídico.

No documento MESTRADO EM DIREITO DO TRABALHO (páginas 60-67)