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CAPÍTULO 2 – O ESTADO NACIONAL E A LEGISLAÇÃO INDIGENISTA

2.2. A VITÓRIA DOS PROPRIETÁRIOS

Após o início das atividades do Conselho Geral da Província do Ceará em 1829 tomaram força argumentos que defendiam a anulação do Diretório em seu território, que já havia sido sugerida em 1826, como vimos há pouco. Pelas limitações da Constituição e da lei de 1828, dificilmente os índios teriam condições de prosseguir ocupando cargos camarários, sendo uma exceção à tendência de que os mesmos grupos sociais continuaram a ascender à

câmara e a outros órgãos de poder, como disse José Reinaldo de Lima Lopes.48 Ainda assim, a

decisão em suprimir as vilas e a vigência da legislação pombalina não foi imediata, demandando algumas discussões. Apenas no mês de dezembro de 1830, através de proposta do conselheiro José Ferreira Lima Sucupira, levantou-se a possibilidade de limitar a aplicação da diretriz indigenista ainda em vigor. Segundo ele, não havia

"nenhuma razão para que, em uma associação que tem por objetivo a igualdade perante a lei, sejam alguns dos membros, em contravenção ao pacto fundamental de sua regeneração política, forçados a obedecer leis bárbaras ditadas em tempos prestigiosos pelo capricho de um conquistador"

A obrigação a que eram coagidos os índios de obedecer ao Diretório seria uma "manifesta infração à Constituição do Império que os declara cidadãos brasileiros, os que pela péssima educação e escravidão de mais de 300 anos" nem ao menos conheceriam seus direitos. Viveriam sem "garantia do direito de propriedade", usurpados pelos diretores que os arrancavam dos "serviços de um lavrador que lhes paga por mais para mandá-los trabalhar a outro que lhes paga por menos". Mas apesar de todo ataque aos efeitos negativos da lei setecentista e à sua "manifesta infração" à Carta Magna do país, curiosamente, propôs ao final

48 LOPES, José Reinaldo de Lima. Iluminismo e jusnaturalismo no ideário dos juristas da primeira metade do

que se cumprisse o "Diretório unicamente naquela parte que não dispuser a Constituição e leis constitucionais".49

Todas as afirmativas de Sucupira são carentes de explicações. Em primeiro lugar – supondo que a Constituição realmente abolira o Diretório – em que, na sua perspectiva, a lei pombalina era bárbara, se apresentava maiores garantias aos índios do que o texto constitucional? Ainda assim, como sabemos, não há qualquer menção sobre o Diretório no texto constitucional (e, sim, na já citada sessão n.º 16 do Conselho de Estado). Então, em que parte da mesma se havia anulado a legislação setecentista? Além disso, mesmo direcionando seu ataque a ação dos diretores, não ficou explícito se Sucupira era contra a tutela em si, deixando em aberto o mais crucial, na medida em que não esclareceu quais artigos da diretriz pombalina não feriam a Constituição. O que se percebe é que a autonomia provincial em legislar era tamanha – pelo menos no que dizia respeito aos índios – que seria possível operacionalizar a interpretação das leis e inclusive aplicá-las parcialmente, a partir das conveniências locais e das percepções particulares dos legisladores.

Mais cauteloso, o conselheiro Castro e Meneses propôs em 7 de janeiro de 1831, "como emenda ao requerimento" de José Sucupira, que se fizesse uma "representação, motivada à Assembleia Legislativa, para uma vez fazer cessar o Diretório", e que se pedisse ao vice presidente "para suspender as ordenadas dos diretores até a decisão da mesma

Assembleia".50 Na mesma sessão, Ângelo José da Expectação Mendonça foi bem mais

minucioso em sua proposta, ao sugerir que, "à vista da Constituição, das leis da Assembleia, do Diretório", se marcasse "as casas em que presentemente podem ter lugar o mesmo Diretório, enquanto não aparece decisão terminante a tal respeito da Assembleia e do poder executivo". Pedia também que cessassem "o ordenado dos diretórios, tão mal percebido, visto

o pequeno número de índios e o nenhum trabalho de tais diretores".51

Mais clara, a proposta de Mendonça parece indicar que, pela pouca serventia dos diretores, a tutela para a população indígena deveria ser extinta no Ceará. Sem ela, e a partir do aval da presidência da província, a vigência do Diretório chegaria ao fim pela primeira vez em território cearense. Tais debates do Conselho demonstram que, por uma série de razões – os traumas sofridos com os conflitos da época da independência, o avanço do poder das elites econômicas, a impunidade diante de abusos e explorações, a redução de ações protetoras da Coroa – a dispersão dos índios pela província aumentara bastante, a ponto de ser perceptível o

49 Proposta de José Ferreira Lima Sucupira. Fortaleza, 6 de dezembro de 1830. ATAS do Conselho Geral da

Província do Ceará: 1829-1835. Fortaleza: INESP, 1997, p. 165-166.

50 Proposta de Castro e Menezes. Fortaleza, 7 de janeiro de 1831. Idem, p. 171.

esvaziamento de suas vilas. Indicam ainda que, pelo menos momentaneamente, a necessidade pela mão-de-obra nativa por parte dos proprietários diminuíra, ou, pelo menos, fora suplantada pela ambição sobre as terras. Estando as vilas de índios pouco povoadas, com suas câmaras não mais ocupadas por eles e com a redução da dependência de sua força de trabalho, pouco motivo havia para que se continuasse com uma lei do tempo dos antigos monarcas lusitanos.

Em abril do mesmo, dom Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho menor de idade, iniciando-se no Brasil um governo regencial – o que representou uma grande vitória para os proprietários. Triunfava uma espécie de conservadorismo contra-revolucionário defensor da liberdade constitucional, cujo rótulo liberal, segundo Carlos Guilherme Mota, servia para disfarçar características ligadas ao Antigo Regime, como a exclusão de grupos

sociais e a exploração de sua força de trabalho.52 Para Maria Hilda Paraíso, com a

"tomada do controle pelas elites provinciais, o que se constata é a adoção de uma política agressiva, que lentamente foi-se encaminhando para promover a extinção dos aldeamentos, de forma a beneficiar os foreiros e sesmeiros dessas terras. Essas posturas reivindicatórias das oligarquias e sua atuação prática eram tanto mais desenvoltas quanto maior fosse a distância física da Corte, num claro sinal da incapacidade do Estado de controlar a ação dos seus súditos nas franjas de ocupação territorial".53

Ao final de 1831 o Diretório parecia já não ser mais utilizado. Apesar de não termos encontrado qualquer decreto ou lei que o anulasse, é o que se entende na leitura do parecer do Conselho Geral de 13 de dezembro acerca de uma representação da câmara de Messejana, que perguntava se os índios que habitavam o patrimônio da mesma deveriam ou não pagar o foro. O parecer foi negativo

"porque, posto que o Diretório esteja em desuso, e que os índios sejam considerados cidadãos brasileiros pela constituição do império, contudo a lei da criação das vilas lhes garante a cultura das terras do mesmo patrimônio extinto de foro, ou arrendamento em atenção ou que os seus progenitores foram os legítimos possuidores do país, e só por outra lei podem ser privados dessa garantia".54

Em sua particular interpretação das leis, o Conselho da Província do Ceará entendia que a Constituição fazia dos indígenas cidadãos brasileiros e que, por isso, a mesma anulava a

52 MOTA, Carlos Guilherme. Ideias de Brasil: formação e problemas (1817-1850). Viagem incompleta. A

experiência brasileira. Formação: histórias. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000, p. 205

53 PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. O tempo da dor e do trabalho: a conquista dos territórios indígenas nos

sertões do leste. Salvador: EDUFBA, 2014, p. 342.

54 Parecer do Conselho Geral da Província do Ceará. Fortaleza, 13 de dezembro de 1831. ATAS do Conselho

legislação setecentista, mas apenas em partes. A referida "lei de criação das vilas" não era outra senão o mesmo Diretório que parecia estar "em desuso" no Ceará. A situação é confirmada na maneira pela qual os índios são citados, como se não fossem os autores da representação e muito menos ocupassem a câmara de Messejana. Mas, mesmo que a lei pombalina não mais vigorasse, alguns de seus artigos, como a posse da terra isenta de foro aos índios, ainda não podiam ser abolidos sem determinação régia.

Tais garantias, as últimas restantes do Antigo Regime, não duraram por muitos anos. Ainda que não tivessem sido expressamente revogadas nesse período, algumas leis promulgadas a nível imperial e provincial e interpretações legais de agentes políticos locais fizeram com o poder dos índios de manutenção de suas terras ficasse ainda mais precário. Em ofício de maio de 1833 ao deputado da Junta da Fazenda Provincial José Antônio dos Santos Silva, o presidente do Ceará José Mariano de Albuquerque Cavalcante tratou da decisão do governo em suprimir Messejana, Soure e Arronches, anexando-as a Fortaleza. Disse que nas vilas havia "alguns próprios nacionais, assim como alguns bens que pertencem do d'antes ao Diretório, que além de incompatível com a Constituição do Império, tem caído em comisso" e que, por isso, deveriam "reverter para o Estado". Ao final, ordenou que o deputado mandasse

"pôr em execução os referidos próprios [nacionais], até que haja lei que lhe dê destino".55

O discurso de Cavalcante já se dirigia para a abolição completa do Diretório, utilizando a Constituição como argumento, com o objetivo de que fossem liberadas as terras dos indígenas, última garantia que ainda lhes restava da lei indigenista. As intenções do presidente se faziam presentes em outras regiões do Brasil no pós-independência e, segundo Maria Regina de Almeida, outros políticos "também propunham a assimilação dos índios

como cidadãos e a incorporação de suas terras aos 'próprios nacionais'".56 A cidadania

indígena, portanto, revertia-se em benefício das elites político-econômicas locais na medida em que automaticamente eram extintos os estatutos diferenciados oriundos do Antigo Regime, levando juntas as proteções e seus bens. Vânia Moreira acredita que a condição de ser cidadão da nova nação, ainda que muitas vezes negociada, também poderia ser imposta aos índios de forma violenta, e mesmo que indivíduos e comunidades tenham operacionalizado de múltiplas formas sua recém-coagida cidadania, as intenções governativas geralmente agiam objetivando a desamortização das terras indígenas. Para a autora, tal

55 De José Mariano de Albuquerque Cavalcante a José Antônio dos Santos Silva. Fortaleza, 13 de maio de 1833.

APEC, GP, CO EX, livro 20, p. 99V.

56 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Comunidades indígenas e Estado nacional: histórias, memórias e

identidades em construção (Rio de Janeiro e México – séculos XVIII e XIX). In: ABREU, Marta; SOIHET, Rachel; GONTIJO, Rebeca (Org.). Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 202.

situação fundiária foi deslanchada com a promulgação da Lei de Terras de 1850, "cujo objetivo precípuo era o de acabar com o domínio e o uso comum sobre várias terras que eles

possuíam na forma de sesmarias, missões, aldeamentos, compras e doações".57

A gestação dessas formas de usurpação, como vemos, são ainda anteriores. As convenientes leituras do texto constitucional de 1824 pelas elites locais já indicavam o fim dos estatutos diferenciados dos índios no que tangia à manutenção de antigos bens. A maior vitória para os potentados foi, de fato, a abdicação forçada de dom Pedro I em 1831, cujo

auge, segundo Manuela Carneiro da Cunha,58 estava na promulgação do Ato Adicional à

Constituição de 1834. Era a oportunidade de administrar com maior autonomia as problemáticas locais envolvendo os índios e de tomar posse de suas terras e patrimônios. Seu artigo 11, §5º, incumbia como uma das competências das assembleias legislativas – que substituíam os conselhos gerais de províncias – a promoção, "cumulativamente com a Assembleia e o governo geral, a organização da estatística da província, a catequese, a

civilização dos indígenas e o estabelecimento de colônias".59 Assim como a lei de 1º de

outubro de 1828, o ato adicional de 1834 não deixava de ser uma lei indigenista de âmbito geral, ainda que não tratasse exclusivamente desse tema. Além disso, era mais uma demonstração de que as intenções em se criar uma legislação ampla que uniformizasse as práticas voltadas aos índios de todo o Brasil – ou, pelo menos, um consenso em relação a ela – não eram compartilhadas pela maioria das lideranças políticas provinciais.

Reações ao ato legal, e a seus possíveis efeitos nas comunidades indígenas, sugiram no final do mesmo ano na Vila Viçosa, justamente a partir de quem se pensava estar excluído definitivamente do cotidiano dos nativos. No mês de novembro, o presidente do Ceará José Martiniano de Alencar alertou o juiz de paz da vila sobre uma denúncia do chefe de política de Sobral, de que "algumas pessoas mal-intencionadas procuram indispor os índios, como mais ignorantes, contra a reforma na constituição, decretada na lei de 12 de agosto de 1834", produzindo "perturbações e desordens". Ordenava que procurasse quem buscava denegrir as

"instituições soberanas" e punisse os que tentavam "destruir os artigos da constituição".60 Em

março do ano seguinte, foi revelado o provocador das agitações. Segundo o juiz de paz, o

57 MOREIRA, Vânia Maria Losada. Deslegitimação das diferenças étnicas, "cidanização" e desamortização das

terras de índios: notas sobre liberalismo, indigenismo e leis agrárias no México e no Brasil na década de 1850.

Revista Mundos do Trabalho, v. 04, 2012, p. 68-69.

58 CUNHA, Maria Manuela Carneiro Ligeti da. Prólogo, p. 13.

59 Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834. Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos

termos da lei de 12 de outubro de 1832. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei- 16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>. Acesso em: 2 de dezembro de 2014.

60 De José Martiniano de Alencar ao juiz de paz de Vila Viçosa. Fortaleza, 22 de novembro de 1834. APEC, GP,

vigário Felipe Benício Mariz – expulso da Serra da Ibiapaba pelos índios em 1822,61 como veremos no capítulo 3 – recebeu algumas armas – não diz de onde e por que motivo – e passou a meter "cizânias no povo, fazendo ver que se pretende fazer recrutamentos, que só existe na fantasia dele, e com o fim de transtornar a ordem pública". Nas palavras do presidente Alencar, em resposta ao juiz, "em vez de cumprir com as suas obrigações", o

vigário era "o instrumento do desassossego e perturbação pública".62

Muitas informações nos faltam do acontecimento, como os reais intentos de Felipe Benício Mariz e de que maneira os índios receberam as suas provocações. Provavelmente, as intenções do vigário não devem ter sido relevadas de imediato pelos indígenas, tendo em vista a falta de fontes acerca de uma possível repercussão. Mas se alguns índios chegaram a embarcar nas acusações ao ato de 1834 e participaram de alguma manifestação, não agiram por "ignorância", como supôs José Martiniano de Alencar, já que os efeitos da lei na vida dos

índios não se demoraram a sentir.63 Manuela Carneiro da Cunha observa que a

descentralização de 1834 fez com que várias províncias passassem "imediatamente a tomar medidas anti-indigenistas", como o Ceará, que extinguiu três vilas de índios nos anos seguintes.64

Pela lei provincial nº 2 de 13 de maio de 1835 ficavam "suprimidas as vilas de índios

de Soure e Arronches, e seus municípios unidos à capital".65 Segundo Rones Duarte, a lei foi

consequência da “necessidade de terras para aumento da produção”, promovida pelas “elites políticas locais, imbuídas de maior autonomia dada pelo governo imperial”. Para o autor, a

“medida foi a que mais surtiu efeito com relação à tomada das terras” indígenas.66 Em 20 de

setembro de 1837 os códigos de postura de Messejana foram finalmente aprovados pelo governo pela lei nº 83, mas com um texto de tom bastante negativo para os índios. Já em seu artigo 1º dizia que "aquele lavrador que maltratar rês alheia a título de ter entrado em sua lavoura será obrigado a pagar a rés multada, quer morra ou não, logo que seu dono prove o dano feito". Além disso, seria "multado em quatro mil réis para as despesas da câmara, e não

61 Segundo o índio Felipe Pereira, Mariz voltou a Viçosa porque era vigário colado. Cf. Diário de Francisco

Freire Alemão, "Informações sobre os antigos agrupamentos indígenas nas redondezas de Viçosa". Vila Viçosa, 8 e 9 de dezembro de 1860. BN, I-28, 8, 68.

62 De José Martiniano de Alencar ao juiz de paz de Vila Viçosa. Fortaleza, 8 de abril de 1835. APEC, GP, CO

EX, livro 28, 132.

63 O alerta de Mariz não era apenas fantasioso: quatro anos depois, índios da Ibiapaba aderiram à Balaiada contra

as práticas de recrutamento, como veremos no capítulo 8.

64 CUNHA, Maria Manuela Carneiro Ligeti da. Prólogo, p. 13.

65 Lei nº 2 de 13 de maio de 1835. In: OLIVEIRA, Almir Leal de. BARBOSA, Ivone Cordeiro (Org.). Leis

provinciais: estado e cidadania (1835-1861). Compilação das leis provinciais do Ceará - compreendendo os

anos de 1835 e 1861 pelo Dr. Liberato Barroso. Ed. Fac-similada. Fortaleza: INESP, 2009 [1862], tomo I, p. 50.

66 DUARTE, Rones da Mota. Natureza, terra e economia agropastoril – Soure (CE): 1798-1860. Dissertação

tendo com que pague a rés maltratada" seria "remetido pelo juiz de paz respectivo para a casa de correção da capital para de seu trabalho indenizar a rés, no caso que esta tenha morrido".

Um dos grandes motivos de queixas dos índios era a destruição de suas plantações pelos animais de seus vizinhos. Como mostrei em trabalho anterior, os governos no tempo da

capitania geralmente agiam em defesa das causas indígenas nesse tipo de conflito.67 Após o

Ato Adicional de 1834, porém, os potentados passavam a ter vantagem em suas contendas com povos que dificilmente teriam condições financeiras para arcar com cercados e possíveis multas. No 2º artigo do código de postura, acerca do foro de vinte réis pago à câmara aos proprietários de casas na vila, o texto faz referência ao "extinto diretório" ao estabelecer que eram isentos os possíveis sítios que tivessem nos alagadiços. Os índios que "ainda existi[ssem]" teriam isenção total, "porque estes gozarão para sempre das regalias que lhes

concedeu o extinto diretório".68

Aparentemente vantajosa aos indígenas, a lei trazia um prenúncio de que os que "ainda existissem" poderiam diminuir numericamente na vila, revelando as intenções dos potentados para que fossem assimilados e desfeitos das garantias de um estatuto diferenciado. Diante de uma lei tão desigual, como decreta o artigo 1º, tornava-se muito difícil para um índio de Messejana continuar vivendo em seu povoado de origem, mesmo que "protegido" pelo artigo 2º. Dois anos depois, pela lei nº 188 de 22 de dezembro, ficava "suprimida a vila de Messejana, e seu termo dividido em duas partes", entre a cidade de Fortaleza e a vila do Aquiraz. De acordo com seu artigo 3º os índios continuariam "gozando da mesma posse [das terras] e dos privilégios que lhes competem", o que dificilmente se aplicou na prática. A ganância dos que avançavam sobre as terras indígenas estava amparada pela colaboração daqueles que, por lei, deveriam protegê-las e garantir sua integridade: os juízes municipais, de paz e de órfãos.

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