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3 RENOVAÇÃO DAS TRADIÇÕES

3.1 A voz silenciada e as novas formas de sociabilidade

O modo como homens e mulheres são tratados no movimento, na verdade, corresponde aos anseios da tradição. No entanto, as mulheres sentem necessidade de maior visibilidade nos meios sociais, já que conquistam espaços que antes privilegiavam apenas a presença masculina. Com isso, elas passam a questionar também seus espaços dentro das estruturas eclesiásticas, uma vez que representam a maioria dos frequentadores do ambiente religioso, porém, como a estrutura foi feita por homens e é dirigida por eles, esse espaço é renegado a elas e, por isso trazem à baila a discussão interligada sobre religião e relações de gênero.

A princípio, serão tecidas algumas análises sucintas, breves resumos, quase todos de pesquisadoras, que se dedicaram ao debate, pois, conforme Franke (2001, tradução livre), é necessário investigar o efeito simbólico da forma religiosa e a atribuição dos papéis de gênero nos estudos da mulher na comunidade religiosa e seu ambiente cotidiano.

Na história da religião, houve uma hierarquização dos sexos, uma ocultação das mulheres e a apropriação masculina do sagrado. Woodhead (2002) comenta que, apesar de haver um senso comum da religião aplicável a todos, sem distinção, ‘[...]ela falha em reconhecer que as mulheres não necessariamente ocupam o mesmo espaço social e tampouco participam das mesmas instituições sociais como os homens, e que mesmo que o façam, elas freqüentemente fazem de maneira diferente’ (WOODHEAD, 2002, p.1). A pesquisadora pondera que as relações sociais nas religiões em geral, apesar de obscurecer a figura feminina, oferecem outras manifestações com possibilidades delas articularem seus medos e desejos, espaços antes restritos exclusivamente aos homens.

Assim, vê-se que elas são vistas no âmbito secundário na sociedade, e, ainda mais na religião, com uma hierarquia machista, além de uma história patriarcalista. Porém, este estado estático poderia ser alterado, pois o mundo contemporâneo é uma sociedade de risco em franco processo de transformação, no qual as pessoas tendem a se adaptar às situações para serem aceitas. E a religião oferece aos fiéis a segurança já extinta na sociedade, e se esta não acontece agora, é prometida para o depois da morte, junto a Deus. Desta forma, há, ao menos, a esperança no amanhã e por essas promessas as pessoas se sujeitam a situações de controle na vida.

Numa sociedade consumista, na qual as exigências para pertencer a um grupo vão desde aceitar as normas até o poder financeiro dentro da relação, seja para o próprio sustento ou para o compartilhamento das despesas, as mulheres começam a se inserir no mercado de trabalho. Elas buscaram, primeiramente, trabalhos considerados adequados ao público feminino, mas aos poucos, conquistaram o espaço no mercado de trabalho, fato que gerou uma crise no papel masculino.

Aos homens, o poder econômico no meio familiar é considerado uma questão de honra. Porém, as mulheres adentraram o mercado de trabalho e, com isso, houve um excedente da mão de obra, consequentemente, a disputa pelas possibilidades de emprego. Fica evidente essa questão na pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas, que apresenta os seguintes dados, ‘[...]se em 1970 apenas 18% das mulheres brasileiras trabalhavam, chega-se a 2002 com metade delas em atividade’ (FCC, 2008). Esta mudança de padrões ocasionou uma queda no valor da mão de obra, ainda assim, manteve-se a diferenciação dos salários correspondentes a diferenciação de gêneros, ou seja, as mulheres ainda têm uma remuneração menor.

As mulheres ganham menos que os homens independentemente do setor de atividade econômica em que trabalhem. No ramo da educação, saúde e serviços pessoais, espaço de trabalho tradicionalmente feminizado, por exemplo, encontraremos uma maior proporção de homens ( 30% versus 15% de mulheres) com rendimentos superiores a 5 SM (FCC, 2008A).

A sociedade encontra-se em condições nas quais seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir (BAUMAN, 2007). A instituição eclesiástica também sofreu alterações, seu corpo eclesiástico adaptou o discurso católico ao processo modernizador, transformaram algumas de suas verdades imutáveis; com isso, a Igreja Católica, frente aos novos desafios políticos e ideológicos, além das mudanças substanciais na composição do corpo de fiéis, após o Vaticano II passa a valorizar a presença das mulheres na sociedade religiosa, tendo em vista o número expressivo de devotas e leigas.

No entanto, apesar das mulheres representarem a maioria nos bancos eclesiásticos, não podem contestar ou conclamar a hierarquia masculina, ao menos de forma assumida. Ou seja, mudas, elas prosseguem na perpetuação do espaço concedido a elas na sociedade, são mulheres/mães, e muitas vezes restringem-se ao espaço privado para cuidar dos afazeres

domésticos e privam-se, em prol da salvação, dos prazeres carnais. Qualquer outra opção de vida, do ponto de vista católico, é considerado um desvio.

Dessa forma, é possível analisar que se elas conquistam visibilidade na sociedade, por outro lado, permanecem marcadas pelo estigma do instinto materno, que é ligado à vida privada, ao ato de gerar e cuidar da prole; enquanto os homens guardam o estigma de serem os portadores do instinto masculino, que justifica toda busca da satisfação sexual, a caça ao prazer, o cuidar da satisfação profissional. A sociedade investe na naturalização deste processo, e afirma que é natural a mulher ocupar o espaço doméstico, deixando livre para o homem o espaço público (SAFFIOTI, 1987, p.11). Ou seja, ‘quando o indivíduo se apresenta diante dos outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade e até realmente mais do que o comportamento do indivíduo como um todo’ (GOFFMAN, 1985, p.41).

Nesse padrão de conduta são estabelecidas as relações de gênero, uma vez que homens e mulheres possuem imagens e simbolismos diferenciados para corresponder aos papéis que a sociedade atribui a eles, uma vez que devem manter uma determinada postura diante da platéia, para não a decepcionar (GOFFMAN, 1985); conforme a pesquisadora Scott, ‘o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, é um modo de dar significado às relações de poder’ (SCOTT, 1982, p.14).

A distinção entre sexo e gênero consiste ao primeiro referir-se como um fato biológico da espécie mamífera, que se reproduz mediante a diferenciação sexual, enquanto o segundo guarda a relação com os significados que cada sociedade atribui a este fato. E assim, o meio social estabelece os padrões a serem seguidos pelos indivíduos. Os espaços são demarcados com o consentimento quase inconsciente dos envolvidos, são conhecimentos adquiridos, que indicam uma posição incorporada, quase postural. Dentro desse espaço se define o que é normal e o que é anormal, há uma intenção objetiva escondida debaixo da intenção declarada, o querer dizer que é denunciado no que é declarado (BOURDIEU, 1998, p.73).