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A vulnerabilidade como categoria

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS UFMG (páginas 30-33)

2. Desenvolvimento

2.1. Considerações teóricas

2.1.5. A vulnerabilidade como categoria

Como este trabalho buscou criar um índice da vulnerabilidade socioambiental, utilizando-se de um sistema de informações geográficas, houve-se que tratar das bases conceituais das categorias envolvidas, no sentido da sustentabilidade teórica e analítica dos vários conceitos que aqui se empregaram.

A origem da palavra vulnerável é latina, vulnerabilis, e significa “o que pode ser ferido ou atacado”, de vulnerare, “ferir”, de vulnus, “ferida, lesão”, possivelmente de vellere, “rasgar, romper”. Diz-se do que ou de quem apresenta tendência a ser magoado, ferido ou derrotado; do que é frágil, indefeso ou suscetível. Quanto à vulnerabilidade, é a qualidade de vulnerável e provém do mesmo étimo, com o sufixo -idade. Por exemplo, “fulano é muito vulnerável”, isto é, pode facilmente ser ferido, tanto física como moralmente.

O vocábulo pode ser entendido como a condição de risco em que uma pessoa se encontra. Um conjunto de situações mais, ou menos problemáticas, que situam uma pessoa ou um grupo delas numa condição de carência, necessidade, impossibilidade de responder com seus próprios recursos a dada demanda que vivem e as afeta. Nesta concepção são sinônimos de vulnerabilidade: fraqueza, indefensabilidade, atacabilidade, destrutibilidade.

Em linguagem técnica, a vulnerabilidade pode ser entendida como uma “condição intrínseca ao corpo ou sistema receptor que, em interação com a magnitude do evento ou acidente, define os efeitos adversos, medidos em termos de intensidade dos danos previstos”. Relação existente entre a intensidade do dano (ID) e a magnitude da ameaça (MA), caso ela se concretize como evento adverso  V = ID / MA (6).

Há uma vasta literatura que discute as diversas representações do conceito de vulnerabilidade no que se refere ao seu desenvolvimento, ao seu emprego no campo social, ambiental, médico, psicológico etc. Muitos estudiosos, estrangeiros e brasileiros, vêm se debruçando sobre as complexidades que o conceito encerra e suas pesquisas culminaram no advento do que vem sendo chamado de ciência da vulnerabilidade a qual, segundo CUTTER (2011), “é a ciência que consiste na integração multidisciplinar das

ciências sociais, das ciências naturais e da engenharia na compreensão das circunstâncias que colocam as populações e os locais em risco devido aos perigos, e dos fatores que aumentam ou reduzem a capacidade de resposta e de recuperação das populações, dos sistemas físicos ou das infraestruturas em relação a ameaças ambientais”.

A esse campo multidisciplinar do conhecimento restringem-se as pesquisas que dizem respeito “à sua operacionalização e seu uso na definição de espaços diferenciados quanto às condições sociais e à suscetibilidade de determinados grupos sociais aos perigos ambientais” (ALMEIDA, 2010).

Para um entendimento da vulnerabilidade no campo da geografia, uma das linhas de análise tem origem nos estudos incrementados por CUTTER (1994; 1996, apud ALVES, 2006), sobre desastres naturais ou natural hazards e Avaliação de risco, ou risk assessment. ALMEIDA (2010) reforça dizendo que devesse compreendê-la como uma categoria cujos aspectos variam através do espaço físico, o que a torna multidimensional. Também é diferencial porque varia às vezes dentro e, às vezes entre os grupos sociais. Sua relação como o tempo e com o espaço a tornam dependente de escala e por envolver suscetibilidades inerentes ao lugar onde transparece ela também se caracteriza pela dinamicidade (ALMEIDA, 2010).

Para MARANDOLA Jr. e HOGAN (2005), os geógrafos entendem a vulnerabilidade de modo mais simbiótico, uma interação mais “produtiva” na relação sociedade-natureza. Os demógrafos conferem a ela, por raciocinarem mais em termos de população-ambiente, uma forte componente socioeconômica.

Dependendo da modalidade do risco, do perigo ou da ameaça sofrida pelos seres humanos, todos somos vulneráveis e, conforme a capacidade de suporte de cada um ou de cada grupo, essa vulnerabilidade pode afetar gradativamente pessoas ou grupos delas.

Considerando a Psicologia Social como sendo uma disciplina que busca construir uma ponte entre a psicologia e as ciências sociais, a percepção de que se é vulnerável também varia conforme o estado psíquico das pessoas, de tal forma que uma determinada ameaça ou perigo pode causar impactos percebidos diferentemente pelas pessoas, tornando-as ou mais suscetíveis, ou mais resilientes aos perigos, os quais, conforme a suscetibilidade de cada um, ou de cada grupo, podem afetá-los de modo drástico tanto momentânea como perenemente.

Segundo Aroldo Rodrigues, um dos primeiros psicólogos brasileiros a escrever sobre o tema, a psicologia social é uma ciência básica que tem como objeto o estudo das "manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com outras

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pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação", ou seja, a influência dos fatores situacionais no comportamento do indivíduo frente aos estímulos sociais (RODRIGUES, 1981). Pode-se, portanto, inferir que, na perspectiva inversa, as ameaças e riscos impostos cronicamente às pessoas, poderiam torná-las psicologicamente instáveis e potencialmente propagadoras de estímulos comportamentais, tornando os grupos, consequentemente, menos resistentes e incapazes de reagir.

Se se considera a vulnerabilidade a partir de uma visão cósmica, constata-se que todo o universo é vulnerável, desde que se estabeleça um sistema referencial. O Sistema solar, por exemplo, numa escala temporal longa, pode entrar em colapso caso algum dos planetas que o constitui for destruído repentinamente devido, por exemplo, a uma colisão de um grande cometa ou corpo similar (SAGAN, 1984).

Outrossim, na escala terrestre, como se supõe ter acontecido há cerca de 65 milhões de anos, a colisão de um asteroide pode pôr fim à civilização e à toda biodiversidade existente no planeta (7).

Mas a vulnerabilidade da qual tratamos neste trabalho é a que se identifica através do olhar socioambiental e, portanto, a que delimita certos grupos humanos em nichos onde prepondera os riscos decorrentes de fatores relacionados às variadas formas de exclusão social e de justiça ambiental (na verdade, injustiça). Trata-se, enfim, de uma forma de indefensabilidade que submete pessoas, grupos ou populações a uma crônica incapacidade de reagir à pobreza ou à exclusão, em decorrência da atuação de certos padrões circunstanciais sócio- econômicos, demográficos, ambientais e políticos que as afetam. Nesta tônica, os efeitos podem variar de população para população, ou seja, de comunidade para comunidade, de classe social para classe social e, até mesmo, de país para país.

Nas grandes cidades ou metrópoles, a vulnerabilidade socioambiental decorre de fenômenos diversos que se mesclam conforme as componentes participantes do momentum sinérgico resultante dessa mesclagem, ou seja, uma espécie de influência coincidente de fenômenos que se realizam no tempo e no espaço, os quais submetem principalmente as comunidades das periferias ou dos interstícios dos limites urbanos.

Medir estatisticamente e qualificar o grau da vulnerabilidade social em populações urbanas depende do acesso a informações sobre as condições dessas populações, o que implica conhecer tais condições. Para tanto é necessário recorrer ao trabalho de campo, através do qual e mediante complexo planejamento, as famílias ou moradores dos domicílios localizados nas regiões pesquisadas deverão se submeter a questionários construídos de maneira a quantificar e qualificar suas carências e demandas em geral.

A delimitação da condição de vulnerável é uma questão de parâmetros. Identificar

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e definir esses parâmetros depende de entendimentos relativos aos objetivos das pesquisas que se pretendem empreender. Caso o interesse resida em levantar o perfil da representação das pessoas que estão sendo vitimadas em acidentes de trânsito nas avenidas mais centrais de uma grande cidade, no sentido de tentar identificar os motivos da vulnerabilidade, tanto os tipos de ameaça, de risco, bem como as condições sociais dessa representação são bastante diferentes daquelas identificadas numa comunidade assentada às margens de um córrego poluído de um fundo de vale.

Na sociedade, todos somos vulneráveis e, quando se almeja delimitar e medir essa vulnerabilidade, deve-se especificar quais os tipos de riscos e ameaças e quem está a elas sujeito. Somente então se poderão definir os fatores que costumam causar a vulnerabilidade, como categorizá-los e controlá-los. É imprescindível, portanto, que se proceda a uma simplificação controlada da complexidade do conceito de vulnerabilidade conforme o campo que se vai atuar para identificá-la.

A vulnerabilidade social e a ambiental são condições de parte restrita sociedade, diferentemente da condição de vulnerável, apenas. Resta-se, então, saber quem é menos e quem é mais vulnerável e qual a causa que submete as pessoas à predisposição aos variados graus de vulnerabilidade socioambiental para, só então, tomar as medidas necessárias para sanar o problema.

Há que se considerar, também, uma questão que se coloca como “assunção dos riscos”, ou seja, quando pessoas, individualmente, ou grupos de pessoas, assumem, de forma deliberada, algum tipo de risco. Um exemplo bem dentro do contexto urbano se realiza quando interesses político-partidários “agremiam” grupos gentrificados no sentido de ocuparem áreas em processo de desocupação, seja por tratar-se de lugar tecnicamente qualificado como sendo de grande risco, seja por tratar-se da construção/edificação de algum tipo de estrutura ou equipamento urbano. Ações desse tipo podem predispor esses grupos a situações de vulnerabilidade.

2.2. Materiais e Métodos

2.2.1. Construção do indicador da vulnerabilidade social

A componente relativa ao indicador social, do Índice da Vulnerabilidade Socioambiental de Belo Horizonte, foi construída a partir de uma seleção entre algumas das diversas dimensões sociodemográficas apuradas pelo Censo IBGE 2010 e que estão em nível de setor censitário e abrangem as seguintes características da população residente: idade, condição no domicílio; pessoas responsáveis pelo domicílio; alfabetização; e características dos domicílios particulares.

Essas informações constituem, dentre dezenas de outras, o documento Base de informações do Censo Demográfico 2010: Resultados do Universo por setor censitário, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, e cujo conteúdo

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