• Nenhum resultado encontrado

O PIL 2 e o abandono do modelo esboçado em 2011-12 A insegurança regulatória e institucional trazida pelas in-

AS CONCESSÕES DE FERROVIAS NO BRASIL

5. O PIL 2 e o abandono do modelo esboçado em 2011-12 A insegurança regulatória e institucional trazida pelas in-

tempestivas alterações propostas em 2011-12 foi tamanha que inviabilizou a realização de novos investimentos no setor: ne- nhuma das concessões de ferrovias anunciadas no PIL se con- cretizou. Ao mesmo tempo, a economia brasileira começou a se deteriorar rápida e intensamente. Em 2014, o PIB cresceu ape- nas 0,1% e registramos um déficit primário de 0,6%. Em 2015, o Ibre/FGV estima que esses números tenham sido de -3,7% e 2%, respectivamente. Em 2016, de -3% e 1,5%. O agravamento da situação fiscal do país comprometeu a possibilidade de a Valec atuar como originalmente planejado, pois a compra da capacidade de transporte requereria recursos aportados pela União via orçamento anual. Diante desse quadro, o Governo resolveu recuar na reforma.

Em junho de 2015, foi anunciado o Programa de Investimento em Logística 2 (PIL 2), uma nova lista de projetos de infraestrutu- ra a serem concedidos. O PIL 2 prevê investimentos de R$ 198,4

106 20 ANOS DE CONCESSÕES EM INFRAESTRUTURA NO BRASIL

bilhões, sendo R$ 86,4 bilhões, mais de 40%, em ferrovias. Desse montante, R$ 40 bilhões, ou quase 1/5 das inversões totais, estão atrelados ao trecho brasileiro da Ferrovia Bioceânica, com 3,5 mil km de extensão. A ideia básica do projeto, em fase de preparação por uma equipe técnica da China – interessada em estabelecer uma rota estratégica de escoamento da produção via Pacífico –, é construir uma ferrovia que cruze o norte da América do Sul, passando pelo Brasil e o Peru. Consideramos inadequada a inclu- são da Ferrovia Bioceânica no PIL 2, por se tratar de um projeto de execução muito complexa, envolvendo questões ambientais, diplomáticas, etc., para o qual não existe sequer um estudo que ateste sua viabilidade econômica.

No tocante aos demais projetos no setor ferroviário, a nova etapa do PIL pode ser interpretada como uma versão re- duzida e reeditada do pacote de 2012. Dos 10 mil km de ferro- vias incluídos no PIL original, ficaram 4 mil km. Dos 12 traça- dos anunciados em 2012, sobraram quatro8. Além disso, foram

anunciados investimentos de R$ 16 bilhões em ampliação de capacidade de tráfego, novos pátios, duplicações, redução de interferências urbanas e construção de novos ramais, entre ou- tros, a serem feitos pelos atuais concessionários.

As concessões a serem realizadas no âmbito do PIL 2 (tan- to as novas quanto aquelas fruto de renovação antecipada) se- guirão o modelo verticalizado. Com efeito, desde o fracasso do PIL no setor ferroviário, o Governo deixou de fazer menção explícita ao novo papel da Valec e ao modelo de separação das atividades de gestão da infraestrutura e de operação do transporte, nunca posto efetivamente em prática. Assim, em- bora haja previsão legal para que o livre acesso seja persegui- do9, atualmente o foco parece recair em destravar o setor, via-

8 Dois trechos fazem parte da Ferrovia Norte-Sul: Anápolis (GO) – Estrela D´Oeste (SP) – Três Lagoas (MS) e Palmas (TO) – Anápolis (GO) mais Barcarena (PA) – Açailândia (MA). Os outros dois consistem na ferrovia entre Lucas do Rio Verde (MT) e Miritituba (PA) e a que ligará o Rio de Janeiro (RJ) a Vitória (ES).

9 Como posto por Ribeiro (2015), os poucos normativos jurídicos editados em amparo ao modelo proposto em 2011-12 tratam da política de livre acesso e da figura do Operador

107

bilizando a construção de determinados trechos considerados prioritários e a extensão das concessões vigentes, com o acrés- cimo de novas metas de investimento nos contratos.

O Governo também tem dado ênfase ao compartilha- mento da malha e ressaltado a importância de que o direito de passagem seja assegurado10. Essa questão mostra-se par-

ticularmente relevante para novas ferrovias cuja viabilidade e rentabilidade dependem do uso da infraestrutura existente em determinado trecho-chave, como o acesso ao porto de Santos. Um aspecto que merece destaque no PIL 2 é o uso do Pro- cedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para desenvol- ver os estudos de viabilidade das novas concessões ferroviárias. Nos países considerados referência em Parcerias Público-Priva- das (PPPs)11, como Reino Unido, Canadá e Austrália, projetos

do setor privado só são aceitos em casos muito específicos, em que há, comprovadamente, originalidade e forte conteúdo de inovação. Não obstante, países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, têm cada vez mais recorrido ao setor privado para a realização de estudos.

Embora o PMI seja visto como uma forma de contornar as limitações do setor público e viabilizar a preparação de projetos de infraestrutura, os resultados atingidos no Brasil até o mo- mento foram menos alvissareiros do que o esperado. A baixa taxa de conversão de PMIs em licitações e contratos assinados indica que os custos de transação incorridos pelo setor público são significativos. Parte desses custos se deve ao conflito de interesses entre o setor público e a empresa privada que realiza o projeto, quando esta também está interessada em ganhar a

Ferroviário Independente, o prestador do serviço de transporte desvinculado da gestão da infraestrutura (Decreto 8.129/13 e Resolução 4.348/14, respectivamente).

10 Ver apresentação sobre as ferrovias no PIL 2 preparada pelo Ministério do Planejamento em: <http://www.planejamento.gov.br/apresentacoes/apresentacoes-2015/ferrovias-pil2015>. 11 Cabe notar que, em outros países, é usual tratar concessões tradicionais, assim como as administrativas e patrocinadas, como PPPs. Nesse sentido, uma PPP pode ou não envolver uma contrapartida pública financeira. No Brasil, a distinção é feita devido à legislação que rege as concessões (Lei 8.987/1995) ser diferente da que regula as PPPs (Lei 11.079/2004).

108 20 ANOS DE CONCESSÕES EM INFRAESTRUTURA NO BRASIL

licitação. Nessa situação, a empresa tem fortes incentivos para preparar um projeto que venha a beneficiá-la posteriormente; por exemplo, que exija a maior contrapartida possível do se- tor público, que contenha especificações que a favoreça e que omita informações relevantes, a fim de dificultar a avaliação por outros potenciais interessados.

De fato, a experiência brasileira mostra que, quando uma empresa privada que teve seus estudos selecionados participou, depois, da licitação do projeto, na enorme maioria dos casos, ela saiu vencedora. Uma forma de mitigar esse tipo de problema é recorrer a estruturadores independentes, como a Estruturadora Brasileira de Projetos, cujos interesses estão mais alinhados aos do setor público. No entanto, o atual funcionamento do mercado de preparação de projetos no Brasil não favorece o florescimento de empresas dessa natureza. Para isso, seria preciso dar maior previsibilidade tanto ao fluxo de projetos quanto ao seu desen- rolar, bem como adotar mecanismos de regulação assimétrica.

Com relação ao modelo de licitação das novas conces- sões ferroviárias previstas no PIL 2, foi colocada como premis- sa a escolha caso a caso por outorga ou compartilhamento de investimento. O modelo de financiamento, por sua vez, se as- semelha bastante ao do PIL original, notadamente no caso das ferrovias: o BNDES poderá financiar até 70% do investimento com empréstimo referenciado em TJLP (acrescido de 1,2 ponto percentual ao ano mais o risco de crédito do tomador) e até 20% em taxas de mercado, independentemente da emissão de debêntures de infraestrutura. Nessa nova etapa do PIL, nota- mos que houve a preocupação de montar uma arquitetura de financiamento em que o papel do BNDES varia em função da atratividade/risco do setor. Infelizmente, não causa surpresa o fato de o setor ferroviário ser aquele em que os projetos po- derão contar com a maior proporção de financiamento do BN- DES, de até 90%.

Ainda assim, nada garante que as concessões de ferrovias incluídas no PIL 2 saiam do papel. Os obstáculos ao êxito do pa-

109

cote não são poucos. Por um lado, o governo adotou uma postu- ra mais realista do que quando lançou a primeira edição do PIL, tendência que tende a se reforçar com o agravamento do qua- dro econômico – vide a elevação, em dezembro de 2015, da taxa de retorno proposta para balizar os investimentos que serão exigidos em troca da renovação dos contratos de concessão12.

Por outro, restam muitas incertezas quanto à capacidade de o BNDES financiar esses projetos na conjuntura atual. Além disso, ainda que o recuo do Governo em separar verticalmente as ativi- dades de gestão da infraestrutura e operação de transporte seja visto como algo positivo, a falta de clareza com relação às de- cisões tomadas suscita dúvidas e insegurança nos investidores, agravando a incerteza regulatória no setor ferroviário.