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Retomada histórica (período anterior à Lei das Concessões)

CONCESSÕES NO SETOR ELÉTRICO

2. Retomada histórica (período anterior à Lei das Concessões)

É relevante relembrar qual era a situação do Brasil no pe- ríodo em que surgiu a Lei das Concessões e compreender por que nos encontrávamos numa situação de caos. Nos anos 70, o Brasil investiu pesadamente na área de infraestrutura, apro- veitando as condições excepcionais do mercado internacional, quando havia grande liquidez e o país surgia como alternativa segura de aplicação para os investidores.

É verdade que, naquele momento, as empresas de ener- gia elétrica – ainda estatais – estavam com as suas tarifas em boas condições de atualização frente aos custos e havia recur- sos para novos investimentos. Assistiu-se então ao início de um processo que talvez tenha sido dos mais extraordinários em ter- mos de expansão do Setor Elétrico Brasileiro (SEB). Foi a época de início de construção ou de conclusão de projetos de grandes hidrelétricas: Xavantes, Ilha Solteira, Capivara, Estreito, Volta Grande, Paulo Afonso, entre outras. Também surgiu o programa das usinas nucleares. Outro fato relevante na época, de caráter rigorosamente histórico, foi a assinatura do Tratado de Itaipu, em 1973, que permitiu a construção da usina binacional.

Nos anos 70, o país vivia o período do chamado “Brasil Grande”. Contudo, havia uma conta a ser paga e ela não de- morou a chegar com a crise nos preços internacionais do óleo bruto, a partir de 1974. O Brasil se viu definhando aos poucos, até o momento em que se sentiu absolutamente estrangulado no seu balanço das contas externas, sem recursos sequer para bancar os custos da dívida internacional. O Brasil quebrou e se arrastou duramente na crise durante toda a década de 80 e início dos anos 90. De alguma forma, o racionamento de 2001 foi produto dessa imensa crise de desorganização do Estado.

Os problemas operacionais surgiram no meio dos anos 80. Foram registradas duas quedas significativas do sistema elétri- co no Sul e no Sudeste, em 1984 e 1985. No ano seguinte foi a vez da região Sul, que passou por um curto período de racio-

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namento e, em 1987/88, o racionamento, de duração e profun- didade significativos, chegou ao Norte/Nordeste, acendendo a luz vermelha. A partir daí o SEB se transformou em um grande problema para o governo.

Em 1985, com a posse do governo Sarney, em razão dos severos impactos provocados pela crise internacional, a União Federal estava literalmente falida, condição já existente mesmo antes do final do regime militar. Da mesma forma, a maioria dos estados e municípios estava em condições financeiras precá- rias. O quadro era de completa deterioração das contas públi- cas. Tornava-se fundamental a tomada de medidas urgentes vi- sando à recuperação do Estado. Além disso, as dificuldades do Estado foram agravadas mais tarde em decorrência dos custos gerados pela Constituição de 88.

No efêmero período de governo do presidente Collor, já tinham sido tomadas algumas medidas de racionalização do Estado, buscando o equacionamento das contas públicas. Isso durou pouco, até porque a gestão Collor parou no meio do ca- minho. À medida que o Brasil entrava na década de 90, perce- beu-se que havia uma deterioração generalizada dos serviços públicos. O setor elétrico – quase 100% estatal – foi abatido no meio desse processo.

O quadro do SEB mostrava-se desolador. Sem linhas de financiamento, o setor sofria com a falta de estratégia e de determinação dos sucessivos governos, os quais, aos poucos, foram cedendo ao populismo tarifário. De repente, as tarifas sequer remuneravam as empresas, fazendo surgir um caos eco- nômico-financeiro que arrastou todo o SEB para uma situação de insolvência.

O cenário começou a se alterar por ocasião da primeira elei- ção do presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi beneficia- do com uma transição pacífica em face do relacionamento polí- tico já mantido com o presidente Itamar Franco. Aí, é importante desviar o olhar por alguns segundos para ver o que estava acon- tecendo no mundo naquele momento.

190 20 ANOS DE CONCESSÕES EM INFRAESTRUTURA NO BRASIL

Na Inglaterra, principalmente, estavam surgindo várias ideias que de certa forma revolucionaram o campo da energia elétrica no resto do planeta, com um forte modelo reformista, que introduzia eficiência, alterava o papel do Estado na ener- gia elétrica e modernizava as relações de consumo. Os países se voltaram então para a economia de mercado, encolhendo o tamanho do Estado e diminuindo automaticamente a interven- ção na economia. No Brasil, onde soprava um vento liberalizan- te com o governo FHC, não podia ser diferente e o setor elé- trico passou a refletir essas transformações vindas da Europa. Mesmo sofrendo vigorosa oposição política das forças em defesa da intervenção do Estado, o Brasil passou a enxergar, no governo FHC, a possibilidade (e a necessidade) de reverter o quadro caótico do setor elétrico. Para tanto, o país precisava criar um ambiente de negócios capaz de captar recursos pri- vados, nacionais e estrangeiros, sustentado basicamente por pilares regulatórios e econômicos.

Um pouco antes de FHC assumir, vale lembrar, a desorga- nização do Estado atingiu tal ponto que as obras de constru- ção de 23 hidrelétricas foram paralisadas por absoluta falta de dinheiro, inclusive algumas UHEs extremamente importantes como Porto Primavera, Manso, Nova Ponte, Xingó e Cachoeira Dourada, entre outras.

O consumidor não pagava à distribuidora (ou pagava um valor inadequado, derivado do populismo tarifário), que não pagava à geradora, que não pagava à transmissora. Desse jogo de faz de conta, no qual ninguém pagava ninguém, surgiu a bela dívida setorial de aproximadamente US$ 27 bilhões.

Essa dívida entre os diversos segmentos foi finalmente re- solvida em 1993, quando o presidente da Eletrobras, Eliseu Re- sende, liderou uma ampla negociação que resultou no acerto de contas entre as empresas. A confusão terminou na mesa do Te- souro Nacional, que cobriu o prejuízo.

De qualquer forma, o setor – após longa negociação – foi saneado graças à Lei 8.631 (assinada pelo presidente Itamar

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Franco). Tornou-se então irreversível o debate em torno da necessidade de uma futura privatização, aproveitando que as empresas estavam com as suas contabilidades regularizadas.

Afinal, uma das consequências da Lei 8.631 é que consór- cios empresariais foram autorizados a se constituir, visando à construção de usinas. A filosofia do estatismo absoluto sofreu uma rachadura e a presença do Estado na área de energia elé- trica começou a ceder espaços à iniciativa privada.

E um programa de privatização significava, naturalmente, dispor de contratos de concessão que refletissem a nova realida- de, além de uma agência reguladora que pudesse acompanhar o desempenho das empresas e proteger os interesses dos con- sumidores. Isso, entretanto, só ocorreria na gestão seguinte, do presidente Fernando Henrique Cardoso.

A primeira empresa privatizada foi a distribuidora Escelsa, no Estado do Espírito Santo. Mas foi tudo tão a toque de caixa, que sequer existia ainda a discussão sobre o contrato de conces- são e tampouco da agência reguladora. Realmente, a privatiza- ção da Escelsa é um exemplo clássico de improvisação, de como não se deve conduzir um processo. Com base em contrato de concessão, a primeira privatização ocorreu com a Light. Também merece destaque o fato de que as leis definiram as bases para a regularização das concessões vigentes à época. Estabeleceram- -se mecanismos de garantia do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. O setor privado começou a se interessar por in- vestir em produção de energia elétrica, com destaque para os investimentos em autoprodução, o que colaborou para elevar a competitividade do país.