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ABCD Paulista como epicentro da industrialização brasileira e aspectos de movimentos

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CAPÍTULO 1 INDICADORES HISTÓRICOS DO ABCD PAULISTA:

4. ABCD Paulista como epicentro da industrialização brasileira e aspectos de movimentos

Mesmo com o desenvolvimento urbano e industrial, os sete municípios do ABCD Paulista contam com importantes riquezas naturais, pelo fato de estarem no entorno de áreas de preservação ambiental e mananciais, classificadas entre as principais do Brasil. São também destacados, porém, descasos nestes setores, frente ao descontrole de ocupações irregulares e, portanto, geradoras de poluição hídrica e desmatamento ilegal de florestas, entre outros visíveis aspectos de abandonos de edificações históricas. Essa é uma das questões enfatizadas principalmente pela rádio comunitária “Represa FM”, em São Bernardo do Campo. Um dos coordenadores da emissora, o radialista Vilmar Ananias, nascido em Alexandria, Rio Grande do Norte, afirma: “Nós aqui pagamos à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, SABESP, para beber água suja, pois não existe na nossa região saneamento básico. Isso denunciamos aqui na rádio”.9 A emissora

está sediada em área florestal num dos pontos mais altos do bairro Jardim Represa, de onde é possível avistar a represa Billings e uma considerável área verde, pertencente à maior cidade do ABCD Paulista, São Bernardo do Campo.

O problema ambiental também é observado no menor município do ABCD Paulista, São Caetano do Sul, apontado como a cidade de maior 10Índice de Desenvolvimento Humano

9Valmir Ananias em depoimento para este estudo em 20/01/15.

10O Índice de Desenvolvimento Humano, IDH, é registrado desde o ano de 1990, utilizado pelo Programa

das Nações Unidas, que, desde o ano de 1993, publica relatório anual referente aos resultados obtidos entre os países participantes da ONU, Organização das Nações Unidas. O Relatório do desenvolvimento humano do ano de 2014, emitido pelo PNUD (Programa das Nações Unidas) publica: “Desde a primeira publicação do Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) global pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 1990, é possível observar que a maioria dos países registrou um desenvolvimento humano significativo. O Relatório do corrente ano mostra que as tendências gerais a nível mundial são positivas e que o progresso continua a ser uma realidade. Contudo, há vidas perdidas e meios

do Brasil, pela Organização das Nações Unidas, ONU.11 A cidade não demonstra as

desigualdades facilmente notadas nos outros municípios do ABCD. Assim, reflete-se aqui a elevada classe social de São Caetano do Sul e a não localização ali de rádios comunitárias (até a apuração para esta pesquisa). Seja pelos dados divulgados pela ONU, pelos conhecidos movimentos políticos e pelas demais indústrias de origem internacional do ABCD Paulista, o conceito da mencionada localidade é de importante e acelerado desenvolvimento para os padrões brasileiros, atrativos dos processos migratórios, mas comprometedores para núcleo ambiental. Muitas áreas de mananciais e de proteção ambiental estão ocupadas irregularmente. Semelhante situação estrutura-se em momentos que a sociedade brasileira vai trilhar, principalmente a partir do final do século XIX.

Nas décadas finais do século XIX, no Brasil, transformações econômicas e sociais propiciaram as condições necessárias para a industrialização e para um desenvolvimento urbano acelerado. Pequenos núcleos urbanos e cidades se expandiram, enquanto novos centros urbanos se formaram; as chaminés de fábricas e conjuntos industriais os povoaram, modificando-lhes a feição pacata e imprimindo-lhes outro ritmo de atividades. Novas formas de vida surgiram ao lado das formas de viver do mundo agrário, existentes desde há muito tempo (DECCA, 1991, p. 04).

No campo de formação de frentes de trabalho, seguindo para a intensa instalação industrial, formava-se no ABCD Paulista, consequentemente, uma classe operária, que lutará por direitos e cidadania ante abusos e exploração da mão de obra, aqui incluindo a atuação da mulher (e mesmo de crianças) trabalhando fora, em casos de extrema necessidade financeira. Um quadro de exploração de mão de obra de operários era recorrente no ABCD. Maram revela na sequência uma dessas referências, citando o complexo das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo que, entre outras localidades, fez história na cidade de São Caetano do Sul, com a criação, em 1912, de uma indústria de produtos químicos, denominada “Indústria Química Matarazzo S/A”, localizada, até 1980, na rua Mariano Pamplona, 220, no bairro da Fundação.

de subsistência e desenvolvimento comprometidos por crises e catástrofes naturais ou de origem humana” ( 2014, p. 04).

11A Organização das Nações Unidas, também conhecida pela sigla ONU, é

uma organização internacional formada por países que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundiais. (Disponível em: http://nacoesunidas.org/conheca/. Acessado em 22/03/2015).

Antes de 1919, os trabalhadores das fábricas têxteis mais importantes costumavam trabalhar de nove horas e meia a doze horas diárias durante seis ou sete dias na semana. E, se necessário, a jornada diária era aumentada segundo critérios da direção. Na fábrica Mariângela, parte do império industrial dos Matarazzo, os operadores homens trabalhavam de 5 da manhã às 10 da noite. As mulheres trabalhavam de 11 a 14 horas por dia. As crianças de 8 a 12 anos de idade, 12 horas diárias, e algumas em turnos noturnos que iam de 5 da tarde às 6 da manhã do dia seguinte (MARAM, 1979 p. 122-123).

Em São Caetano do Sul, do citado “Império Industrial dos Matarazzo”, constam registros de ascensão e declínio. Um reflexo da grave situação referenciada acima é percebido durante a observação da cidade, para o presente trabalho, diante do antigo endereço da “Indústria Química Matarazzo S/A”, que revela uma construção em ruínas. A área devastada da construção, parcialmente demolida, tem aspecto de abandono e degradação. O jornalista e fotógrafo Douglas Nascimento12, coordenador e editor do banco de dados

“São Paulo Antiga”, realizou pesquisa e registros fotográficos da região e descreve a situação do “Império Matarazzo” em São Caetano do Sul:

O velho parque fabril da Matarazzo já estava desativado desde 1987 e na última década esteve completamente abandonado, contribuindo principalmente para a desvalorização do seu entorno. Apesar do passado saudoso lá do início do século, quando a IRFM empregava ali um grande número de operários, o legado da empresa para a região não foi nem um pouco positivo. Por ser uma indústria química, tendo como uma de suas atividades principais a produção de produtos extremamente nocivos, como soda cáustica, cloro, ácido sulfúrico, acetileno e o terrível hexaclorociclohexano, ou BHC, o uso do solo da IRFM está comprometido, por estar contaminado. Agora resta saber o que será construído ali, uma vez que, devido à contaminação do solo, poucas alternativas restam à população vizinha ao antigo complexo. Segundo a CETESB, a área da antiga indústria pode ser recuperada e para a construção de qualquer coisa no local [...] é necessária uma autorização prévia do órgão. Em 2010, o Prefeito de São Caetano do Sul, José Auricchio Júnior, chegou inclusive a prometer um parque [...] Porém, até o momento, só há uma certeza para os vizinhos da defunta fábrica: que o solo está contaminado.13

Cavallini também revela a situação do chamado “Império dos Matarazzo, da ascensão à decadência registrada na cidade de São Caetano do Sul:

12 Douglas Nascimento é membro titular do Instituto Histórico e Geográfico

de São Paulo, e o primeiro blogueiro nomeado de um instituto histórico no Brasil.

As “Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo” se instalaram em São Caetano no ano de 1912, após o arrendamento da antiga fábrica Pamplona. Ao longo das décadas seguintes, o complexo cresceu e estendeu sua atuação para os mais diversos produtos, principalmente químicos: soda cáustica, cloro, compostos de cloro, ácido sulfúrico, rayon, celulose, carbureto de cálcio, acetileno, ferro-silício, fundição, hidrogenação de óleos e produção de agrotóxicos. Até a década de 1980, o complexo trouxe desenvolvimento ao bairro Fundação e ao Grande ABC, tornando-se uma das grandes referências da cidade. A decadência teve início quando a produção química das Indústrias Matarazzo foi totalmente encerrada, no fim da década de 1980. Também nessa época o império sofreu com a concorrência contra empresas estrangeiras e a indústria automobilística. Cem anos depois, no primeiro semestre de 2012, é concluída a demolição dos galpões abandonados. O que resta são ruínas, insegurança e a sensação de que uma parte importante da história da cidade virou pó.14

Antiga fábrica “Indústria Química Matarazzo S/A”

Fonte: www.saopauloantiga.com.br/irfm-sao-caetano-do-sul. Foto: Douglas Nascimento

Sobre outras frentes de trabalho no ABCD, no caso, as fábricas do setor metalúrgico, o sindicato15 dessa categoria profissional passa a ter delineada ação diante da progressão

14Disponível em: http://ocdoabc.com.br/2012/06/26/100-anos-de-matarazzo-e-o-descaso-da-prefeitura/.

Acessado em 28/03/15.

15Em 1933, quando o sindicato foi criado – congregando os metalúrgicos de toda a região do

ABC – as condições de trabalho eram péssimas, os salários baixos, direitos trabalhistas praticamente inexistentes; [...] havia forte repressão ao movimento sindical e total falta de

industrial na região. O sindicato dos metalúrgicos de Santo André, no entanto, teve paralisação em 1947. O relatório de Referências Históricas – 1501, 2000, de Diadema, registra inúmeras ações reivindicatórias e reações contrárias a elas sobre as diversas inquietações nos campos políticos de localidades do ABCD Paulista.

No dia 17 de maio de 1947, o referido sindicato sofre intervenção que vai durar ate o ano de 1956 [...] com toda a sua diretoria destituída e vários dirigentes presos. Nesse ano, pela primeira vez, um trabalhador ganha as eleições para prefeito no Brasil. O marceneiro e sindicalista Armando Mazzo, de Santo André. Porém, um dia antes da posse, o TSE cassou sua candidatura e dos 13 vereadores comunistas eleitos [...]. No dia 8 de junho de 1961, foi emitida pelo Ministério do Trabalho, indústria e comércio a carta de aprovação do sindicato dos trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico de São Bernardo e Diadema [...]. Em 1965, para estimular a grande entrada de indústrias em Diadema, foi implantado o projeto Cidade da Micro Indústria. Em 1968, operários da Ford Willys, em São Bernardo do Campo, realizaram paralisação parcial de três dias e total de um dia. A fábrica foi invadida por tropas do II Exército, sufocando o movimento. Em outubro de 1975, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Dois anos depois, o sindicato desencadeia a campanha pela posição salarial dos 34 por cento. No ano de 1978, foi agregado à legislação trabalhista um artigo específico de proibição de centrais sindicais. Aconteceu também o primeiro congresso da mulher metalúrgica de São Bernardo do Campo e Diadema. No dia 12 de marco de 1979, os metalúrgicos das duas cidades deflagraram greve geral da categoria. Os trabalhadores criaram o Fundo de Greve; 11 dias depois, foi decretada a intervenção no sindicato dos metalúrgicos do ABC Paulista. Somente no dia 27 de marco, ocorreu o fim da greve[...].Em 1982, houve uma manifestação na porta da Volkswagen contra a robotização no processo de produção. Os trabalhadores queriam negociar o controle sobre a implantação das novas tecnologias. No início da década de 90, foi fundado o Consórcio Intermunicipal do ABC Paulista, formado pelas sete prefeituras para a solução de problemas comuns aos sete municípios (2000, p. 31-55).

Esse mesmo documento (Referências históricas – 1501, 2000, de Diadema) revela “que em 08/06/1961 foi emitida pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio a carta de aprovação do sindicato dos trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico de São Bernardo e Diadema” (2000, p. 39). Assim, por enfrentamentos em questões relacionadas à exploração de mão de obra, reivindicações por direitos trabalhistas e manifestações diversas, É realçado aqui o período de crescimento industrial

http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=2&id_SUB=53. Acessado em 27/03/2015.

no Brasil, que teve a região do ABCD Paulista como epicentro das indústrias montadoras de automóveis:

Os “50 anos em 5”, durante o governo Juscelino Kubitschek, 1956 – 1961, [...] o chamado milagre brasileiro são dois pontos altos do desenvolvimento industrial brasileiro. A indústria automobilística é a nova frente de processo: ela praticamente não existe em 1955, e em 1960 coloca já no mercado 133.000 carros e 342.214 em 1971. Nos anos recentes, porém, à indústria do automóvel se une a de eletrodomésticos. O crescimento deste setor marginaliza o do consumo popular (ANDRÉ e GALACHE, 1979, p. 315).

Há um acentuado potencial da região do ABCD para consequente compreensão da condução da força de trabalho ali empregada, modos de sobrevivência, crescimento populacional, criação de legislações, ações populares, sobretudo de trabalhadores rumo às lutas por direitos à participação e à cidadania. Os depoimentos dos radialistas comunitários do ABCD expressam tais atuações. As falas de todos os depoentes são comuns nas questões relacionadas para conquistas de ascensão social.

Meados do século XX – São Caetano do Sul e Santo André já se constituem como um importante núcleo fabril, abrangendo algumas das principais unidades produtivas do parque industrial paulista: a Kowarick, produtora de lãs e camisas, as Indústrias Reunidas Matarazzo, Rhodiaceta de tecidos e Valisère, Rhodia Química Brasileira, Lidgerwood no ramo metalúrgico, Fichet, produtora de estruturas metálicas, a Pirelli, voltada à fabricação de pneus e cabos elétricos e o Moinho São Francisco. Nas cidades de São Bernardo, Mauá e Ribeirão Pires, formava-se um segundo eixo industrial. Portanto, em meados do século XX, o ABC já deixava de ser a região que se caracterizava por uma paisagem eminentemente ocupada por fazendas de gêneros de subsistência, olarias, carvoarias e serralherias, dando lugar a uma paisagem marcada por indústrias, sobretudo as de transformação, como as metalúrgicas mecânicas e de materiais de transporte. Com a instalação de montadoras como General Motors, Volkswagen, Ford, Mercedes-Benz e Scania, o ABC fincou sua condição de maior centro produtor de veículos do país. Na década de 50, o município de São Bernardo do Campo era responsável por mais de 50% dos automóveis produzidos em todo o Brasil.16

16 Disponível em:http://www.metro.sp.gov.br/metro/licenciamento-

5 Conceitos de cidadania e participação motivadores para a criação das rádios

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