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Rádio comunitária “Pérola da Serra FM”

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CAPÍTULO 2 OS CONTEXTOS JURÍDICO E POLÍTICO QUE MOTIVARAM A

3. Ribeirão Pires

3.1 Rádio comunitária “Pérola da Serra FM”

De cidade em cidade do ABCD em direção às rádios comunitárias da região, na chegada a cada emissora, ocorre a observação de uma nova estrutura física, de maior ou menor facilidade de acesso às suas sedes, do som da programação em ambiente caseiro e familiar. Os pontos de vista são convergentes sobre a situação de tratamento diferenciado dado pelo Estado às emissoras comerciais, em vantagens para essas contra as comunitárias, sofredoras de inúmeras restrições já mencionadas. Do depoimento de Valmir Maia segue-se para o gestor da rádio comunitária “Pérola da Serra”, na cidade de Ribeirão Pires: Ademar Bertoldo, brasileiro96, de 74 anos de idade, ribeirão-pirense,

nascido e criado no município, filho de imigrantes italianos. Apresenta fala espontânea e tom alto de voz, interpretado por gestos, expressões faciais, inquietações e incontida demonstração de orgulho pelo trabalho realizado na cidade pelas ondas da rádio que administra. Também reclama da mudança climática ocorrida pela verticalização urbana. “Não quero ser grosseiro, mas pergunta pra Deus. Não tem mais neblina aqui, acabou aquela Ribeirão. Essa construção em frente de casa, com vários prédios, é o progresso” A distância entre Mauá e Ribeirão Pires é de uma estação de trem pela linha número 10, “turquesa” da CPTM, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos.A estação Mauá antecede a parada de Ribeirão Pires na direção à trajetória terminal na cidade de Rio Grande da Serra. O primeiro acesso de integração à linha é a estação Brás. A plataforma de trem em Ribeirão Pires é antiga e conserva a armação erguida no ano de 1885, sendo que no entorno houve a formação de uma colônia de imigrantes italianos. O local atrai turistas e fotógrafos. De lá para a rádio comunitária “Pérola da Serra”, o percurso pode ser feito a pé em mais ou menos quinze minutos de caminhada até a chegada na emissora, que fica na Avenida Francisco Monteiro, 518, na Vila Ribeirão. A entrada da emissora é por uma estreita porta em prédio comercial de um andar. O espaço da emissora é amplo, com uma sala que serve de escritório e redação, e outra que abriga um estúdio com ampla mesa para cinco microfones. As paredes têm revestimento antirruído; são de cor salmão

96Os contatos com o coordenador da rádio “Pérola da Serra FM” Ademar Bertoldo para a

realização desta pesquisa coordenador da rádio Pérola da Serra FM em 18/02/2014, via telefone e em 16/11/2015, presencialmente. A checagem e outras atualizações foram efetuadas para oficialização de descrições no presente texto a partir do dia 20/12/2015.

na parte superior e, na inferior, são decoradas com discos de vinil. Outros dois estúdios servem para gravações e, na parte de trás deles, em uma área aberta onde está a antena da emissora, há um painel com fotos num ambiente que também serve de refeitório. O clima é caseiro, e a recepção de Ademar Bertoldo é semelhante à de quem espera ansioso por um parente. Ele conta que se aposentou após trabalhar durante 28 anos como supervisor de produção na empresa italiana de fabricação de pneus para automóveis Pirelli, em Santo André. Diferentemente de outras radialistas comunitários da região, ele não participa e nunca participou de movimentos sindicais.

Não tenho afinidade com o sindicalismo. Sou realista. Cada um é cada um, tenho de ser espontâneo, não gosto de greves. Não gosto de cara do PT. Não que eu seja contra, mas é que eles são chatos. O sujeito trabalhava na fábrica, pegava um cargo melhor e não trabalhava mais. 97

Presidente da associação homônima e mantedora da rádio comunitária “Pérola da Serra”, que está no ar desde o ano de 2002, Ademar Bertoldo mantém o gênero esportivo na programação desde a fundação da rádio.

Sempre fui apaixonado por mandar notícias de esporte da minha cidade para jornais: Jornal da Tarde, Gazeta Esportiva, entre outros. Estamos falando de 40 anos atrás. Quando teve a febre das rádios piratas, só em Ribeirão Pires tinha cinco. Falei para um amigo abrir uma também, em 1997. Ele me achou louco, mas disse para eu fazer um programa de esporte em uma das rádios. Chegando lá, a mulher disse que precisava de apoios, fizemos direitinho. Éramos dois locutores para esse programa. Por não ter muita estrutura, a rádio fechou. Me juntei com um amigo, compramos equipamentos e montamos a 92,5, com 100 watts de potência. Era pirata. Aí chegaram os homens. Fiquei um ano assinando vias no Fórum. Tive de ir à Polícia Federal e resolver toda a burocracia. [...] falar com juiz, desembargador. 98

Estação de trem de Ribeirão Pires

97 Entrevista concedida a este autor em 16/11/2015. 98 Entrevista concedida a este autor em 16/11/2015.

Foto: Pedro Serico Vaz Filho, 18/02/2015

Ademar Bertoldo manteve a vida profissional com a atuação paralela à comunicação em rádio com a paixão pelo futebol. Sobre a escolaridade ele conta: “Não fiz jornalismo, não fiz nada”. Ele planejava a criação de uma emissora ou a atuação numa rádio bem estruturada. Nessa busca, conheceu muitos radialistas com as mesmas afinidades.

Nas reuniões que tínhamos com cerca de 100 rádios do interior, falavam muito sobre liberdade de expressão. Me cansei daquilo. A maioria não era legalizada, demorava para sair a autorização delas. Uns estavam com 500 watts, outros com 1000 watts. Fecharam todas. Aqui montamos uma associação e eu fiquei em cima do Fórum de Comunicação acompanhando o trabalho do deputado federal Arnaldo Faria de Sá e companhia. [...]. Ficamos um ano no grito e, em março de 2002, conseguimos aqui. Nós trabalhávamos sábado e domingo. Montamos a rádio num apartamento, mas a escadaria atrapalhava. Aí mudamos para cá, e pago aluguel (Ademar Bertoldo).99

Entrada da rádio “Pérola da Serra”

Foto: Pedro Serico Vaz Filho, 18/02/2015

A “Pérola da Serra” tem voluntários para a apresentação da programação musical, que é variada, incluindo músicas internacionais. Conta também com noticiários, abre espaço para a atuação de estudantes de jornalismo e radialismo, assim como para profissionais recém-formados nessas áreas.

Temos o programa “Revista São José”, do Colégio São José. Temos o Márcio, um moleque que faz mesa, direitinho. Se diverte durante uma hora e meia. Estou cansado. A sorte é que moro próximo [...]. Tem gente que não sabe da existência da rádio. Estamos com a Fernanda [Fernanda Aparecida de Souza Penerari]. Ela é radialista e mora no Jardim Caçula. Está com algumas ideias e vamos colocá-las em prática. Existe muito ego no rádio. Teve programas com seis pessoas, mas nenhum comunicador pensava na rádio, em trazer propaganda. Ribeirão é um zero à esquerda (Ademar Bertoldo).100

A jornalista e radialista Fernanda Aparecida de Souza Penerari, de 35 anos, é uma das voluntárias mais assíduas da emissora. Ela faz locuções de programas musicais e também realiza noticiários. “Aqui é a minha segunda casa. A cada dia, uma novidade. A cada dia,

um novo aprendizado”. Ademar Bertoldo conta que a “Pérola da Serra”chegou a ter 50 voluntários e que nos finais de semana, principalmente aos domingos, ocorrem dificuldades em ter a participação voluntária para apresentação de programas:

Tinha um senhor também que apresentava um programa aos domingos com 92 anos de idade. Era uma festa. A esposa dele faleceu, os amigos dele, que também eram de idade, não quiseram continuar e fiquei preso na rádio em pleno domingo. Hoje, coloco a missa de manhã, vou jogar bola e a rádio fica no automático. Anunciei nos jornais que estava precisando de voluntários e não apareceu ninguém [...]. Nós temos o antialcoólicos, abrimos a grade para a Igreja da Graça, temos um locutor, o Marcos, que é pai de santo. Frequento seu terreiro. É gente fina. Está há sete anos comigo. Sou católico, respeito todas as religiões. A rádio não tem distinção de religião, política e outros bichos mais. Isso aqui é aberto. Tenho uns amigos japoneses e queria que eles tivessem um programa aqui, falo bem a língua devido à Pirelli (Ademar Bertoldo).101

O aposentado, embora brasileiro, às vezes se expressa com leve sotaque italiano, por causa da origem. Oscila momentos de seriedade com humor nos relatos sobre a situação da radiodifusão comunitária assim também sobre a emissora que dirige com extremos cuidados com a manutenção: “Não sabem o que significa isso aqui. Não é qualquer rádio que tem cinco microfones, estrutura boa, ar condicionado, que evito usar para não gastar”. Como os demais radialistas, reclama da não permissão de patrocínio pela legislação e mantém em extrema organização os documentos da rádio e cuidados com as exigências da Lei:

Primeiro recebíamos por comercial, hoje é apoio cultural. Temos toda documentação em dia, com estatutos, diretoria organizada, transmitimos a “Voz do Brasil”, guardamos o material em arquivo de censura. Temos computador com internet. Estamos dentro da norma. Colocamos o boletim do tempo todos os dias, pois já teve caso de não colocarem e dar zebra. O ministério pega no pé. Não vou arriscar meus 74 anos. [Bem-humorado, ele ironiza]. Agora fui duas vezes para a Itália, rádio comunitária dá dinheiro, né? Sou aposentado e ganho 50 salários por mês. [...] aqui ninguém ganha nada. Nós damos uma ajuda, um almoço, a passagem de condução. E o presidente o que ganha? Dor de cabeça porque não sou político (Ademar Bertoldo).102 101 Entrevista concedida a este autor em 16/11/2015.

Ademar Bertoldo, no estúdio da “Perola da Serra”

Foto: Pedro Serico Vaz Filho

Envolvimento e participação ativa nas questões relacionadas à radiodifusão comunitária e à promoção da cidadania estão no cotidiano de Ademar Bertoldo. Observador e crítico, ele defende a manifestação da população sobre os acontecimentos do dia a dia. Revela boa memória dos acontecimentos históricos que envolvem o contexto das rádios comunitárias, empolga-se e fragmenta frases nas lembranças sobre fatos ocorridos referentes ao trabalho que realiza. A citação de nomes de políticos ou colegas surge naturalmente pelo primeiro nome deles, ou sobrenome, de maneira familiar, como se o interlocutor conhecesse cada uma das pessoas mencionadas pelo radialista. Bertoldo faz questão de mostrar fotos, documentos e assim comprovar tudo o que está dizendo. Mesmo questionando a legislação das emissoras comunitárias, defende seu funcionamento somente diante de documentação regularizada.

A gente ia às reuniões, e os caras iam presos. Teve um lá que deu a toalha pra Jesus, como se chamava mesmo? Cirineu. Ele era evangélico e tinha uma rádio. Era formado em direito em Bauru. Estava defendendo a causa dele e fecharam sua rádio. Quer abrir rádio? Abre, mas com licença na mão para não ter dor de cabeça. Tem alguns evangélicos aqui na programação. É Deus da Graça. Tomo água com eles, oro com eles. Quero estar bem com todos. A turma das reuniões queria aumento dos 25 watts, que é pouco. Nas reuniões, eu dava risada. Primeiro você tira a carta para depois dirigir. As portas estão aqui estão abertas, mas nenhum vereador coloca os pés aqui, nem mesmo um ladrão. Puta vida! Estamos na frente do McDonald’s. Está com fome? Vai lá,

paga e come. [...]. Mas esse é o Brasil varonil cor de anil (Ademar Bertoldo). 103

O radialista tem de custear a maioria das despesas da “Pérola da Serra” com os próprios recursos.

Aqui o mínimo que cobramos é 60 paus [...]. Tenho propaganda, mas não entra muito dinheiro. Dá para as despesas. A turma fala: “ Ademar, vou fazer pelo seu esforço.” Não sou político, não gosto de alguns políticos daqui que não fazem “patavina” nenhuma. Não gosto de me encostar. Estou sempre na ativa. O valor da propaganda é barato, dá para qualquer um pagar. Não tem como cobrar muito caro do comércio. A turma de Ribeirão vai comprar fora, pois aqui é mais caro. São os amigos que me ajudam um pouco. Me preocupo 24 horas por dia. Quando éramos dois na rádio pirata, tínhamos 100 propagandas, mas, no fim do mês, dava para pagar os prejuízos, mas a polícia levou todos os equipamentos (Ademar Bertoldo). 104

Aos 74 anos de idade, Ademar Bertoldo não demonstra cansaço, revela que joga bola e realiza outras atividades físicas. É viúvo. Tem dois filhos e procura diariamente atrair a atenção da população e das autoridades locais para a “Pérola da Serra”, com o objetivo de melhorar as condições da estação.

A maioria do pessoal da Câmara são meus amigos. O prefeito é corintiano, amigo dos meus filhos, tem fotos com eles. Mas em três anos, não veio nenhuma vez na rádio. Mandei carta e tudo (Ademar Bertoldo). 105

A expectativa do radialista de uma melhora para as emissoras comunitárias nos últimos quatro governos era grande. Principalmente no caso de apoio para custos e melhor alcance. Neste sentido, uma esperança comum aos demais.

Tínhamos uma expectativa em relação à entrada do PT no governo. Estamos frustrados. Não tem um que não esteja. Agora criaram uma norma em que os poderes públicos podem fazer propaganda: Câmara Municipal e Prefeitura. Mas, se eu for depender deles, fecho no dia seguinte. Consigo me manter porque tenho amigos, sou da cidade, procuro andar direito, ter uma vida limpa. A única coisa que maculou um pouco foi a rádio pirata. Mas ando de cabeça

103 Entrevista concedida a este autor em 16/11/2015. 104Entrevista concedida a este autor em 16/11/2015. 105Entrevista concedida a este autor em 16/11/2015.

erguida, a rádio não tem dívidas, mas não temos sede própria. Fazia parte da ABRAÇO. [Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária]. A Erundina [Deputada Federal Luiza Erundina de Souza] esteve conosco, o Rui Falcão [Deputado Federal, presidente do Partido dos Trabalhadores], também. A Oboré [empresa prestadora de serviços que atua na comunicação popular] era do Serjão [Sérgio Gomes, diretor da Oboré], naquela época era menos política. Mas é tudo muita promessa. Rádio comunitária é tudo tranqueira na visão deles. Não fecho porque é um ideal meu. Ainda tenho mais dois anos de gestão (Ademar Bertoldo).106

A situação da rádio comunitária “Pérola da Serra”, mesmo diante das dificuldades que o gestor Ademar Bertoldo expõe, é considerada privilegiada. Cumpre o ideal do radialista em interagir com o público que participa da programação via telefone e redes sociais e procura a emissora para divulgações diversas incluindo as ações locais. “Sem incentivo para a participação dos ouvintes não tem cidadania e essa é uma das linhas defendidas aqui e que seguimos a risca”, afirma a radialista Fernanda Aparecida de Souza Penerari, apresentadora da rádio.

Na programação da “Pérola da Serra”, o destaque é musical em todos os horários. No entanto, essa atração é interrompida eventualmente com informativos, entrevistas, avisos/comunicados, solicitações de ouvintes, prestação de serviços, principalmente achados e perdidos incluindo coberturas de campeonatos de jogos de futebol de Ribeirão Pires. Da mesma forma os festejos do munícipio. Reuniões com radialistas comunitários da região do ABCD acontecem muitas vezes na sede da “Pérola da Serra” pelo hábito e força do relacionamento que Ademar Bertoldo mantém com os colegas de rádio e incentivo que oferece a estes para perseverança nos projetos radiofônico comunitários da região.

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