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Abel Salazar entre a arte e a ciência

No documento Arte e ciência na Casa-Museu Abel Salazar (páginas 54-56)

Parte I – OS MUSEUS COMO ESPAÇOS SOCIAIS

2. Abel Salazar e a Casa-Museu

2.1. Abel Salazar entre a arte e a ciência

Abel de Lima Salazar, filho de Adolfo Barroso Pereira Salazar e de Adelaide da Luz Silva Lima118, nasceu a 19 de Julho de 1889, no Hotel Toural, em Guimarães.

Completou, nessa cidade, os estudos primários e, frequentou ainda, alguns anos do ensino secundário, mas foi na cidade do Porto que concluiu o ensino, uma vez que o pai, professor de Francês, foi leccionar para a Escola Industrial Infante D. Henrique.

Desde cedo que mostrou aptidão para o desenho, e chegou a querer seguir o curso de Engenharia, mas por vontade do pai matriculou-se na Escola Médico-Cirúrgica do Porto em 1909, e logo em 1915, termina a sua tese “Ensaio de Psicologia Filosófica” onde obteve 20 valores.

Em 1918, Abel Salazar, com 30 anos de idade, foi nomeado Professor Catedrático de Histologia e Embriologia e, nesse mesmo ano, fundou o Instituto de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina do Porto. No início da sua carreira, enquanto Professor e Assistente, Abel Salazar estudou durante alguns anos a anatomia do cérebro, expondo novas concepções sobre a sua evolução e diferenciação sistemática. Reflectiu, ainda, sobre problemas referentes à biologia do ovário, onde expôs interpretações originais sobre a atrésia dos folículos de Graaf. Descobriu as mitoses atípicas e sideradas da granulosa dos folículos (que têm o seu nome), os corpos atréticos autónomos, a atrésia hidrópica, e as células tanófilas. Introduziu na técnica histológica o método tanoférrico, e na acção pedagógica prestigiava sempre o livre arbítrio e o autocontrole para o sentido de liberdade responsável.119

A carreira universitária de Abel Salazar divide-se em quatro fases: de 1916 a 1926 - da ascendência ao professorado à doença que o interrompe; de 1931 a 1935 - da doença à

117 Em Anexo encontra-se uma biografia mais completa. 118

CUNHA, Norberto de. Genese e Evolução do ideário de Abel Salazar, Temas Portugueses, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1997, p.18.

119 Encontra-se em Anexo um texto “Abel Salazar – os seus estudos científicos” onde a sua actividade profissional científica se encontra mais pormenorizada.

demissão compulsiva; de 1935 a 1940 - da doença à retomada da investigação no Centro de Estudos Microscópicos em Farmácia; e de 1941 a 1946 - daí à sua morte.120 As grandes áreas científicas em que se debruçou, cronologicamente, foram a Anatomia do cérebro, Histologia e Embriologia e a Hematologia.

Para Manuel Valente Alves, Abel Salazar «foi um perseguidor da “verdade” na arte e na ciência. Uma e outra, embora sendo coisas distintas, completavam-se, como se fossem duas faces da mesma moeda. Daí contrapor a subjectividade metafísica da pintura à objectividade científica das experiências laboratoriais».121 Essa sua forma de ser não foi sempre entendida como verifica «neste extracto de uma carta de Álvaro Cunhal, escrita após uma visita a uma exposição de Abel Salazar: “… vejo com desgosto muitos jovens progressistas deixarem agradar-se mais pelas “notas de Paris”, que pelas múltiplas “mulheres no trabalho”.»122

Destacou-se na Pintura como pintor da figura humana, principalmente da figura feminina, tanto da mulher burguesa, como da mulher trabalhadora. Pintou ainda a mulher parisiense, que captou a sua atenção na época de 1934, e que representa de forma elegante, eternizando a vida de cabaret dos anos 30. Através da pintura imortalizou algumas profissões, como a carrejona, a leiteira, a carvoeira. Pintava sobre tela ou madeira (na sua maioria), onde muitas vezes não colocava camada de preparação, pintando directamente sobre a madeira, deixando visíveis os veios da mesma. Foi, ainda, um exímio paisagista, das paisagens minhotas a óleo de influência impressionista, com cores vivas e pinceladas soltas, demonstrando especial sensibilidade na representação/ tratamento da luz. As suas telas são, numa fase inicial123, bastante coloridas, mas ao longo dos tempos passam a monocromáticas, tendencialmente em tons escuros. A sua pintura caracteriza-se por ter um traço espontâneo e expressivo, e por conter, por vezes, numa mesma pintura diferentes materiais, como lápis e carvão.

O Desenho foi a arte mais representada, Abel Salazar, desenhava em diversos tipos de papel, em blocos de bolso, onde representava paisagens, pessoas, preparações científicas. O

120

COIMBRA, António. Abel Salazar: 96 Cartas a Celestino da Costa, Colecção Porto Cidade de Ciência, Gradiva, 2006.

121

ALVES, Manuel Valente. Transparência – Abel Salazar e o seu tempo, um olhar, Roteiro da Exposição, Museu Nacional de Soares dos Reis e Casa-Museu Abel Salazar, Porto 2010, p. 21.

122 Idem, ibidem. 123

Desenho foi, talvez, a arte que mais o uniu à Ciência. Mais uma vez, preferiu o tema da mulher, burguesa e trabalhadora, por vezes apenas esboços, verdadeiros estudos de movimento e de anatomia do corpo humano. Empregava diferentes tipos de materiais – lápis, carvão, tinta-da-China em pincel e em aparo. Alguns desenhos terão sido “ensaios” para pinturas, mas destacam-se as suas caricaturas, marca do seu sentido de humor, que representavam amigos, professores, conhecidos e cientistas. Produziu gravuras nas técnicas de ponta seca, monotípia e água-forte. Com cobre fez uns pratos decorativos com figuras femininas, numa técnica denominada de cobre martelado, onde repuxava e cinzelava o cobre executando, também, jarras e cinzeiros. Como escultor, as suas obras são notáveis, de carácter expressionista e com influência das esculturas de Auguste Rodin. Estas representam sempre a figura humana, ou em busto ou em pequenas estatuetas em figura de mulher, esculpidas em gesso, gesso patinado a bronze ou, simplesmente, bronze. É a arte com menor representação, uma vez que começou a esculpir já nos anos 40.

Quando afastado da cátedra de Histologia e Embriologia, e do seu laboratório na Faculdade de Medicina, em 1941, Abel Salazar é integrado na Faculdade de Farmácia do Porto, onde é criado o Centro de Estudos Microscópicos, ainda que em condições precárias. Esta fase marca a investigação de Abel Salazar, onde demonstra mais uma vez a sua versatilidade. A aplicação das suas próprias técnicas no estudo do sangue, proporcionou-lhe uma tentativa de renovar a questão da evolução genética de certos glóbulos do sangue, dos granulocitos.124

Abel Salazar morreu vítima de cancro do pulmão, em Lisboa, a 29 de Dezembro de 1946.

No documento Arte e ciência na Casa-Museu Abel Salazar (páginas 54-56)