• Nenhum resultado encontrado

As pontes entre a arte e a ciência

No documento Arte e ciência na Casa-Museu Abel Salazar (páginas 61-64)

Parte I – OS MUSEUS COMO ESPAÇOS SOCIAIS

2. Abel Salazar e a Casa-Museu

2.2. A Casa-Museu Abel Salazar: História, missão e colecções

2.2.4. As pontes entre a arte e a ciência

Ainda não há muito tempo era comum visitar-se colecções de arte ou ciência, com a particularidade de não estarem associadas entre si. Pois, habitualmente, estas duas áreas não se misturavam a não ser em colocar arte ao serviço da ciência com desenhos de órgãos, desenhos histológicos.

Abel Salazar escreveu que para definir Arte seria preciso definir Vida139 e proferiu, ainda, que a «Arte e a Ciência ocupam dois campos irredutíveis; cada um tem as suas propriedades intrínsecas. Mas as esferas da Ciência e da Arte, assim separadas, estão no entanto em contacto».140 Na sua opinião, o contacto fazia-se pela síntese psicológica da Forma e da Emoção e, à «separação lógica das esferas da Ciência e da Arte, corresponde pois um contacto, e, com este contacto, a síntese referida: síntese que (…) é do tipo psicológico».141 Assim, defendia não existir contradição ou paradoxo nestas relações «da Arte e da Ciência; elas são independentes e conexas, porque a independência é lógica, e a conexão psicológica».142

Para Diogo Alcoforado143 Abel Salazar alimentava os seus dias de investigação e observação microscópica ou desarmada, «ver uma preparação histológica ou ver um corpo ou um rosto de mulher, eis as duas das possibilidades que vertiginosamente lhe perseguem, enquanto uma parece potenciar a exigência da outra, seu oposto e seu complemento. Ou, para Abel Salazar o seu modo de equilíbrio.» Deste modo, percebe-se que, na verdade, a

138 Biblioteca Alberto Saavedra. 139

SALAZAR, Abel. O que é a Arte?, Obras Completas de Abel Salazar, vol. V, Campo das Letras, Porto, 2003, p. 35. 140 Idem, p. 143. 141 Idem, ibidem. 142 Idem, ibidem. 143

ALCOFORADO, Diogo. «Abel Salazar: O Desenhador Múltiplo», in Abel Salazar, o Desenhador Compulsivo, Coordenado por Alfredo Caldeira e Clara Távola Vilar, Centro Cultural de Belém, Fundação Mário Soares, Casa-Museu Abel Salazar, 2006, p. 37.

arte e a ciência estavam em perfeita sintonia na vida de Abel Salazar. Na opinião de Manuel Valente Alves (2010)144

«Com o microscópio entrou na intimidade das células fazendo ciência; com o “macroscópio” – a pintura e o desenho – ele entrou no mundo das pessoas, da sociedade, da polis, dando-nos a ver mundos dentro dos mundos, num olhar detido e apaixonado pelo real e as suas “ressonâncias íntimas”. Tudo isso era ainda filtrado por um pensamento crítico e filosófico muito próprio, baseado em regras que privilegiavam não a linearidade mas a complexidade dos fenómenos.

Apesar de considerar que a ciência e a arte constituíram dois campos irredutíveis do saber, Abel Salazar entendia que eles se ligavam entre si através de conceitos como a “forma” e a “emoção”. Deste modo, ele lograva ultrapassar a contradição e o paradoxo que poderiam existir nas relações da arte com a ciência (em sua opinião logicamente independentes mas ao mesmo tempo conectadas psicologicamente).»

A importância de relacionar arte e ciência no museu para a comunidade prende-se com o facto de os museus terem o dever de promover o entendimento das colecções por parte dos públicos. «O emaravilhamento acontece no encontro entre os processos maravilhosos de descoberta / investigação da ciência (…) de forma não-intimidatória, facilitando as aprendizagens, as novas construções e as colecções/ os conhecimentos do museu / o savoir

faire / o arquivo e, claro, as próprias experiencia / construções / expectativas».145 Os museus são espaços de encontro onde através das experiencias que proporcionam as exposições transformam-se de um espaço de representação num espaço de encontro.146

Segundo Ana Delicado147 «ao longo dos últimos dois séculos, os museus têm sido instrumentos recorrentes nas políticas de promoção da cultura científica». Pois, aparentemente, a observação dos objectos permite uma melhor transmissão de conhecimento.

144

VALENTE ALVES, Manuel. Transparência – Abel Salazar e o seu tempo, um olhar, Museu Nacional Soares dos Reis, Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, Porto, 2010, p. 45..

145

SEMEDO, Alice. «Cuestiones sobre democracia y otros hechizos. Des)armonía en los museos», in Museos:

del templo al laboratório, por Juan Carlos Rico (coord.), Madrid, Silex Ediciones, p.16.

146

MACDONALD, Sharon e Paul Basul. Exhibition Experiments, New Interventions in Art History, Blackwell Publishing, 2007, p. 14.

147

DELICADO, Ana. «Os Museus e a Promoção da Cultura Científica em Portugal», in Sociologia, Problemas e

Nos últimos anos temos assistido a um crescente interesse nestes temas, por ex. Rosie Tooby do Wellcome Collection148 tem explorado uma interface de artes e ciências, em que tem trabalhado na Arts Awards Grants Scheme. Expõe que aspectos positivos do projecto prendem-se com o facto de haver discussão de projectos com produtores, artistas e cientistas. Os cientistas são, recorrentemente, surpreendidos pelos artistas com quem trabalham, por terem um diferente modo de ver o trabalho, e por outro lado, os artistas são por vezes surpreendidos até onde uma nova colaboração leva a sua prática. Tooby descreve que o trabalho da Trust tem criado colaborações entre arte e ciência, como o retrato que Marc Quinn criou de Sir John Sulston baseado no seu ADN, uma ideia onde a arte se cruza com significado com a ciência e conceitos científicos.

Vários são os estudos que se vão praticando à volta do tema, algumas pessoas acreditam que o efeito da arte dá-se apenas mentalmente, outros acreditam que a arte produz efeito em todo o corpo.149 Em “Pathways of Science Discovery Communicating Science”150 a ciência é definida como um actividade imaginativa tal como a arte ou poesia, pois todas têm que experimentar com ideias o que imaginaram, enquanto o desenho é a forma mais básica de visualizar uma ideia. Concluem que os cientistas criam histórias sobre o funcionamento do mundo com base no seu próprio entendimento do mundo, através dos cinco sentidos. As suas histórias são sempre verificadas através do filtro que é a experiencia humana com o mundo, mas com rigor, as verdades que aprendemos sobre o mundo são verdades criadas pelos homens, colocando os cientistas como seres criativos, tal como os artistas.

Na verdade, são muitos os programas já desenvolvidos nestas duas áreas que conseguem ser diferentes entre si, salvaguardando o interesse das colecções e a missão do museu. Acredita-se que, também na Casa-Museu Abel Salazar essas barreiras possam ser quebradas cada vez mais.

148

TOOBY, Rosie. Can art and science interact meaningfully? in http://wellcomecollection.wordpress.com/ Acedido em: 31/08/2011.

149

BIRCHALL, Danny. Art on Prescription, in http://wellcomecollection.wordpress.com/2011/08/16/art-on- prescription/ . Acedido em: 31/08/2010.

150 Pathways of Science Discovery Communicating Science, p. 2 in

No documento Arte e ciência na Casa-Museu Abel Salazar (páginas 61-64)